Genial, mística e irreverente, assim era a HILDA HILST (1930 - 2004. Jaú / São Paulo) que lembro. No início da década de 1990, inquilino na Casa do Sol, Parque Xangrilá, Campinas (SP), compartilhei segredos, vontades, pavores da autora de “Qadós” (1973). A residência da poeta não tinha tapetes no chão, nem cortinas nas amplas janelas. O fungo desenhava mapas miúdos nas paredes. Floresta majestosa de livros, papéis, lápis coloridos, canetas orientais, cristais, caixas, arcas, armários coloniais, uma lareira habitada por morcegos. No jardim, palmeiras, mangueiras, figueira centenária que atendia súplicas. Compromissada com presságios e premonições, entre viagens astrais e prognósticos, a majestosa senhora enxergava bolas douradas e nebulosos vultos de lábios violáceos em trajes de época. Quando não estava aborrecida, em noites de finíssimo timing cômico, a poeta recordava o passado frenético, cavando um fosso entre lenda e realidade. Após inúmeras farras, aos 34 anos, impressionada com a leitura de “Cartas a El Greco”, do grego Nikos Kazantzákis, isolou-se em Campinas. Ela começou a escrever para se livrar do fantasma da esquizofrenia. Por causa do pavor, fez da palavra uma experiência espiritualizada, múltipla em fervor místico, em metafísica e indagação filosófica. O grotesco e o lúdico, aliados a erudição e ao experimentalismo visceral da linguagem. Numa liberdade diante da sintaxe, muitos períodos hilstianos são incompletos, e a pontuação segue lógica particular. Ela precisa que o leitor aceite a palavra que lhe é ofertada, tornando-se capaz de atentar ao sentido da própria existência, num contraponto ostensivo à mediocridade. Na poesia, prosa ou teatro, HILDA HILST demonstra que há salvação a partir do esforço individual motivado pelo desejo transcendente de conhecimento.
QUATRO vezes HILST
“eu Nada, eu nome de Ninguém, eu à procura da luz numa cegueira silenciosa”
A Obscena Senhora D
A Obscena Senhora D
“Ah. Vontade de sacudir a todos. Como é que suportam esse buraco vazio? Como é possível ir até o fim da própria vida sem perguntar ao menos: por que é que estou vivo?”
Tu Não Te Moves de Ti
Tu Não Te Moves de Ti
“Eu sou aquele que é, o Homem disse. Eu sou aquele que não, eu digo. O nu. Sem nada. O todo partido, partindo a palavra. O que vê o mar, o céu mas não vê nada. O cego. O que se faz presente pela ausência. O acrobata sobre os fios do tempo. Segura-se aqui ali nas texturas da seda, esgarça o eu segura, despenca. O corpo da linguagem. O meu corpo.”
Kadosh
Kadosh
“É triste explicar um poema. É inútil também. Um poema não se explica. É como um soco. E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida. Um soco certamente te acorda e, se for em cheio, faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos manter para atrair ou assustar. Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido. E aí sim vou beber, porque há de ser festa aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de Poeta.”
Cascos & Carícias & Outras Crônicas
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14 comentários:
MUSA E INSPIRAÇÃO! FUI APRESENTADA A SUA OBRA PELO MEU EX-MARIDO, ALFREDO.
Realmente brilhante! Obrigada pela agradável leitura. :D
Minha musa libertina!
Querido amigo, CINZAS E DIAMANTES e O FALCAO MALTES, jà se tornaram meus vìcios. Agora,Ingrid Bergman e Hilda Hilst quase simultaneamente, è covardia!
Mary Franco de Carvalho
que bonito! ♥
Todo o acervo dela está na Unicamp...
olha que presentaço. obrigada.
bom ler textos sobre a Hilda, outras visões, percepções dela.Inda mais de quem conviveu com ela algum tempo.Quanto mais testemunhos melhor para os leitores ja que a obra dela é tão complexa e inovadora.Como disse uma das minhas entrevistadas do livro que escrevi sobre HH: somos cegos apalpando um elefante..rs. cada um conta a parte que conseguiu visualizar com os dedos..rs.então Antonio que tal olhar meus textos publicados no Musa Rara: parte das minhas memórias sobre ela. Gostaria de um comentário teu lá...abraços e parabéns....
Obrigado Antonio Nahud Júnior! Um abraço. Vou compartilhar com Rubens da Cunha que desenvolve uma tese sobre ela na UFSC. Um abraço.
Que maravilha essa sua lembrança dessa mulher tão importante para as nossas letras, meu caro Antonio. Seu texto é uma ambrosia de ideias pra mim. Sou profundo admirador. Aqui em Beagá tenho dois amigos - Elba Rocha e Sérgio Andrade Nicácio - que fizeram uma montagem dum espetáculo sobre Hilda, intitulado "A Casa do Sol". Aproveito esse comentário para vos conectar. Obrigado pela lembrança e um grande abraço desse seu amigo grapiúna das montanhas.
Fantástica Hilda...
Muito bom.
Grande Senhora de Letras!
Hilda, pessoa grandiosa, poeta tremenda. Saudade dos versos que criava, dos mais lindos e provocadores que se possa imaginar...
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