Beldade emancipada, moderna e sedutora. Majestosa nas
noitadas parisienses, hollywoodianas e nova-iorquinas, sua vida e sua obra circulam entre mansões, hotéis de luxo e automóveis conversíveis. Bissexualidade
assumida publicamente. Casos apaixonados com amigas, aristocratas, modelos,
atrizes e desconhecidos. Tudo com muita classe, camuflando o abuso de
cocaína, as dificuldades na relação com a filha única, a depressão, e, por fim,
a solidão que também é notória em sua arte.
Se ela
não se encaixa nos padrões convencionais da sua época, hoje teria todos os
atributos admirados de uma celebridade da sociedade descartável. Em 1922, já morando em
Paris, faz sua primeira exposição, e sua trajetória artística se amplia com inúmeras
outras nos anos que se seguem, na França e em diversos países da Europa, e
posteriormente nos Estados Unidos da América. A artista polonesa TAMARA DE
LEMPICKA (1898 - 1980) ocupa posição privilegiada no contexto dos anos 1920: pinta
membros da nobreza europeia e socialites,
é amada e cobiçada por homens e mulheres, vestida por Paul Poiret e Coco
Chanel, aluna de Maurice Denis e André Lhote, diva inspiradora de Greta Garbo, parceira
de Jean Cocteau em noitadas, frequentadora íntima da Jet set elegante.
Ela faz
de si uma representação icônica, demarcando os elementos principais que habitam
o seu universo: arte, reconhecimento social, riqueza e luxo. Notável e memorável pintora da Art Déco (*), imprime
extravagância aos seus famosos retratos, expressando erotismo em grande parte
da sua obra refinada. Fascinada pelo corpo humano, ressalta a beleza em volumes
carnais, utilizando sensatamente a luz em suave geometria.
(*) Expressão de origem
francesa, Art Déco é abreviação de “arts décoratifs”, um estilo que afetou a
arquitetura, o design e as artes plásticas no início do século 20. Edifícios,
esculturas, joias, luminárias, móveis, tudo geometrizado e luminoso.
Nascida Maria Gurwik-Górska, perto de Varsóvia, em uma família
abastada da Polônia, estuda em colégio interno na Suíça e tem
uma infância privilegiada ao conhecer cidades e museus de diferentes países da
Europa. Em 1916, casa-se com o advogado rico e bonitão Tadeusz Lempicki, que
conhece em uma de suas estadias na cidade russa de San Petersburgo, em um baile
de máscaras, resultando no nascimento da filha Kizette, em 1920. O casamento persiste
até 1928. Durante os anos do matrimônio, TAMARA DE LEMPICKA relaciona-se com
diferentes amantes, incluindo um príncipe, dois marqueses e o Barão Raoul Kuffner,
com quem se casa após a morte da esposa dele.
Ainda
na Rússia, em plena Revolução, Tadeusz é preso pelas forças bolcheviques, mas
ela, influente, consegue libertar o marido. Fogem para Paris onde se estabelecem
em Montparnasse, sem recursos financeiros. Ela adota o nome Tamara e vai estudar pintura. Ousada e inteligente, pronta para
renascer, a artista termina por alçar uma vida suntuosa, de fama e fortuna. O
primeiro passo foi brilhar na boemia vanguardista parisiense. “La Belle Polonaise”,
como chamada, paradigma da mulher avançada e fina, fazendo a apologia à joie de vivre, ao consumismo, ao
conforto, ao luxo. Transforma-se numa verdadeira diva, tanto que, pegando carona em seu sucesso, a empresa Revlon, fabricante de cosméticos, dedica-lhe uma marca de batom.
Resolvendo pintar para pagar as contas, dedica-se
mais seriamente à pintura por intermédio de André Lhote, com quem tem aulas.
Tendo assim, como base, o cubismo, em que se alia o vanguardismo do cubismo com
os motivos mais acadêmicos, sua obra assenta no rótulo de Art
Déco, marcada pelo pós-cubismo no seguimento de Pablo Picasso e Georges Braque, e pelo
neoclassicismo adaptando Ingres. No entanto, a artista vai mais além, ao
atribuir uma grande intensidade psicológica e física às suas personagens, ao
expor de forma crua e fria, os sentimentos e emoções daqueles que retrata e que
são um reflexo dela própria. Por fim, depois de anos de dureza e aprendizado, ela conquista
a esnobe sociedade parisiense na “Exposition Internationale des Arts Décoratifs
et Industriels Modernes”, em 1925. Deslumbra com seu estilo peculiar,
num notório sucesso profissional.
Cheia de vitalidade e louca por dinheiro, TAMARA DE
LEMPICKA, uma das rainhas dos loucos anos 1920,
frequenta inúmeras festas, cuida da filha única,
apanha do marido, e pinta diariamente. Além disso, anda na farra com gente de
prestígio: o escritor italiano Gabriele D’Anunzzio,
que faz tudo para se deitar com ela; Gertrude Stein, Léger, Salvador
Dalí, Marinetti – o conhecido “Auto-retrato no Bugatti Verde”, de 1925, é uma homenagem
ao Futurismo -, André Gide, Jean Cocteau e um longo e espetacular etcétera.
Vive muitos anos ao lado do primeiro marido. Cansado
do matrimônio fracassado, ele a abandona em 1929. Ela mergulha numa crise
profunda, mas em 1933 volta a casar-se, desta vez com o rico Barão Raoul Kuffner,
húngaro de origem judia como ela, o que lhe dá um título e muito dinheiro. Com
a ameaça da Segunda Guerra Mundial, mudam-se para a
América do Norte, onde a imagem da
pintora extravagante se esvai, dando lugar à fama da elegante e divertida Baronesa
TAMARA DE LEMPICKA-KUFFNER. As festas inacreditáveis que dão em Nova York contam
com convidados do naipe de Greta Garbo, Tyrone Power, Joan Crawford, Orson
Welles, Rita Hayworth, entre outros.
Abusada, a artista se define como “a primeira mulher
que pinta bem em toda a história da arte”. Explica o seu êxito mediante uma
pintura que, segundo ela, é atraente e concisa: “O meu objetivo é criar um
estilo novo, cores claras e luminosas, desvendar a elegância dos meus modelos.”
Nos anos 1950 sua arte perde o interesse dos ricos e famosos. Sem êxito, tenta
o abstracionismo e o design de interiores. Na década de 1960, ao enviuvar, muda-se primeiro para o Texas e depois
para Cuernavaca, no México. Em 1980, ela morre durante o
sono, sendo que Kizette satisfaz o último desejo da mãe ao transportar as suas
cinzas num helicóptero e espalhá-las no vulcão Popocatépetl.
Trinta e seis anos passados, TAMARA DE LEMPICKA sobrevive na coleção
particular de admiradores - como a cantora Madonna e o ator Jack Nicholson -,
em álbuns de luxo e retrospectivas. Em sua obra, a mulher aparece ora feminina, ora masculinizada, mas sempre forte. A sua paixão pelas tintas fortes e de cores iluminadas, expõe de forma crua e fria, os sentimentos e emoções, extravagância e sensualidade. Reflexo dela própria, uma personalidade amante dos excessos.
4 comentários:
PROVOCANTE!!!!....
Se não me falha a memória, creio que, em 2000, a propósito de uma data, o extinto caderno "A Tarde Cultural" publicou texto sobre ela e reproduziu pinturas características de seu expressionismo lírico, de que sua arte foi um marco.
Adorei muito lindo tudo perfecto !!!
Tamara de Lempicka, artista de grande talento, hoje caminho pela cronologia de sua vida e obra e percebo o quão valiosas são as suas telas tanto por discutir questões políticas, quanto por representar aspectos da emancipação feminina por meio da erotização dos corpos. Apesar da dificuldade de, na atualidade, encontrar quem estude (e poste) sobre ela, encontrei esta fonte de informação. Obrigada!!! excelente trabalho.
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