Depois de uma fase inspirada pelo surrealismo francês, enveredou por uma via modernista, sofrendo mais tarde a influência da filosofia oriental. Na sua obra, destacam-se “Non Serviam” (1945) e a trilogia “Divã”, escrita na década de 1960 e reconhecida como seu legado poético máximo. Nela manifesta sua paixão pelo Oriente e se concentram seus temos favoritos: solidão, amor, morte e sonhos. Segundo Marianne Sandels, o poeta GUNNAR EKELÖF “foi mestre na arte de descrever os sabores do Verão, a neblina que se ergue sobre os pequenos lagos à noite, os prazeres simples da vida rural, que lhe permitiam comungar com a Natureza. (...) Este amor pela paisagem sueca, embora simples e discreto, podia na verdade compensar a sua falta de entusiasmo pela «nova» sociedade sueca que então surgia”.
novembro 14, 2020
................................... GUNNAR EKELÖF: SOLIDÃO e SONHOS
Considerado
um dos maiores poetas suecos, GUNNAR EKELÖF (1907 – 1968. Estocolmo / Suécia) estudou
línguas orientais em Londres e Upsala, e música em Paris. Participou nas
revistas literárias “Spektrum” e “Karavan”. Crítico literário em diversos jornais e
revistas. Tradutor de Mallarmé, T. S. Eliot, Baudelaire, Rimbaud, Malraux.
Ingressou na Academia sueca em 1958. Lembrado como o primeiro poeta surrealista da Suécia, sua estreia literária se deu em
1932 com a antologia “Tarde na Terra”, escrita durante sua prolongada estadia
em Paris nos dois anos anteriores. Autor de vasta obra, é amplamente lido entre
os poetas modernistas escandinavos e é um clássico da poesia sueca.
01
APOTEOSE
dá-me
veneno que me mate ou sonho de que viva
a
asvese em breve parará nas portas da lua que o sol
abençoou
e
já desligados do real os sonhos do morto
deixarão
de queixar-se do destino.
pai
a teu céu devolve os olhos como
uma
gota azul no mar
o
mundo negro já não se curva às palmas
e
aos cânticos de salmos
mas
ventos milenários penteiam o cabelo aberto das árvores
fontes
aplacam a sede do viajante invisível
os
quatro quadrantes do céu estão vazios em redor da essa
e
a musselina dos anjos se transforma
por
um toque de mágica
em
nada.
02
CADA
HOMEM é um MUNDO
Cada
homem é um mundo, habitado
por
seres cegos em obscura rebelião
contra
o rei eu que nos governa.
Em
cada alma há mil almas prisioneiras,
em
cada mundo há mil mundos soterrados
e
esses mundos cegos, subterrâneos
são
vivos e verdadeiros, ainda que imperfeitos,
tão
certos como eu sou real. E nós, reis
e
príncipes dos mil possíveis que há em nós,
somos
ao mesmo tempo servos, prisioneiros
de
algum ser maior, cujo ser e essência
compreendemos
tão pouco como o nosso superior
ao
seu superior. Da sua morte e do seu amor
se
tingiram os nossos próprios sentimentos.
Como
quando um enorme navio passa
ao
longe, sob o horizonte, onde o mar é
o
espelho de entardecer. – E não sabemos
dele
até
que chega o seu ondular à praia,
uma
onda primeiro, depois outras e muitas mais
que
rebentam num murmúrio até que tudo fica
como
antes. – No entanto, tudo é diferente.
Assim
somos nós, sombras, presas de uma estranha inquietação
quando
algo nos diz que viajamos,
que
algum dos possíveis foi libertado.
03
CONSIDERAMOS, PENSAMOS, SUSPIRAMOS, FALAMOS
Não
posso contemplar os países meridionais
sem
ver também o burro, o boi e a ovelha
as
galinhas presas pelas patas em molhe, abandonadas
em
ambos os lados da grelha da motocicleta
com
as cabeças para baixo, paralisadas, cacarejando debilmente
o
cordeiro com a carcaça aberta e depois cosido
com
o espeto metido pelo cu e a dolente cabeça esfolada
sobre
o carvão
e
com os intestinos, kokorétsi, numa grelha próxima
o
branco e manso boi sob o jugo, emparelhado com uma vaca
praticamente
infinitos na Toscânia
ao
asno gritando como uma porta de celeiro por olear
mas
também trotando sob o peso de uma família inteira
ou
sob um feixe de ramos grande como o universo
pássaros
aos molhos que poderiam ter cheio o espaço com
a nossa nostalgia
esses
seres que nos alimentam, nos vestem, nos transportam
resignados
sob nós, talvez perdoando-nos
esses
são os verdadeiros cristãos!
04
CREIO no HOMEM SOLITÁRIO
Creio
no homem solitário,
naquele
que solitário vai caminhando
que
não corre, como um cão, para o seu faro,
que
não foge, como um lobo, ao faro do homem:
Ao
mesmo tempo homem e anti-homem
E
como conseguir que assim se harmonize?
Foge
dos caminhos mais altos e dos mais aparentes!
Aquilo
que é rebanho nos outros é-o também em ti.
Vai
pelos caminhos mais baixos e íntimos:
Aquilo
que é fundo em ti é-o também nos outros.
É
difícil habituar-se a si próprio.
Difícil
é desabituar-se de si próprio.
Aquele
que o consegue, contudo, nunca sera abandonado.
Aquele
que o consegue, contudo, sempre ficará solidário.
O
não prático é a única coisa prática
com
duração.
05
De
“O LIVRO do SUICÍDIO”
Calma.
Basta de palavras duras. Já não resta muito de mim
Não
chores por mim. Aqui já não há fogo que apagar
Não
me olhes. Sou uma ruína, em qualquer instante derrubar-me-ei
Não
quero que me vejas a derrubar-me
Já
não resta sensação alguma do meu eu, do meu peso
Perco
o pé, flutuo no ar. Aqui a força da gravidade da terra e
a
do céu anulam-se mutuamente
Já
não me resta sensação alguma do que sou e do que não sou
Olho
em volta: sou eu este? ou aquele?
Não
chores por mim, aqui já não há fogo que apagar
Estou-me
a repetir, mas isto que escrevo agora é tudo
tudo
o que tenho
Acaso
é culpa minha? Apenas sou uma pedra que alguém atirou,
um
pedaço de madeira que alguém talhou
Desculpo-me.
A culpa não é de ninguém, é minha e não de alguém
Escrevo
isto lentamente, refletindo: é tudo o que tenho mas
não
resolve nada
Mas
a mim que me importa, eu amo-te
Tu
és o meu formoso espelhismo
Lembro
o tempo em que tu eras o meu formoso espelhismo
Tu
és bela
Quis
voar contigo, tal como voam todos, sim, como se foge voando
Mas
os dois estávamos doentes e logo acabará tudo
Então,
de que serve tudo isto?
Quero-te,
logo me derrubarei
Acaso
posso evita-lo? Estou a ficar invisível
Faço-te
sinais com a mão, tu só vês a minha mão
A
porta abre-se. é de noite, tarde
A
luz se apaga, dei tudo o que tinha
Não
guardei nada com que viver, por isso me estou a tornar
cada
vez mais invisível
Mas
não morrerei
Algo
fica: uma porta. Que outra coisa posso fazer senão sair de um
quarto
de mim mesmo
Não
morro, simplesmente desapareço
Talvez,
minha angústia, acorde um dia cheio de sabedoria e dúvida
então
voltarei e buscar-te-ei.
06
ENTRE NENÚFARES
Escrevi
uma introdução para o que teria dito
mas
rasurei-a. - Quero no entanto
que
antes de a noite me envolver
a
última coisa que de mim se aviste
seja
um punho fechado entre nenúfares
e
a última coisa que se ouça de mim
seja
uma palavra de bolhas de ar
a
vir do fundo.
07
EUFORIA
Estou
sentado no jardim, só, com o teu caderno de apontamentos, uma
sanduíche, uma garrafa e o cachimbo.
É
de noite e há tal calma que a luz da vela arde sem flamejar,
derrama
a sua luz sobre as toscos tábuas da mesa
e
brilha na garrafa e no copo.
Tomas
um gole, enches o cacimbo e acende-lo.
Escreves
uma linha ou duas e fazes uma pausa e contemplas
a
franja de clarão vespertino no seu lento caminho até ao clarão
matutino,
o
mar de ramagens, espumando no seu branco verdoso sob a
incerta
luz da noite estival,
nem
uma borboleta em torno da luz mas sim coros de mosquitos no carvalho,
as
folhas tão imóveis contra o céu… E o álamo range na
calma:
À
tua volta derrama-se a natureza de amor e morte.
Como
se fosse a véspera de uma longa viagem, pela noite:
Já
tens o bilhete no bolso e por fim fazes as malas.
E
podes sentar-te e sentir a proximidade de países longínquos,
sentir
como tudo está em tudo, ao mesmo tempo o seu fim e o seu princípio,
sentir
que aqui e agora são tanto a tua partida como o teu regresso,
sentir
que morte e a vida são tão fortes como o vinho dentro de ti!
Sim,
fazer-se um com a noite, um consigo mesmo, como a chama da
vela
que
me olha nos olhos com calma, inescrutável e tranquila,
como
o álamo que palpita e sussurra,
um
como o bando de flores que assoma da escuridão e
escutam
algo
que tinha na ponta da língua mas nunca consegui dizer,
algo
que nunca quis trair ainda que o tivesse podido fazer.
E
dentro de mim borbulha a mais pura felicidade!
E
a chama ascende… É como se as flores se fossem aproximando, se fossem
aproximando
mais e mais da luz, em luminosos ponto de arco-íris.
O
álamo estremece rumoroso, o clarão vespertino
prossegue
e
tudo o que era indizível e distante é indizível e próximo.
Eu
canto o único que concilia,
o
único que é prático, igual para todos.
08
As FLORES DORMEM
as
flores dormem na janela e a lâmpada fita luz
e
a janela fita descuidada a escuridão lá fora
os
quadros mostram inanimados o conteúdo a eles confiado
e
as moscas estão imóveis na parede e pensam
as
flores encostam-se à noite e a lâmpada fia luz
no
canto o gato fia lã para dormir com ela
no
fogão a cafeteira ressoa agradada volta e meia
e
no chão as crianças brincam sem ruído com palavras
a
mesa coberta de branco espera por alguém
cujos
passos nunca sobem pela escada
um
comboio perfura o silêncio ao longe
e
não desvenda o segredo das coisas
mas
o destino conta as badaladas com decimais.
09
No MERCADO de ISFAÃO ...
No
mercado de Isfaão,
no
estrado,
mil
e um corpos
mil
e uma almas
estavam
à venda para escravos.
E
mil e um mercadores
faziam
diferentes ofertas por corpos e almas.
As
almas eram como mulheres.
Os
corpos eram como homens.
E
sorte teve o Mercador
que,
graças à sua perspicácia,
conseguiu
arrematar
Uma
alma
e
um corpo
que
condiziam e podiam acasalar.
10
NON
SERVIAM
Sou
um estrangeiro neste país
mas
este país não é um estrangeiro dentro de mim!
Não
me sinto em casa neste país
mas
esta país comporta-se como na sua própria casa dentro de mim!
De
um sangue que não se pode aguar
tenho
nas minhas veias um vaso cheio!
E
o judeu, o lapão, o artista que há em mim
sempre
procurará a sua consanguinidade: investigar nos registos,
dar
uma volta em torno do fetiche lapão no ermo desolado
com
uma veneração sem palavras por algo já esquecido,
cantar
canções lapónias conta o vento: Selvagem! Negro! –
Lutar
e protestar contra a pedra; Judeu! Negro! –
à
margem da lei e sob a lei:
prisioneiro
na sua, a dos brancos, e no entanto
–
bendita seja a minha lei! – na minha.
Converti-me
pois num estrangeiro neste país
mas
este país instalou-se comodamente dentro de mim!
Não
posso viver neste país
mas
este país vive como um veneno dentro de mim!
Certa
vez, a Suécia selvagem,
a
dos instantes breves, suaves, pobres,
sim,
foi a minha pátria! Enchia tudo!
Aqui,
na estreita e confortável Suécia,
a
dos compridos e bem abocanhados instantes
onde
tudo está fechado para evitar correntes de ar… tenho frio.
11
NOTA
a «DEDICATÓRIA»
Em
atenção às exigências estéticas
(que
também são as da funcionalidade)
os
arquitetos fizeram as nuvens quadradas.
Sobre
os bosques desolados estendem-se assim os subúrbios
Por
cima das colinas, alinham-se as altas nuvens cúbicas
refletindo-se
profundamente no confiante lago florestal,
imensas
filas de janelas vazias
sublinhadas
pelo belo néon do pôr do sol.
Ali
brincam, em montões de cúmulos piedosamente respeitados,
saudáveis
meninos
(jamais
tocados por mãos humanas)
enquanto
revoluteiam em volta deles com sombrinhas rotativas
amas
municipais severamente remuneradas.
Cada
dia se faz noite e assexuados trabalhadores vitaminados
chegam
em rebanhos às suas casas, por turnos, segundo convénios coletivos
à
sua vida privada, a Svea, a rainha das hormonas,
rigorosamente
vigiada por guardas que inspiram segurança.
E
faz-se noite e silêncio. Somente o helicóptero do lixo
sussurra
devagar de porta em porta
conduzido
por um futuro pária, um anarquista e poeta
perpetuamente
condenado a retirar toda a pornografia da fantasia.
À
distância parece um gigantesco insecto
zunindo
perante o grupo de madressilvas rosáceas
por
cima, oh, muito por cima dos saudáveis bosques dos
desportistas
onde
não vagabundeará jamais vagabundo algum.
12
PARTITUR
Vivo
em virtude desta visão:
Duas
torres
Um
éden
Quatro
caminhos
Uma
entrada
Dois
mananciais onde olhar-me
Uma
fonte de que beber
Dois
búzios a que escutar
e
a que sussurrar
uma
resposta a uma pergunta
que
era uma resposta
Como
se pudéssemos perguntar
como
se pudéssemos sussurrar uma resposta
como
se algum de nós perguntando respondendo
quisesse
ter a confirmação de algo que não fosse
a
imperfeição dos sentidos
No
entanto o teu rosto é o jardim das minhas mãos cegas
Os
teus seios são torres na sua sensibilidade dessa forma
que
separa e une
A
ta saída é a minha entrada
Os
quatro caminhos são o nosso abraço
com
braços e pernas:
Assim
seremos oito
No
entanto tu és uma deusa, intocada
e
eu não sou mais do que um príncipe!
O
que vale um príncipe
entre
as tuas montanhas?
Um
lugar que evitam os caminhantes
13
POÉTICA
É
o silêncio o que deves escutar
o
silêncio escondido atrás de apóstrofes, alusões
o
silêncio na retórica
ou
na assim chamada perfeição formal
Isto
é a busca de um sem sentido
e
vice-versa
E
tudo o que com tanta arte tento escrever
é
por contraste algo sem arte
e
todo o repleto está vazio
O
que escrevi
está
escrito entre linhas
14
A
PROVA da ÁGUA
Então
disse-me:
Os
únicos poetas que me interessam
são
os que levam cuidadosamente
com
mãos nervosas
um
vaso cheio de sangue
em
que caiu uma gota de leite
ou
um vaso cheio de leite
em
que caiu uma gota de sangue…
Agora
que já o vi, agora quero ver
a
firme captura de um vaso cheio até cima
de
água do manancial.
15
SNAKEHEAD
Muito
se pode dizer acerca do Diabo:
Ele
não está morto, está vivo.
Como
poderia ele ter sido abolido
por
um deus que sempre está ausente?
Ele
está presente:
Vê
com os teus próprios olhos, vê com os seus olhos.
Pode
revelar-se em qualquer parte.
Talvez
seja bom, talvez sejas tu
talvez
tu sejas mau, mas tu existes:
Então
o que é um ausente? Um mal presente?
Uma
força sempre ativa!
16
Quando
alguém vai, como eu, tão longe no absurdo
palavras
tornam-se de novo interessantes:
Algo
soterrado
que
se revolve com pá de arqueólogo:
A
pequena palavra tu
talvez
miçanga
que
um dia enfeitara um pescoço
A
grande palavra eu
talvez
quartzo em lasca
com
que um sem-dentes qualquer desfiara sua carne
dura.
17
É
o silêncio que deves escutar
o
silêncio por detrás das alusões, das elisões
o
silêncio por detrás da retórica
o
silêncio do que se chama a perfeição formal
Isto
é a busca do não-sentido
até
no próprio sentido
e
reciprocamente
Ora
tudo o que com arte escrevo
justamente
é sem arte
e
todo o cheio é vão
Tudo
o que escrevi
está
escrito entre as linhas
18
Vivo em virtude desta visão:
Duas
torres
Um
éden
Quatro
caminhos
Uma
entrada
Dois
mananciais onde olhar-me
Uma
fonte de que beber
Dois
búzios a que escutar
e
a que sussurrar
uma
resposta a uma pergunta
que
era uma resposta
Como
se pudéssemos perguntar
como
se pudéssemos sussurrar uma resposta
como
se algum de nós perguntando respondendo
quisesse
ter a confirmação de algo que não fosse
a
imperfeição dos sentidos
No
entanto o teu rosto é o jardim das minhas mãos cegas
Os
teus seios são torres na sua sensibilidade dessa forma
que
separa e une
A
tua saída é a minha entrada
Os
quatro caminhos são o nosso abraço
com
braços e pernas:
Assim
seremos oito
No
entanto tu és uma deusa, intocada
e
eu não sou mais do que um príncipe!
O
que vale um príncipe
entre
as tuas montanhas?
Um
lugar que evitam os caminhantes
Assinar:
Postagens (Atom)