fevereiro 04, 2024

......................... Os NATIVOS DIGITAIS: CORAÇÕES ROUBADOS

 

“Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo.”
JOSÉ SARAMAGO
(1922 – 2010. Azinhaga / Portugal)
 
“O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”
UMBERTO ECO
(1932 – 2016. Alexandria / Itália)
 
Ilustrações:
CARMI GRAU
(Berlim, Alemanha)

 
 
Estamos caminhando para um precipício cultural. Perdendo a noção do convívio social, da realidade, da religiosidade. A vida numa bolha virtual passou a parecer natural. Fanáticos, onde vamos estamos sempre atentos à telinha. Em restaurantes, festas, praias, piscinas, eventos ou viagens fazemos inúmeras selfies, viciados em likes e comentários. Nenhum artefato tem moldado tanto nossa vida diária quanto o smartphone. Graças às mídias sociais, estamos constantemente conectados uns com os outros, mas fisicamente distantes de amigos e familiares. Por certo, então, a dinâmica central da cultura digital ameaça tornar-nos pensadores superficiais e indivíduos solitários.
 
Toda a nossa atenção - sensorial, emocional e mental - nos deixa conectados. Somos bem informados, mas altamente suscetíveis a um sentimento de ansiedade e falta de propósito. Nesse cotidiano digital, raramente há sentimentos vivos, o que importa é a lacração virtual nos conduzindo a uma indiferença generalizada ao humano e ao natural. Nas redes sociais, como produtos em um supermercado on-line, exibimos roupas novas, caras e bocas de silicone, músculos, namoradas, filhos, netos, cães, gatos, carros etc. Feios, obesos, cafonas, matutos, tatuados, pouco importa, a meta são os “15 minutos de fama”, resultando na adoração aos insaciáveis deuses da tecnologia da informação.
 
Por mais que tentemos (em encontros e à mesa), não engamos colegas, cônjuges ou amigos quando fingimos estar com eles… olhando para uma tela. Quando pegamos o telefone, alguma tarefa, ou alguma pessoa, é passada para trás. Na verdade, nos tornamos menos capazes de estar presentes genuinamente a aqueles dignos da nossa atenção. O vício digital ocorre em abrangência global, em todas as faixas etárias e culturas (o Brasil é terceiro país com mais uso de tela, com média acima de 10 horas por dia) e tem impactos negativos na saúde física e mental, com estudos que mostram correlação com obesidade, insônia, depressão e ansiedade, entre outros males. Nesta era digital, o que consumimos em telas (smartphones, TVs, tablets e videogames) afeta performances acadêmica e profissional, dificulta o foco, a sustentação de atenção e o relacionamento social. Olhando para uma tela, consumindo mídia e anúncios, desprezamos o exercício da imaginação e atividades intelectuais e físicas.

 
A verdade é que todos nós somos viciados em telas em maior ou menor escala. Boa parte dos adultos que conheço são viciados em Twitter, Facebook, Instagram ou alguma outra rede social com mecânica de feed, likes e comentários. Crianças e adolescentes estão mais viciadas em videogames e feeds de vídeos curtos como Youtube e TikTok. Dentro de todo vício humano existe um mecanismo comum: a liberação de dopamina. Ela estimula o centro de prazer do cérebro que faz com que busquemos mais recompensa pela nossa ação e reforça o loop para criação de hábitos. É o que acontece quando recebemos um like ou um comentário no post, quando rimos de um vídeo no Youtube.
 
Quando esse loop atinge um nível que é difícil controlar, ele se torna um vício. O vício em telas ou internet tem efeito semelhante ao das drogas. A diferença é que as drogas podem ser os jogos, as compras compulsivas online, a pornografia, as séries, as redes sociais etc.Os efeitos colaterais desse vício digital são percebidos em diversos sintomas visíveis. Tem muitos sofrendo de Phubbing, ato de ignorar ou deixar de conversar por estar focado no celular. O termo vem das palavras phone (celular) e snubbing (esnobar). Esse comportamento compromete os relacionamentos. A depressão também é um sintoma. O deprimido busca nas redes sociais uma forma de escape, intensificando a doença.
 
As plataformas (redes sociais, jogos, streaming, etc.) são criadas para produzir prazer e habituar a usá-las com frequência. Vários mecanismos incentivam o navegante a voltar e a usar o máximo de tempo possível. Quanto maior a frequência, maior será o lucro com anúncios e informações sobre o comportamento do usuário. A tecnologia digital tem a dualidade de ser boa ou má, dependendo do uso que se faz. Quando se tem o coração roubado por ela, perdemos o controle, trocando o mundo real pelo virtual. Só o uso consciente evita o vício, garantindo que as telas sejam ferramentas de empoderamento e não de mazelas. 
 

 
 

Um comentário:

Daliana Cascudo disse...

Nahud! Tema muito pertinente nos dias de hoje! Parabéns!!!