dezembro 05, 2012

...................................................................................... PARA SEMPRE RILKE


 
Ilustrações:
PAUL CÉZANNE
(1839 - 1906. Provença / França)
 
 
Considerado um dos poetas modernos mais importantes e inovadores da literatura alemã, por seu estilo preciso, pelas imagens simbólicas e suas reflexões, RAINER MARIA RILKE (1875 - 1926. Praga / Tchéquia) trabalhou com os limites sensoriais da existência, traduzindo o fundamento da busca de ser. De obra original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas, celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de “espaço cósmico interior”, provocando a reflexão existencialista e instigando leitores a se defrontarem com questões próprias. Sua obra, com seu hermetismo, influenciou escritores de todo o mundo. No Brasil, pode-se encontrá-lo em Cecília Meireles, no Vinicius de Moraes da juventude, mas sobretudo nos poetas da chamada Geração de 45. Como todo objeto de culto, provocou simpatias e antipatias exacerbadas. Uma importante parte dos escritos de Rilke são suas cartas (para Marina Tsvetaeva, Auguste Rodin, André Gide, H. V. Hofmannstahl, Boris Pasternak, Stefan Zweig, e outros), que foram publicadas postumamente. Destaque para as “Cartas a Um Jovem Poeta”, espécie de teoria existencial da arte poética.

Escreveu, entre outros, “As Elegias de Duíno” e “O Livro das Horas”. Nas “Elegias...”, sua obra maior, medita sobre a existência humana: “Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias / dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse / para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua / natureza mais potente. Pois o belo apenas é / o começo do terrível, que só a custo podemos suportar, / e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha / destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.” Sua angústia latente, sede de viver e simplicidade como poeta nasce de uma longa tortura lírica de ver a morte como um amadurecimento da vida, numa total compensação. RILKE acreditava que a morte nasce com o homem, e tal como uma semente que brota, faz-se árvore, floresce e frutifica ao se despojar da couraça humana. O seu epitáfio, de sua autoria, diz: “Rosa, ó contradição pura, prazer de ser o sono de ninguém debaixo de tantas pálpebras”.


POEMAS de RILKE

Seja paciente com as coisas não resolvidas
em seu coração...
Tente amar as próprias questões...

Não procure agora as respostas
que não podem ser dadas
pois você não seria capaz
de vivê-las.
E o mais importante
é viver tudo.

Viva as questões agora.
Talvez você possa, então,
pouco a pouco,
sem mesmo perceber,
Conviver, algum dia distante,
com as respostas.


O HOMEM que CONTEMPLA

Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anônimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha ereto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é: ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.


AMO as HORAS NOTURNAS

Amo as horas noturnas do meu ser
em que se me aprofundam os sentidos;
nelas fui eu achar, como em caras velhíssimas,
já vivida a vida dos meus dias
e como lenda longínqua e superada.

Delas eu aprendi que tenho espaço
para uma segunda vida, vasta e sem tempo.

E po vezes me sinto como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino foi
(em volta do qual apertam suas raízes quentes)
e perdeu em tristezas e canções.


A CANÇÃO do SUICIDA

Só mais um momento.
Que voltem sempre a cortar-me
a corda.
Há pouco estava tão preparado
e havia já um pouco de eternidade
nas minhas entranhas.

Estendem-me a colher,
esta colher de vida.
Não, quero e já não quero,
deixem-me vomitar sobre mim.

Sei que a vida é boa
e que o mundo é uma taça cheia,
mas a mim não me chega ao sangue,
a mim só me sobe à cabeça.

Aos outros alimenta-os, a mim põe-me doente;
compreendei que há quem a despreze.
Durante pelo menos mil anos
preciso agora fazer dieta.


A CANÇÃO do IDIOTA

Não me incomodam. Deixam-me ir.
Dizem que não pode acontecer nada.
Ainda bem.
Não pode acontecer nada. Tudo chega e gira
sempre em torno do Espírito Santo,
em torno de determinado espírito (tu sabes) —
que bem.

Não, realmente não deve pensar-se que haja
qualquer perigo nisso.
Sim, há o sangue.
O sangue é o mais pesado. O sangue é pesado.
Por vezes penso que não posso mais —
(Ainda bem.)

Ah, que linda bola;
vermelha e redonda como um Em-toda-a-parte.
Ainda bem que a criastes.
Ela vem quando se chama?

De que estranha maneira tudo se comporta,
apressa-se a juntar-se, separa-se nadando:
amigável, um pouco vago.
Ainda bem.





Um comentário:

Anônimo disse...

Antonio
Andava buscando blogs de literatura... mas cheguei até este por causa de uma visita na tua página do FB.
Achei muito bom.
O texto excelente, os poemas muito bem selecionados, as gravuras realmente fascinantes.
Parabéns
Um abraço