Texto:
DIOGENES da CUNHA LIMA
Ilustrações:
DAVID HOCKNEY
JOSÉ MAURO de VASCONCELOS (1920 - 1984. Bangu / Rio de Janeiro) teve vida e movimento pitorescos muito mais intensos
que a sua vida literária.
Nenhum dos seus
livros é mais autobiográfico que “Doidão”,
1963, relato de sua juventude em Natal. Vida e obra se confundem.
De pai vigia e
mãe lavadeira, Zé Mauro nasceu em Bangu, Rio de Janeiro. Morto o pai, veio
morar aqui, com o tio, o médico Ricardo Paes Barreto, filho de Juvino Barreto.
Em suas
próprias palavras, quando rapaz, tinha um “corpo bonito, esguio, forte,
dourado”.
Estudou no
Colégio Marista, dirigido pelo irmão José. No romance, os irmãos maristas dizem
que Geografia é matéria de vadio, de
vagabundo. E Zé, descontente, questiona os amigos, não quer ser nada, tem o
coração de vagabundo, ama Geografia...
Detestava
Matemática, dizia ser exata demais para ser de gente. Tinha todas as namoradas
que desejava: Estela, Valdívia, Maria Apolônia, Ieda, Conceição, Marli, Maria
de Lourdes... Mas, paixão mesmo, por Silvana, tia de Dorian Gray Caldas,
chamada Sylvia no romance.
Zé, Zezé, Zé
Mauro levava a namorada para o Royal Cinema, os filmes ajudavam nos sonhos.
Disse ao amigo Tarcísio da Natividade Medeiros que iria para a Legião
Estrangeira. Fácil, bastaria matar uma pessoa. Na Legião seria recebido sem que
indagassem quem era e que crime cometera. Tarcísio perguntou, então, quem
escolheria para matar. Respondeu que seria irmão José. Jogaria ele torre
abaixo.
“Mas e se ele,
gordo, não conseguir subir na torre?”
“Eu mato ele
com aquele veneno azul da aula de Química, dissolvo na cerveja dele.”
Ah, Zé Mauro,
homem de sonhos. Sonhou ser também um coqueiro sob a brisa e o sol. Disse que
iria para a Amazônia, cumprir as raízes do seu sangue indígena, ser um deus
branco de uma enorme tribo. Iria comer muitos brancos.
Foi campeão de
natação, de iole e de sinuca. Em regata, chegou em primeiro lugar, do Cais da
Tavares de Lira ao Refoles. E foi aplaudido por torcedores das equipes rivais,
Clube Náutico e Sport.
Usava uma tanga
minúscula, reclamada por sua irmã adotiva por ser imoral. Certa manhã, foi
repreendido por um delegado gordão na Praia de Areia Preta:
“Vá se vestir.
Aqui é praia de família.”
Respondeu:
“Venha me
pegar.”
O delegado
chamou dois soldados, ele entrou nadando mar adentro, continuou gritando:
“Meganha, se
for homem venha me pegar.”
O delegado
ficou esperando a volta, mas ele nadou para praia mais distante.
Um dia,
sentindo-se tristíssimo, decidiu morrer no mar. Deixou as suas roupas na Praia
do Meio e nadou, até cansar. Pescadores em jangada o recolheram. Lembraram que
ele podia ter sido devorado por um tubarão. Perto da praia, como iam pra Ponta
Negra, mandaram que ele voltasse nadando até a Praia do Meio.
Aqui, estudou
Medicina por dois anos, e abandonou o curso, porque a cidade era pequena para a
sua ansiedade e os seus desejos. Disse que preferia ser modelo no Rio de
Janeiro. E lá, foi: pescador, professor de desenho, boxeur, garçom, ator de
teatro, cinema e TV e... modelo da Escola Nacional de Belas Artes, onde foi
modelado em bronze, mármore, gesso, pintura, e imortalizado em escultura de
Bruno Giorgi. Publicou muitos
livros, Zé Mauro. O primeiro deles, “Banana
Brava”, 1942, recebeu apresentação de Câmara Cascudo, que ressaltou sua vida
tumultuosa e brava. Cascudo é citado em “Doidão”,
em diálogo travado com o amigo Tarcísio.
Toda a ficção
de Zé Mauro partia da sua intensa vivência. Seguiu os
irmãos Villas-Bôas em expedições. Conviveu com xavantes, maués, caiapós,
tupinambás, carajás. Chegou a entender e falar línguas nativas. Foi trabalhar
nas salinas de Macau para escrever o “Barro
Blanco”, 1948. Seu grande sucesso editorial foi “Meu Pé de Laranja Lima”, 1968.
Em todos os livros coloca um toque de
ternura, dizendo que a literatura é a arte mais difícil, porque deveria ter
todas as cores e nuances da pintura, harmonia da música, a arte do movimento. Em entrevista,
declarou que Natal nunca o abandonou. É o lugar do amor, dos amigos, da
infância. Luís G. M. Bezerra, seu vizinho era dos mais queridos, confidente nas
visitas anuais a Natal.
Zé Mauro merece
ser lembrado, eternamente.
DUAS ou TRÊS COISAS sobre JOSÉ MAURO
Boxeur, repórter, garçom de boate, agricultor, operário, professor
primário, garimpeiro, sertanista, ator de TV e cinema (em filmes como “Floradas
na Serra” de 1954, “Mulheres e Milhões” de 1961 e “A Ilha”, de 1963, entre
outros), radialista, escritor, pintor e modelo na Escola Nacional de
Belas Artes. Seu corpo para sempre fixo em bronzes, mármores, gesso. Há uma
escultura sua, como modelo, de Bruno Giorgi, no Monumento à Juventude, na
antiga sede do Ministério da Educação. Dessa atividade errante nasceu um
solidarismo revoltado e cheio de ternura pela diária exibição do panorama da
miséria notória e disfarçada.
Com uma vida nada
fácil, JOSÉ MAURO de VASCONCELOS ganhou uma bolsa de estudos na Espanha,
período em que viajou por vários países da Europa. De volta ao Brasil trabalhou
junto aos irmãos Villas-Boas, principalmente explorando a inóspita região do
Araguaia. Desta aventura resultou seu livro de estreia, “Banana Brava” (1942),
sobre o mundo dos homens dos garimpos. Depois veio “Barro Blanco” (1945), sobre
as salinas de Macau, no Rio Grande do Norte, seu primeiro sucesso de crítica. A seguir “Longe da Terra” (1949), “Vazante” (1951), “Arara Vermelha”
(1953) e “Arraia de Fogo” (1955). Com “Rosinha, Minha Canoa” (1962), ganhou fama como escritor, sendo este livro utilizado
em curso de Português na Sorbonne, em Paris.
“Doidão” (1963),
sobre sua adolescência em Natal, “O Garanhão das Praias” (1964), “Coração de
Vidro” (1964) e “As Confissões de Frei Abóbora” (1966), antecederam seu maior
sucesso popular, “O Meu Pé de Laranja Lima” (1968), que foi adaptado pela
antiga Tupi e pela Globo, como telenovelas e também levado ao cinema. Vendeu
nos primeiros meses de lançamento, 217 mil exemplares, retratando o choque
sofrido na infância com as bruscas mudanças da vida. Dono de uma literatura
leve e agradável, José Mauro fez grande sucesso junto ao público. Mesmo assim a
importância do seu trabalho não é devidamente reconhecida no Brasil.
Em sua vasta obra,
iniciada aos 22 anos de idade e lida em alemão, inglês, espanhol, francês,
italiano, japonês e holandês, entre outras línguas, ainda se destacam “Rua
Descalça” (1969), “O Palácio Japonês” (1969), “Farinha Órfã” (1970), “Chuva
Crioula” (1972), “O Veleiro de Cristal” (1973), “Vamos Aquecer o Sol” (1974),
“A Ceia” (1975), “O Menino Invisível” (1978) e “Kuryala:
Capitão e Carajá” (1979)
“Escrevo
meus livros em poucos dias. Mas em compensação passo anos ruminando ideias.
Escrevo tudo a máquina. Faço um capítulo inteiro e depois é que releio o que
escrevi. Escrevo a qualquer hora, de dia ou de noite. Quando estou escrevendo
entro em transe. Só paro de bater nas teclas da máquina quando os dedos doem.
Só aí percebo quanto trabalhei. Sou um cara capaz de varar dias escrevendo até
a exaustão”
8 comentários:
Li O meu pé de laranja menina quando menina. Como chorei.
Que saudade da literatura suave de José Mauro
Lí MEU PÈ DE LARANJA LIMA e ROSINHA, MINHA CANOA...adorei os dois
Muito bom.
Gostaria de saber se Paul Louis Fayolle realmente trabalhou no colégio Marista de Natal, Rio Grande do Norte, conforme mencionado por José Mauro de Vasconcelos no livro "Vamos Aquecer o Sol".Segundo o "Portal da História do Ceará" Paul Louis Fayolle (?-1959), francês de nascimento, da Congregação dos Maristas, foi professor do Colégio Cearense e da Faculdade Católica de Filosofia do Ceará
Grato pela lembrança com o meu tio Zemauro, irmão do meu pai "Totoca". Selmo Vasconcellos.
Eu, um Zezé potiguar, sempre sonhei em criança, ao ler "O Meu Pé de Laranja Lima", que me parecia familiar e nostálgico. A ação que se passa no Rio de janeiro, sempre me foi transportada para Natal, mesmo que na época, eu não soubesse que a infância do autor, fora ali vivida, fato que talvez, tenha legado à obra os eflúvios nativistas de nossa terra.
Vi o "meu pé de laranja lima" aos seis, sete anos de idade. Fui apresentado ali ao cinema nacional. Lembro da participação do Vicente Celestino, lembro da narrativa leve e sentida. Ainda hoje falo desse filme, que mora no meu subúrbio afetivo e que despertou a minha atenção para uma das nossas muitas e ricas representações culturais. Não conhecia nada da vida desse autor, só o admirava e guardava na memória a foto da contracapa do livro, ele ainda criança. Agradeço o acesso e a riqueza de informações sobre o José Mauro, também muito bem escritas. Muito, muito grato. Jair Lima
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