fevereiro 06, 2021

................................................. DIFERENTE dos OUTROS



Não sou de inventar coisas, mas de contá-las. Minha vida, como a de quase todos, é junção de vitórias e derrotas. A radiografia dessa existência revela um triunfo sobre a ignomínia e a maldade, luz contra o desalento e a depressão. Resumindo, rejeito o mal e procuro ser justo, vendo além das aparências.

Amo profundamente a vida, mas perdi o encantamento pela humanidade há anos. Acredito que os valores morais apodreceram, os sentimentos murcharam, as relações sociais são vazias. Tornei-me um misto ambíguo de desilusões e instintos. Enfrentei adversidades, resisti ao infortúnio e sou coerente quanto ao que creio.

Não me incomoda estar sozinho. Eu e plantas, livros, filmes, música, um bom vinho. Adoro dançar na sala com fantasmas e cozinhar com requintes de Babette somente para mim. Sem rancor, compreendi que o ser humano é capaz das piores maldades. Mente, engana, trai, rouba, mata, despreza, abandona, faz intrigas.

Acredito na arte, ela é um antídoto contra a mediocridade e a desfaçatez do nosso tempo. Sei o valor do cinema e da literatura, que ensina que a imaginação, mais que um refúgio, é uma arma para se enfrentar a realidade adversa. Seria preciso dar um sentido para a vida, mas as coisas, em geral, não têm sentido.

Envelhecer me fez renascer, ver o mundo como realmente é. A beleza física, a lealdade e o carisma me foram benéficos por décadas. Frequentei a intimidade de gente importante, desprezando o puxa-saquismo e o ilegal. Tive sorte. Casei, descasei, fui amado, amei sem limites. Restou o funeral do romantismo.

Conheci o mundo, palácios, museus, teatros, festivais de cinema, desertos, florestas, rios, catedrais barrocas, hotéis cinco estrelas, a neve, montanhas. Publiquei livros, ganhei prêmios, entrevistei celebridades para os principais jornais do Brasil e Portugal, divulguei jovens artistas, escrevi como um alucinado.

Jovem politicamente alienado, em 2015 despertei, lutando pelo impeachment de Dilma Rousseff. Nunca mais parei. Fui às ruas, vesti verde e amarelo, apoiei a Lava Jato, consegui centenas de votos para o nosso Capitão, chorei com os absurdos do STF e me envergonhei da imprensa suja. Descobri a importância de ser patriota.

De homens pequenos o Brasil está cheio. Pequenos na alma, na postura e na visão de mundo. Graças a crença num país melhor via Bolsonaro, perdi empregos, tentaram me matar, fui sabotado, fecharam-se portas. Não me queixo. Estou preparado para o melhor e o pior. Agradeço por sobreviver dignamente.

Estou exilado numa cidade solar e insossa, eu que sempre entreguei o coração ao afeto, ao culto, ao poético e ao intenso. Não sou de lágrimas, apenas me encantaria viver no campo, numa cidade pequena, numa ilha discreta, noutro lugar, longe, muito longe, do convívio urbano nordestino supostamente sedutor.

Quero muitos anos de vida, mas não receio a morte. De braços abertos, confio no divino, e sei que os espíritos, os anjos, podem ser contrapontos a transitoriedade dos corpos. Não tenho razões para me arrepender. Nada de ressentimentos. Não tenho temperamento para isso. Sou um poeta em paz. Por que vou mudar?