Fotos:
MORVAN FRANÇA
Há tempos, Salvador foi considerada exemplo de integração entre homem, cidade e natureza. Ela encanta pelo rico patrimônio arquitetônico, beleza panorâmica, explosão de energia afro-baiana e opções de lazer, gastronomia, cultura. Atualmente, agoniza, vivendo uma falsa democracia. A sujeira toma conta de avenidas, ruas e praças. A violência opressiva gera paranoia. A cena artística, tristemente, perde vigor, com o broxante “axé music” monopolizando mentes e corações e enchendo o saco. Maravilhas como as praias de Itapoan ou a Lagoa de Abaeté, cantadas em prosa e verso por nomes de excelência como Dorival Caymmi e Gilberto Gil, foram corrompidas pelo progresso troglodita. Movimentar-se nesta metrópole molestada exige paciência, muita paciência. Não há metrô (iniciadas em 1997, as obras ainda não foram finalizadas, enchendo o bolso de políticos) ou transporte ferroviário, corridas de táxi são um tiro (alguns taxistas abusam, circulando por caminhos mais distantes), ônibus passam quando bem entendem, sem horários concretos (pontos de parada sem bancos e geralmente sob calor escaldante, beiram o sadismo). Locomover-se de automóvel pode ser traduzido em aceitação de estacionamentos lotados, engarrafamentos e, quiçá, assalto num sinal fechado.
Há tempos, Salvador foi considerada exemplo de integração entre homem, cidade e natureza. Ela encanta pelo rico patrimônio arquitetônico, beleza panorâmica, explosão de energia afro-baiana e opções de lazer, gastronomia, cultura. Atualmente, agoniza, vivendo uma falsa democracia. A sujeira toma conta de avenidas, ruas e praças. A violência opressiva gera paranoia. A cena artística, tristemente, perde vigor, com o broxante “axé music” monopolizando mentes e corações e enchendo o saco. Maravilhas como as praias de Itapoan ou a Lagoa de Abaeté, cantadas em prosa e verso por nomes de excelência como Dorival Caymmi e Gilberto Gil, foram corrompidas pelo progresso troglodita. Movimentar-se nesta metrópole molestada exige paciência, muita paciência. Não há metrô (iniciadas em 1997, as obras ainda não foram finalizadas, enchendo o bolso de políticos) ou transporte ferroviário, corridas de táxi são um tiro (alguns taxistas abusam, circulando por caminhos mais distantes), ônibus passam quando bem entendem, sem horários concretos (pontos de parada sem bancos e geralmente sob calor escaldante, beiram o sadismo). Locomover-se de automóvel pode ser traduzido em aceitação de estacionamentos lotados, engarrafamentos e, quiçá, assalto num sinal fechado.
Descuidadas, fabulosas esculturas
que enfeitam diversos pontos da cidade, de Mário Cravo Júnior a Siron Franco,
estão sujas ou enferrujadas. O Pelourinho, cartão-postal reconhecido
internacionalmente que passou por um trabalho delicado de restauração, semi-abandonado, entrega-se a um comércio impessoal e ganancioso. O turismo
cultural definha, com o poder público indiferente ou nocivo à arte. Este verão,
em plena alta temporada de dezembro, não havia em cartaz espetáculos teatrais,
exposições ou shows de qualidade, somente a bisonha carnavalização de Cláudia
Leite e trupe. No entanto, o governo estadual gasta tubos de dinheiro
anunciando que cada vez mais produz cultura, “unindo o popular e o erudito”.
Será que alguém acredita? Criação artística não combina com conformismo.
O Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) e a Fundação Casa de Jorge
Amado estavam (ainda estão?) em reforma, gerando a indagação. Como uma cidade
turística fecha as portas de órgãos culturais em um mês de grande visitação? Felizmente,
a Caixa Cultural Salvador, salvou a pátria com uma estimulante mostra do artista
multimídia Caetano Dias. Porém, no tempo que estive no local, juro que não
apareceram outros visitantes interessados em experimentações formais. Dei um
pulo também no Palacete das Artes Rodin. Faz-me bem o esplendor do casarão de
1912 e o simpático café ao ar livre. O que não me convence é o caro
investimento na permanência em solo baiano de réplicas em gesso (!) do pai da
escultura moderna. Parece-me caipira.
A formosura da paisagem é fragmentada
pelas preocupações com a selvageria, a economia e outras mazelas. Bolsas coladas
ao corpo, medo de desconhecidos, narrativas trêmulas de crimes e outros delitos
morais, aglomerados humanos cada vez mais urbanos, anônimos e desencantados. A
propaganda oficial anuncia 20 mil policiais nas ruas, mas seguramente 19 mil
devem ser invisíveis. Terreiros de candomblé fecham as portas, reduzindo a
dimensão espiritual do cotidiano. O centenário de Jorge Amado é lembrado sem profundidade... Ai, que desolação. Vivenciei o boom
da Salvador mística, efervescente, dionisíaca e sedutora dos anos 1980. O
brilho se perdeu. Nos últimos tempos, na maior cara-de-pau, a administração pública
estadual e municipal vem arruinando-a. São governantes merecedores de vaias e
chuvas de ovos podres. Eles abortaram a missão de propor políticas culturais. Não
ouvem, estudam, aplicam, avaliam ou renovam essas políticas. Poucos protestam, sem qualquer insurreição uniforme à vista.
Nascido em terras grapiúnas, amo incondicionalmente
a Bahia, mas não há como fechar os olhos e fazer de conta que tudo está bem. Salvador
pede socorro, a tradição e o contemporâneo não conseguem dialogar. Os vândalos
não pouparam o paraíso, deixando a sociedade convivendo com os escombros da civilização
dizimada. Imperdoável. Precisamos clamar por transformações urgentes, resgatando
virtudes nativas contagiantes e colocando novamente Salvador na ideia de viagem
como uma aventura enriquecedora do espírito. No mínimo, oferecer-lhe um olhar cúmplice - consolo inútil, de qualquer modo, uma manifestação de solidariedade, um indício
de que há pessoas preocupadas com a degenerescência cultural. E é bom que sejam muitas e seu número cresça, sobretudo na mídia,
cuja conivência com o asneirol da cultura pop enche qualquer um de vergonha.