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diogenes da cunha lima |
Desde jovem tive o privilégio de
conviver com notáveis. Adolescente, imaturo, compartilhava as reflexões
eruditas do contista Hélio Pólvora,
acumulando ensinamentos, e resultando em descobertas literárias e firmeza de
vontade para não desistir da escrita. Cismado, taciturno, reservado, irônico e mente acesa, ele era o meu anti-herói favorito. No Rio de Janeiro, aos
dezessete anos, magricela e curioso, passei tardes na Cinemateca do MAM com o
escritor argentino Manuel Puig. Após exibição de filme clássico em preto e
branco, entre um gole e outro de café, soube muito de cinema hollywoodiano. O autor do best-seller “O Beijo da
Mulher Aranha / El Beso de la Mujer Araña” (1976) encontrava no cinema do passado
fantasiosas soluções para a vida tacanha, refletindo essa obsessão nos seus romances. Nessa época, solto como Rimbaud, relacionei-me com o bardo Antonio
Cícero, abrindo caminhos para a poética transcendental de Jorge de Lima, Wally
Salomão e Paulo Leminski, entre outras. Enquanto isso, rabiscava versos e contos
inseguros, em busca de méritos próprios.
Mais adiante, morando em São Paulo, aconteceu
a amizade conluiada com a poeta Hilda Hilst. Foram dois anos passando finais
de semana com ela, na Casa do Sol, em Campinas. Hildinha, rigorosa como lâmina
afiada, colocou-me na parede: o mundano ou a escrita. Ela não acreditava no
artista “em cima do muro, nem lá nem cá”. Abriu meus neurônios para a
cultura grega, o Oculto e seus seres invisíveis, e a literatura de entrega incondicional,
de Safo a Guimarães Rosa. Poucos anos depois, em Sintra, a hora e a vez da benção
existencial-literária de Jorge Telles de Menezes, intelectual de nobre potencial
poético e ser de dignidade cintilante. Passei uma boa temporada em sua
bucólica casa à beira mar. Tive momentos de descobertas, embora curtos, com as
escritoras Maria Gabriela Llansol e Doris Lessing, respectivamente em Sintra e
Londres. Em Tânger, no Marrocos, passei uma tarde com o autor de “O Céu
Que nos Protege / The Sheltering Sky” (1949), Paul Bowles. Parecíamos antigos amigos,
abraçados pelas ruas, tagarelas, misturando espanhol e inglês, falando do
ofício literário, literatura beat, Jean Genet, erotismo marroquino e a necessidade
de solidão.
Todos eles tiveram importância capital
nessa errância de escritor viajante. No entanto, nenhum marcou-me tanto –
consequentemente, vida e arte - como
Diogenes da Cunha Lima, o Poeta do Baobá. Mestre, amigo, ele suaviza corações
com personalidade cortês e generosa. Difícil escritor feito ele, com tamanha elegância moral. Não é de formalidades
vazias. A arrogância, mesquinhez, inveja, vingança e deslealdade, típicas da rotina de trocentos bocós de sucesso, não fazem parte
do seu universo. Para ele, a vida é bela e a literatura, a
família e a amizade são joias raras que devem ser celebradas. Anda sorrindo, mesmo quando triste. Da memória baú de tesouros, inesperadamente
lança numa conversa um fértil poema ou causo instigante e divertido. Lembra
com frases exatas conversas com pessoas que conheceu ao longo da vida. Considerando Luis da
Câmara Cascudo seu mestre, é um dos
maiores divulgadores do legado deixado pelo historiador potiguar.
De temperamento vulcânico, no bom
sentido, Professor Diogenes pode a qualquer momento ter rompantes de
irreverência humorada e vertente experimental. Tem uma maneira única de sobreviver, movimentando-se com intimidade no universo literário do Rio Grande
do Norte e cultivando autores sofisticados como referência. Enxerga o
que há de melhor no próximo, deixando-nos sem ação com elogios hiperbólicos.
Mas pode ter certeza que ele acredita no que diz. Em “O Livro das Revelações” (2013) escreveu a meu respeito:
“O poeta e jornalista
tem um dos melhores textos do país e é mestre em fazer e conservar amigos”. Que responsabilidade! Ao ler esse comentário pela primeira vez, embasbaquei, garimpando pedaços de mim no amável julgamento.
Fomos educados em extremidades opostas, revelando-se circular, e assim nos aproximamos. Partilhamos idêntica paixão literária e
enxergamos nela o sentido da vida. Sinto-me
honrado em ser amigo e trabalhar com o Professor. É fortuna das grandes,
ele é de singularidade exemplar, de destreza verbal estimulante e inteligência
em constante motivação. Engana-se quem pensa que pode menosprezar a grandeza do
seu legado literário. Ele é um dos grandes da literatura nordestina. Não nasceu para se entregar, sofrer,
desistir ou se amargar. Liberto pela imaginação, nunca descamba para a
derrota, acenando com soluções. O bom senso renasce das cinzas em
questão de segundos. Admiro sua escrita solidária e versátil, equilibrada
entre a sabedoria e o encanto habitual do poeta diante do mundo. Ele escreve
sob o compromisso de entender as pessoas, colocar-se no lugar delas,
compreendê-las sem as julgar. Tenho um caderno onde reproduzo meticulosamente,
há anos, os trechos que mais me comovem em seus livros, sempre acompanhados por
duas ou três linhas de comentários singelos e cuidadosos. Talvez um dia eu o publique,
algo assim como “A Literatura do Professor”.
Aprecio o pensamento original. Sei
que se todo mundo pensa igual, ninguém pensa nada. Então, louvo o pensamento
personalizado. Parafraseando George Orwell, todos os homens são iguais, mas
alguns são menos iguais do que os outros. Ainda bem. Cá entre nós, Professor Diogenes da Cunha Lima é um deles. Portanto,
é uma honra e uma sorte está por perto para continuar ouvindo sua palavra autêntica que
não esmorece.