fevereiro 06, 2014

............................... SAINT-EXUPÉRY no RIO GRANDE do NORTE



Só se vê bem com o coração,
o essencial é invisível aos olhos
Le Petit Prince
1943

Ilustração:
JEAN COCTEAU


Entre 1929 e 1931, um fidalgo piloto da companhia aérea Latécoére (atual Air France), transportadora do correio aéreo Europa-Argentina, pousou algumas vezes no Rio Grande do Norte, reabastecendo a aeronave. Às vezes, cansado, passava dias. Ele se hospedava no palacete do português Manoel Duarte Machado, conhecendo num terreno do anfitrião o gigantesco baobá de Natal. Encantado com o pôr-do-sol do Rio Potengi, disse se tratar do mais belo do mundo. C'est merveilleuse!, completou o futuro escritor ANTOINE de SAINT-EXUPÉRY

Mais de uma década depois, em 1943, ele publicou “O Pequeno Príncipe / Le Petit Prince”, fábula apaixonante de várias gerações de leitores, traduzida em 120 línguas. Segundo livro mais lido de todos os tempos - vendeu cerca de 50 milhões de exemplares (o primeiro? “A Bíblia). Conta a história de um piloto de aviação que sofre um acidente, caindo no deserto. Encontra um garoto estranho que diz morar em um asteroide chamado B-612. Sua maior preocupação são os grandes baobás que poderão destruir o seu habitat. Para resolver o problema, ele viaja, trocando pensamentos com pessoas, animais e até uma rosa frívola, inspirada na esposa salvadorenha do autor, Consuelo, autora de “Memórias da Rosa”, narrando a vida apaixonada do casal. 

saint-exupéry
Na terra do sol, Saint-Exupéry conheceu jornalistas, escritores e intelectuais, muitos deles apresentados pelo popular colega piloto, Jean Mermoz (1901 - 1936), que convivia com a sociedade natalense e cortava o coração de muita gente com sua formosura. Nome de rua em Natal, Mermoz desapareceu no Oceano Atlântico, a caminho da capital potiguar. 

Nascido em Lyon, em 1900, família rica, Saint-Exupéry passou a infância em um castelo. Foi um dos pioneiros da aviação comercial e serviu ao exército francês como piloto de guerra na luta contra o nazismo, desaparecendo em voo secreto de reconhecimento entre Provence e o sul da Córsega, em 1944. A causa da sua morte permanece um enigma: ataque inimigo, falta de combustível ou suicídio?

Ele esteve na Guerra Civil de Espanha e, por engano, quase foi fuzilado pelos republicanos. Na II Guerra mundial, completou missões perigosas no Mediterrâneo, Saara e Andes, sofrendo acidentes, inclusive sérias fraturas cranianas. Como jornalista, trabalhou na Espanha, Rússia e Alemanha. Autor de obra curta, de sucesso imediato, celebrando a fraternidade e o humanismo, adaptada para o rádio, cinema e desenhos animados. Jean Renoir quase filmou “Terra dos Homens”. Em 1974, Stanley Donen fez a sofrível versão cinematográfica de “O Pequeno Príncipe”.

desenho de saint-exupéry

O prestígio do escritor se resume em cinco ou seis livros, entre eles, “Correio do Sul” (1929), combinando amor, voos e o deserto exótico; o denso “Voo da Noite” (1931); “Terra dos Homens” (Grande Prêmio de romance da Academia Francesa, 1939), falando da gradual metamorfose interior de um piloto; “Piloto de Guerra” (1942), uma meditação sobre o destino da humanidade em guerra, e “Carta a Um Refém” (1943). 

Um ano antes de morrer, escreveu o seu livro mais popular, “O Pequeno Príncipe”muitas vezes confundido como apenas uma criação infantilObra profunda, enigmática e metafórica, é a realização suprema do seu autor, unindo e dando coerência ao seu trabalho. Um diálogo íntimo com o leitor. Postumamente, surgiriam “Cidadela” (inacabado), “Cartas à sua Mãe” (1910 - 44) e “Um Sentido para a Vida” (1956), coletânea de artigos e reportagens.

Em Natal, o escritor foi entrevistado pelo jornalista Nilo Pereira, do Diário de Natal, e fotografado pelo italiano Rocco Rosso, encarregado do setor de rádio e comunicação da LatécoéreAlguns moradores possuíam autógrafos do aviador, na época uma profissão considerada heroica e charmosa. Testemunhas se lembram das subidas de  Zé Perri - seu nome brasileiro -, na torre da matriz para apreciar a luz do sol sob a cidade, como alguém que vê sinais mágicos no crepúsculo. 

Aventureiro, escritor, piloto, viajante, desenhista e humanista são algumas das facetas de ANTOINE de SAINT-EXUPÉRY. Fez sete mil horas de voo, patenteou dezenas de invenções para melhorar a qualidade dos aviões. Fotografou Natal e seus habitantes, expondo as imagens no Grupo Escolar local (atual Fundação José Augusto). Segundo o poeta potiguar Diogenes da Cunha Lima, expert na história do seu Estado, essas fotografias se perderam. 

Conhecido pelos mais íntimos como Saint-Ex, era amigo de Maurice Maeterlinck, André Maurois, André Breton e Greta Garbo. Nos 50 anos de sua morte, em 1994, sete biografias francesas retrataram sua vida, de piloto desastrado dado a quedas a herói extravagante. No seu centenário, em 2000, brilhou em documentários, revistas literárias, palestras e debates.

Não era um escritor ambicioso, parecendo-lhe suficiente ser piloto. Via a literatura como um hábito natural, fundamental mesmo era pilotar aeronaves. Extraordinário caso de escritor de sucesso em vida, na França existem restaurantes com o nome de seus romances e no Japão há um museu dedicado a ele. 

No Brasil, pode-se escutar “O Pequeno Príncipe” na voz de Paulo Autran e com trilha sonora de Tom Jobim. Sua influência nunca cessou. Figura entre os grandes escritores da literatura francesa, e sua obra capital continua seduzindo crianças e adultos, numa prosa que mistura memória, reflexões, fábula, filosofia, poesia, algum surrealismo e proposta ética. Não é menor o seu talento pictórico, e suas ilustrações provocam impacto.

Como os grandes escritores viajantes, de André Gide a Henri Michaux, Saint-Exupéry convida o leitor a viajar por sua escrita, traçando observações poéticas e uma experiência interior que se dilata. Ele mordeu as estrelas, surgindo no Rio Grande do Norte como um lampejo, um cometa. Sem dúvida, uma visita ilustre.

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