janeiro 31, 2012

................................ DOIS de FEVEREIRO, DIA de FESTA no MAR



 
Ilustrações:
CARYBÉ
(1911 - 1997. Lanús / Argentina)
 
 
No dia dois de fevereiro, celebra-se Mãe Yemanjá, a senhora dos oceanos, regente absoluta dos lares e protetora da família, chamada também de Dona Janaína ou Deusa das Pérolas. A mais tradicional festa em sua homenagem acontece em Salvador, capital da Bahia, na praia do Rio Vermelho, movimentando um grande número de iniciados e simpatizantes, tanto da Umbanda como do Candomblé. Na mesma data, ela também é cultuada em diversas outras praias brasileiras, onde lhe são ofertadas velas, perfumes, espelhos, pentes, colares e flores, lançados ao mar em pequenos barcos artesanais, após o devoto pular sete ondas. No Rio de Janeiro, as comemorações marcam a passagem de ano e podem ser vistas por toda a orla marítima. Segundo o escritor baiano Jorge Amado, Yemanjá é também conhecida por dona Janaína, Inaê, Princesa de Aiocá e Maria, no paralelismo com a religião católica. Aiocá é o reino das terras misteriosas da felicidade e da liberdade, imagem das terras natais da África, saudades dos dias livres na floresta.



Os Orixás são deuses de origem africana que correspondem a pontos de força da natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas energias. As características de cada Orixá aproximam-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada um tem o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. Estes deuses são divididos em quatro elementos – água, terra, fogo e ar. Alguns estudiosos ainda vão mais longe e afirmam que são quatrocentos o número de Orixás, divididos em cem do Fogo, cem da Terra, cem do Ar e cem da Água. Porém, os mais conhecidos formam um grupo de 16 deuses. Eles, como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, foram associados a santos católicos, devido à imposição do catolicismo aos negros.

O nome de Yemanjá deriva da expressão YéYé Omó Ejá, que significa, mãe cujos filhos são peixes. Na África, era cultuada pelos Egbá, nação Iorubá da região de Ifé e Ibadan, onde se encontra o rio Yemojá. Apesar de no Brasil ser celebrada nas águas salgadas, a sua origem é de um rio que corre para o mar. Inclusive, todas as suas saudações, orikís e cantigas remetem a essa origem. “Odó Iyà”, por exemplo, significa mãe do rio, já a saudação “Erù Iyà” faz alusão às espumas formadas do encontro das águas do rio com as do mar. Yemanjá é a mãe de todos os filhos, mãe de todo mundo. Ela sustenta a humanidade e, por isso, os órgãos que a relacionam com a maternidade, ou seja, a sua vulva e seus seios chorosos, são sagrados. Espelho do mundo, reflete todas as diferenças. Mãe que orienta, mostra os caminhos, educa, e explora as potencialidades do ser humano. Dissimulada e ardilosa, faz chantagem afetiva para manter os filhos sempre por perto. Suas cores são o azul claro e branco; sua bebida, o espumante ou o champanhe.

Quando Olodumaré criou o mundo, dividiu-o conforme a natureza individual dos Orixás, entregando um reino específico para cada um governar. Para Yemanjá, coube como missão, cuidar de Oxalá, de assisti-lo em suas tarefas, de cuidar de sua casa e de seus filhos. Insatisfeita, pois todos os outros Orixás pareciam ter funções mais importantes, ela reclamava o tempo todo. Teve também problemas com a maioria dos seus muitos filhos. Ossain, o mago, saiu de casa muito jovem e foi viver na mata virgem, estudando as plantas. Contra os conselhos da mãe, Oxóssi bebeu uma poção dada por Ossain e, enfeitiçado, também passou a viver no mato. Passado o efeito da poção, ele voltou para casa, mas Yemanjá, irritada, expulsou-o. Então Ogum a censurou por tratar mal o irmão. Exu, seu outro filho, encantou-se por sua beleza e tomou-a a força, tentando violentá-la. Bravamente ela resistiu à violência do filho que, na luta, dilacerou os seus seios. Arrependido pelo que fez, Exu saiu no mundo, desaparecendo no horizonte. Entre a dor, a vergonha, a tristeza e a pena que teve pela atitude do filho, ela pediu socorro ao pai Olokum e ao criador Olorum. E, dos seus seios dilacerados, a água, salgada como a lágrima, deu origem aos mares. Exu, pela atitude infeliz, foi banido da mesa dos Orixás, tendo como incumbência ser o guardião, não podendo se juntar aos outros na corte. Em conflito com os filhos, Yemanjá chorou tanto que se derreteu e formou um rio que correu para o mar. 

Numa Casa de Santo, Yemanjá atua dando sentido ao grupo, à comunidade ali reunida e transformando essa convivência num ato familiar; criando raízes e dependência; proporcionando sentimento de irmão para irmão em pessoas que há bem pouco tempo não se conheciam; e também o sentimento de pai para filho ou de mãe para filho nos casos de relacionamento dos Babalorixás (Pais no Santo) ou Ialorixás (Mães no Santo) com os Filhos de Santo. É ela que proporciona boa pesca nos mares, regendo os seres aquáticos e provendo o alimento vindo do seu reino. É ela quem protege os navegantes e pescadores. Salve, Rainha do Mar!


CULINÁRIA RITUALÍSTICA para YEMANJÁ

MOQUECA de SIRI

Ingredientes: 
200g de carne de siri; cebola; tomate; coentro; suco de limão; sal; dendê; 1/2 xícara de leite de coco.

Preparo: 
Refogar os temperos, juntar o siri e cozinhar. Por fim, despejar o leite de coco e apurar o caldo.

MANJAR BRANCO

Ingredientes: 
1 litro de leite; 1 coco; 2 colheres (sopa) de maizena; 1 xícara de açúcar; 1 prato branco grande; e mel.

Preparo: 
Ralar o coco e colocá-lo num guardanapo, espremendo bem, até sair o leite, que deverá ser reservado. Numa panela, ferver o coco ralado com o leite. Depois coar, separando o coco do leite. Com uma pequena parte do leite se dissolve a maizena. Acrescenta-se o açúcar, mexendo sempre com uma colher de pau. Antes de começar a ferver, juntar o leite do coco, que ficou reservado. Quando esta mistura atingir a consistência de uma papa bem grossa, o manjar estará pronto. Despejar numa forma previamente molhada. Lavar o prato branco em água e mel. Desenformar o manjar depois de frio, para não rachar, enfeitando com coco ralado.


janeiro 26, 2012

.......................................................................................................... O POETA

foto de morvan frança
 
 
 O POETA

Antonio Nahud

O fim é o princípio.
O Poeta é o mundo.
Uma página arbórea que se vira.
A palavra peregrina em folha áspera.
O mel do que existe, resiste.
A História caiada de sangue. Desde sempre.
Clara Camarão na hora inimiga,
tesouros do corsário Lafitte,
olhos de sobressalto de Lampião,
Cascudo, jangadas, enigmas à meia-luz.
Atenção!
O Poeta é o alvo.

Sem destino, por um triz,
sob o céu armorial,
devora imagens, fracassos,
calmarias, ausências,
e espantos.
É todos os nomes,
todas as cores,
todos os corpos suados,
a inaudita terra sagrada,
e os vales invisíveis do cu do mundo.

Musgos e fósseis.
Algas e pérolas.
Pântanos e mangues.
Labirintos e amplidão.
Baobás,
mangueiras,
vagalumes,
satélites e alienígenas,
luas incendiadas,
casas antigas,
mortes anunciadas,
frutos de ouro,
águas sedentas.

O Poeta tem o Coração na mão.
O ponto de encontro.
De quem pensa. De quem faz pensar.
O que o cerca é essa
seca
líquida
indizível
que salta pelos olhos,
em noites de ninguém, e
suspiros inumados.

E ele canta!
pele tatuada,
floresta de jade,
árvores afáveis em simetria.
Sortilégios à espreita.
Tocaias,
abelhas minuciosas,
mandacarus em flor,
jazz melancólico,
rios e chuvas repentinas,
pitanga e graviola,
colibris que choram,
caracóis,
paisagens de sonho,
tempestades
e mar aberto.

Os versos de bronze são seus. E de todos.
E a poeira que valsa nas bibliotecas.
O pânico que nos aprisiona
e a violência náufraga.
O Poeta fala de guerra e paz,
de raízes que gemem,
milagres e ferocidades,
cárceres e lápides,
reinos e oráculos,
colméias e relíquias,
Deus e o Diabo.
É tradição, nódoa e vocação.
Servo e rei. Triste figura e seiva de querubins.
Misericórdia e furtiva desilusão.
Literatura úmida de dor e de esplendor.
Janela andrógina para a solidão.
Sol, sertão, intuição.

O Poeta – tão louco e tão belo! –
enfeitiçado e feiticeiro
acaricia lâminas.

eu em foto de morvan

janeiro 22, 2012

................................................... VALEI-ME, SÃO SEBASTIÃO!

pietro perugino

 
Segundo o pintor Iaperi Araújo, sua exposição “é um documentário de fé e de estética”. Em exibição na Galeria Newton Navarro (Fundação José Augusto, Natal), a mostra VALEI-ME, SÃO SEBASTIÃO! homenageia o ícone católico. Fazendo parte do projeto “Público é Privado”, a maioria dos trabalhos é da coleção particular do artista. Telas preciosas de Jomar Jackson, Leopoldo Nelson e do próprio Iaperi, entre outros. Padroeiro da igreja católica e protetor dos povos contra as grandes catástrofes, São Sebastião foi tema de várias expressões artísticas, destacando-se na Renascença, de Sandro Boticelli a Ticiano, de Perugino a El Greco. Na literatura, teve sua trajetória contada em “Perseguidores e Mártires” (1960), do escritor italiano Tito Casini, e foi um dos personagens centrais do romance “Fabíola (também intitulado “A Igreja das Catacumbas”), escrito em 1854 pelo Cardeal Nicholas Wiseman. Essa obra foi filmada por Alessandro Blasetti em 1949, na França, estrelando Michèle Morgan, e com o ator italiano Massimo Girotti no papel de São Sebastião. Refilmado por Nunzio Malasomma, em 1961, na Itália, como “A Revolta dos Escravos / La Rivolta degli Schiavi”, com Ettore Manni como o santo mártir. Em 1976, o diretor britânico Derek Jarman lançou “Sebastiane”, que causou polêmica em seu tratamento do mártir como um ícone homossexual. No entanto, como vários críticos têm notado, este tem sido um subtexto da imagem desde o Renascimento. Em seu romance “Morte em Veneza” (1912), o alemão Thomas Mann elogia a figura do santo como o símbolo supremo da beleza apolínea.  
                        
jomar jackson
Nas tradições afro-brasileiras, Oxossi é sincretizado como São Sebastião. Grande Orixá das florestas, das relações entre o reino animal / vegetal e caçador ágil, comumente é representado caçando com arco e flecha.
Originário de Narbonne e cidadão de Milão, SÃO SEBASTIÃO (256 d.C. – 286 d.C. França) morreu durante a perseguição levada a cabo pelo imperador romano Diocleciano. O seu nome deriva do grego sebastós, que significa divino, venerável (que seguia a beatitude). De acordo com os “Actos Apócrifos”, atribuídos a Santo Ambrósio de Milão, Sebastião se alistou no exército romano por volta de 283 d.C.. Queridinho do imperador Dioclecian, que o queria sempre próximo, ignorando tratar-se de um cristão e, por isso, o designou capitão da sua guarda pessoal, a Pretoriana. Por volta de 286, a sua conduta branda para com os prisioneiros cristãos levou o imperador a julgá-lo sumariamente como traidor, tendo ordenado a sua execução por meio de flechas (que se tornaram símbolo na sua iconografia).
Dado como morto e atirado no rio, não havia falecido. Encontrado e socorrido pela futura Santa Irene, apresentou-se novamente diante de Diocleciano, que ordenou então que ele fosse espancado até a morte. Seu corpo foi jogado no esgoto público de Roma. Luciana (depois Santa) resgatou seu corpo, limpou-o e o sepultou nas catacumbas. Mas existem inconsistências no relato de sua vida: o edito que autorizava a perseguição sistemática dos cristãos pelo Império foi publicado apenas em 303 (depois da Era Comum), pelo que a data tradicional do martírio de São Sebastião parece precoce. O simbolismo na História, como no caso de Jonas, Noé e também de São Sebastião, é visto, pelas lideranças cristãs atuais, como alegoria, mito, uma construção histórica que atravessou séculos. 

iaperi araújo e eu
exposição
 VALEI-ME, SÃO SEBASTIÃO!
(obras do acervo particular de Iaperi Araújo)

Galeria de Arte Newton Navarro, Fundação José Augusto 
Natal, Rio Grande do Norte

21 a 31 de Janeiro, 8h às 17h.

Nota: *** (bom)

antoon van dyck

janeiro 17, 2012

.............................................................................. PRETO e BRANCO


 
 
Estive recentemente na Fundação Pierre Verger, em Salvador, compreendendo que estava no templo de um europeu com alma baiana. Excepcional fotógrafo e etnólogo, o franco-brasileiro autodidata PIERRE VERGER (1902 - 1996. Paris / França) fotografou em preto-e-branco – e com fecunda sensibilidade - a Bahia, e os corpos que ele retratou são peitos, troncos e bundas enrijecidas pela história e pela vida dura. São homens açoitados pela escravidão numa Bahia que é graça, prazer, leveza, mas também luta. Após a idade de 30 anos, depois de perder a família, Verger assumiu a carreira de fotógrafo, usando uma máquina Rolleiflex. Durante os quinze anos seguintes, ele viajou os quatro continentes e documentou muitas civilizações que seriam apagadas logo através do progresso, publicando suas expressivas fotos em revistas como Paris-Soir, Daily Mirror, Life e Match.

pierre verger
Na cidade de Salvador, apaixonou-se pelo lugar e pelas pessoas. Seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural que encontrou, acabou ficando. Como fazia em todos os lugares onde esteve, preferia a companhia do povo, os lugares mais simples. Os negros monopolizavam o lugar e também a sua atenção. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas Verger foi buscando conhecer com profundidade. Quando descobriu o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade do povo baiano e se tornou um estudioso do culto aos Orixás, passando a investigar a diáspora africana - o comércio de escravos, as religiões afro-derivadas do novo mundo, e os fluxos culturais e econômicos etc. Depois de estudar a cultura Yorubá e suas influências no Brasil, tornou-se um iniciado da religião Candomblé, assumindo o nome religioso Fatumbi (renascido pelo Ifá) e exercendo seus rituais como babalawó (sacerdote Yorubá). Ele definia o Candomblé como: uma religião de exaltação à personalidade das pessoas. Onde se pode ser verdadeiramente como se é, e não o que a sociedade pretende que o cidadão seja. Para pessoas que têm algo a expressar através do inconsciente, o transe é a possibilidade do inconsciente se mostrar.

As contribuições de Verger para a etnologia constituem em dúzias de documentos de conferências, artigos de diários e livros, e foi reconhecido pela Universidade de Sorbonne, que conferiu a ele um grau doutoral em 1966 — um real feito para alguém que saiu da escola secundária aos 17 anos de idade. Ele continuou estudando e documentando sobre o assunto escolhido até a sua morte em Salvador, aos 94 anos. Em seus últimos anos de vida, a sua grande preocupação passou a ser disponibilizar as suas pesquisas a um número maior de pessoas e garantir a sobrevivência do seu acervo. Seu trabalho como fotógrafo influenciou nomes consagrados como Mario Cravo Neto e Sebastião Salgado, entre outros. A entidade sem fins lucrativos Fundação Pierre Verger guarda mais de 63 mil fotografias tiradas por ele, como também seus documentos e correspondência.

 Algumas Publicações

“Pierre Fatumbi Verger: Dieux D'Afrique” (1954)
de Paul Hartmann;
“Notas Sobre o Culto aos Orixás e Voduns” (1999);
“Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos” (1985);
“Ewé, o Uso de Plantas na Sociedade Iorubá” (1995);
“Retratos da Bahia - Pierre Verger” (l980).
 

janeiro 08, 2012

.............................................. Na NATUREZA SELVAGEM: POEMAS





POEMAS de ANTONIO NAHUD
Suave É o Coração Enamorado (2006)
Fotografias:
MORVAN FRANÇA


se não houvesse nome
se não houvesse designação
para o que é transitório
a orquídea
a vidraça
o território
e eu assim
no centro de uma hora lassa
feito a mornura do dia
acolhida no pistilo de uma flor

se não houvesse nome
para o espírito o rio e suas coisas
pedras peixes
o universo e os sóis os céus
e os sons em seus buracos negros
que nem os ouvem ninguém

se não houvesse nada de nome
na face da terra
nem plurais como risos
vozes
roucas
rugas
dores

se não houvesse nada de nome
eu criaria o Teu
em sobressalto
assim soletrado ao sabor do vento
e de pausas


por tua causa vi a noite azul
tudo turquesa no meu coração
tudo cor de topázio
tudo luz e sombra

por tua causa
lembrei de outros tempos
em que lidava com inocências
cores azuladas
aromas
paixões insensatas


no dia do teu fim
um magma um lume
um verso uma dádiva
um sopro a cor lilás
a textura de uma folha
nuvens que passam
algo que se assemelha
irremediavelmente à ternura

que nenhum equívoco desponte
nem os falsos digam que te querem bem

no dia do teu silêncio eterno
invoque o sol e o mar
nada de saudades
nenhuma penúria
nenhum espinho
nenhuma arte mirrada
não apague velas
mantenha a chama acesa!