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o enterro de um comunista |
Datas
das operações: 1973 - 1976
Área
de atividade: Argentina
Ideologia:
direita
A
primeira vez que ouvi falar na TRIPLE A foi em um filme policial francês
protagonizado por Alain Delon. Curioso, pesquisei, li livros e artigos, vi
documentários, sempre descartando o esquerdismo tendencioso de jornalistas e
historiadores. Aqui conto um pouco sobre a história desta organização
paramilitar de direita. Conhecida como TRIPLE A ou AAA, a ALIANÇA ANTICOMUNISTA
ARGENTINA esteve em atividade entre 1973 e 1976 e tinha como objetivo caçar
comunistas, a fim de combater a ameaça da ideologia marxista no continente
latino-americano. Agia inicialmente na clandestinidade, realizando
explosão de bombas, sequestros, ameaças e execuções à
queima-roupa. Embora na época sua liderança fosse negada, sabe-se que o
ocultista José López Rega (1916 - 1989. Buenos Aires / Argentina) foi o seu criador
e coordenador. Ele a subsidiou com recursos públicos e a formou
com policiais, agentes militares dispensados das Forças Armadas e mercenários.
Denominado
“El Brujo” pela mídia argentina, López Rega teve uma curiosa trajetória:
ingressou como agente da Polícia Federal em 1943 e se retirou como sargento em
1962. Em 1965, em um congresso de esoterismo, conheceu María Estela Martínez de
Perón (1931. La Rioja / Argentina), terceira esposa do ex-presidente Juan
Domingo Perón (1895 – 1974. Lobos / Argentina). Encantada com as habilidades do
mago, a ex-dançarina de cabaré decidiu levá-lo para conhecer seu marido que
estava exilado em Madri. E assim, ele tornou-se seu secretário particular. Com
o apoio de Isabelita, sobre a qual exerceu uma influência extraordinária
baseada em uma devoção espiritualista compartilhada, terminou por interferir na
política peronista. Em 1974, foi designado comissário por decreto presidencial
e, mais adiante, ministro da Previdência Social. Unindo
o Movimento Nova Argentina (MNA), a Juventude Federal do peronista Manuel de
Anchorena, o CNU, quadros técnicos da Guarda de Ferro e grupos sindicais
ortodoxos, a TRIPLE A começou suas ações em 21 de novembro de 1973, em
retaliação ao assassinato cometido pelo movimento comunista guerrilheiro Montoneros. Num armazém, no porão do Ministério
comandado por López Rega, escondia-se as armas, reforçadas após Manuel de Anchorena (1933 – 2005. Buenos Aires / Argentina) ser
nomeado embaixador no Reino Unido. Daquele país, ele enviou centenas de submetralhadoras
Sten MKII e Sterling.
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el brujo e isabelita |
Entre
os elementos a serem executados pela TRIPLE A, os membros de organizações
armadas até grupos de simpatizantes socialistas: Partido Comunista, Montoneros,
Partido Peronista Autêntico, Exército Revolucionário do Povo, Partido Operário
Revolucionário, Partido Socialista dos Trabalhadores, Juventude Radical
Revolucionária e Partido Comunista Revolucionário. De acordo com um relatório
do CONADEP de 1983, a AAA foi responsável por 900 desaparecimentos e executou entre
1,5 a 2 mil opositores, incluindo políticos, juízes, jornalistas,
sindicalistas, intelectuais, artistas e ativistas de esquerda.
López Rega
e o comissário-geral da Polícia Federal, Alberto Villar (morreu em 1974), fundaram
a TRIPLE A durante o governo interino de Raúl Lastiri (1915 – 1978. Buenos
Aires / Argentina), em 1973. Nos nove meses de governo do general Perón, o
presidente assinou um Documento Reservado que falava do “estado de guerra no
país” e da necessidade de atacar ao inimigo marxista em todas as frentes,
reforçando assim a organização. Após a morte de Perón, em 1º de julho de 1974, ela passou a agir abertamente e a publicar listas de comunistas que
pretendia dar fim, resultando na debandada de muitos. Entre eles, o cientista Manuel Sadosky, o ator Héctor Alterio e a cantora Mercedes Sosa. A
TRIPLE A organizava-se como um sistema de células. Um determinado
grupo não sabia o que o outro ia fazer. Era dirigida por um órgão nacional, que
contava com seções de inteligência e
operações. Este organograma repetiu-se regionalmente. No início, havia apenas
células de pessoas vinculadas ao Ministério da Previdência Social, sob o
comando dos tenentes Rodolfo Eduardo Almirón (1936 – 2009. Buenos Aires /
Argentina) e Alberto Villar. Posteriormente, multiplicaram-se, sendo comandadas por militares, policiais e agentes.
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juan domingo perón |
Ao
mesmo tempo, novas organizações foram criadas em localidades distantes de
Buenos Aires, sempre sob o comando de “El Brujo”. Por exemplo, em Córdoba foi
criado o Comando Libertadores América. Também fez parceria com diversos grupos,
garantindo-lhes proteção e logística em troca de lealdade. A forma de atuação
da TRIPLE A variava de acordo com o objetivo do ataque e da célula encarregada
do planejamento e execução. Em muitos casos, eram militantes de esquerda presos por um grupo com credencial
policial e a seguir baleados.
Em
algumas situações, detentos encapuzados e algemados foram levados ao Ministério
da Previdência Social, onde eram interrogados. Houve também eliminação de famílias inteiras como uma forma de lição. Explodir
comunistas também era comum. Canais de televisão ocupados divulgavam as futuras execuções ou esclareciam certas mortes. O
primeiro atentado da organização aconteceu em 21 de novembro de 1973, quando o
senador radical Hipólito Solari Yrigoyen ficou ferido através de um
carro-bomba. No mesmo mês, o governador Juan Manuel Irrazabal, seu
vice, sua esposa e um motorista foram mortos numa rodovia. Em
maio de 1974, o popular padre Carlos Mugica foi emboscado ao sair da igreja de
San Francisco Solano, em Villa Luro, onde acabava de celebrar a missa. Rodolfo Almirón
disparou com uma submetralhadora no abdômen e no peito do religioso comunista,
o que causou sua morte. Rodolfo Ortega Peña
e sua esposa foram executados a tiros em 31 de julho. Atiraram neles quando
estavam saindo de um táxi. O deputado tinha 38 anos. Em agosto, quatro peronistas foram sequestrados e baleados em La Plata: o suboficial Ireneo Chavéz e seu filho Rolando Chavéz; Luis Mancor, estudante de
jornalismo, e o chefe do Sindicato dos Petroleiros, Carlos Pierini.
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el brujo e amigos |
Em
7 de setembro, foi invadida a casa do reitor da Faculdade de Direito da
Universidade de Buenos Aires, Raúl Laguzzi, sob custódia da Polícia Federal
devido às ameaças de morte sofridas pelo reitor. Pablo G. Laguzzi, filho de
Raúl, de cinco meses, morreu no conflito. A TRIPLE A culpou o pai pelo
falecimento do bebê. O casal Laguzzi exilou-se no México após o atentado. Ainda
em setembro, o advogado Alfredo Alberto Curutchet, apelidado de El Cuqui, foi
sequestrado. Seu corpo foi encontrado em uma rua do município de
Béccar. O
subchefe de polícia Julio Troxler foi morto ao meio-dia de 20 de setembro de
1974, fulminado por uma rajada de metralhadora. O advogado Silvio
Frondizi, irmão do ex-presidente Arturo Frondizi, foi levado de sua casa em 27
de setembro. Seu genro, Luis Ángel Mendiburu, tentou resgatá-lo, mas foi
crivado de balas. Três horas depois, o corpo de Frondizi foi
encontrado, e a TRIPLE A reivindicou sua morte, justificando-a como
execução de um traidor bolchevique.
Em
15 de novembro, Marta Adelina Zamaro e Nilsa Urquía foram sequestradas pela
Comissão Anticomunista da Costa (CAL), uma parceira da TRIPLE A. Seus corpos
foram achados no dia seguinte com sinais de espancamento e afogamento. Durante
o mesmo mês, bombas foram detonadas na sede da Juventude Peronista,
contra o inspetor da Universidade Nacional e na Frente Antiimperialista
pelo Socialismo (FAS) de San Fernando. Em
21 de março de 1975, mais de uma dúzia de veículos bloquearam o tráfego, na
área onde viviam ativistas comunistas, que foram sequestrados, baleados e
depois dinamitados. O fato é conhecido como a Matança de Pasco. Em setembro,
dois membros da AAA entraram na Universidade de Mar del Plata e atiraram nos
alunos, matando Silvia Filler, que levou um tiro na testa. Em
outubro, Carlos Manco, líder socialista, foi sequestrado e interrogado por dois dias e, em seguida, o seu cadáver foi largado em Ramos Mejía, um dia após uma bomba explodir na casa do advogado comunista Viaggio. Em dezembro, dez membros da
Juventude Peronista foram estuprados, castrados e executados.
Em
resumo, a Argentina vivia momentos políticos difíceis, dividida por lutas
facciosas, envolta numa crise de autoridade, convivendo cotidianamente com a
morte e com ações terroristas das organizações guerrilheiras socialistas. Em 19
de julho de 1975, descobriu-se, durante o desmantelamento do Ministério da
Previdência Social, um arsenal de armas, incluindo metralhadoras, granadas e
rifles de precisão. O escândalo implicou a “El Brujo”, assim como a presidente Isabelita,
em acusações de corrupção por desvio de fundos do governo. Quando
o ministro da Economia Celestino Rodrigo, nomeado por López Rega, adotou em
1975 um plano de medidas neoliberais, a inflação disparou. A violenta reação
popular levou à demissão de “El Brujo”. Depois de manifestações do povo, ele
fugiu para a Espanha. Em março de 1986, entregou-se em Miami. Extraditado, passou
por um longo processo de julgamento. Condenado à prisão perpétua, morreu no
cárcere aos 73 anos em 1989.
O
país estava mergulhado em um caos incontrolável. Em meio ao terror, com facções esquerdistas em
luta com a direita, a polícia e as Forças Armadas, os militares tomaram o poder,
alegando restaurar a ordem. Assim, em 24 de março de 1976 a junta de
comandantes integrada pelo general Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio
Eduardo Massera e o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, assumiu a Argentina,
depondo a presidente Isabelita Perón e prendendo-a. Nos sete anos seguintes,
pelo menos 30 mil pessoas morreram em um regime de repressão
política, violência e censura. Sabe-se que ninguém
é inocente nesta história. Nem líderes políticos, econômicos e religiosos,
nem líderes da guerrilha que enviaram a morte a milhares de jovens que
acreditavam no paraíso socialista. As atividades da TRIPLE A foram desmontadas
após o golpe de Estado. Alguns dos integrantes passaram a trabalhar para
os militares, outros mudaram para a Espanha ou tornaram-se treinadores de esquadrões na América Central e na Colômbia.
FONTES
“Breve
Historia del Peronismo Clássico” (2012)
de Loris Zanatta
“Os
Intelectuais e a Invenção do Peronismo. Estudos de Antropologia Social e
Cultural” (1996)
de Federico Neiburg
“López
Rega: El Peronismo y la Triple A” (2004)
de Marcelo Larraquy
“Perón:
Una Biografía” (2014)
de Joseph A. Page