agosto 26, 2013

........... O PENSAMENTO ORIGINAL de DIOGENES DA CUNHA LIMA

diogenes da cunha lima por morvan frança

Desde jovem tive o privilégio de conviver com notáveis. Adolescente, imaturo, compartilhava as reflexões eruditas do contista Hélio Pólvora, acumulando ensinamentos, e resultando em descobertas literárias e firmeza de vontade para não desistir da escrita. Cismado, taciturno, reservado, irônico e mente acesa, ele era o meu anti-herói favorito. No Rio de Janeiro, aos dezessete anos, magricela e curioso, passei tardes na Cinemateca do MAM com o escritor argentino Manuel Puig. Após exibição de filme clássico em preto e branco, entre um gole e outro de café, soube muito de cinema hollywoodiano. O autor do best-seller “O Beijo da Mulher Aranha / El Beso de la Mujer Araña” (1976) encontrava no cinema do passado fantasiosas soluções para a vida tacanha, refletindo essa obsessão nos seus romances. Nessa época, solto como Rimbaud, relacionei-me com o bardo Antonio Cícero, abrindo caminhos para a poética transcendental de Jorge de Lima, Wally Salomão e Paulo Leminski, entre outras. Enquanto isso, rabiscava versos e contos inseguros, em busca de méritos próprios.

Mais adiante, morando em São Paulo, aconteceu a amizade conluiada com a poeta Hilda Hilst. Foram dois anos passando finais de semana com ela, na Casa do Sol, em Campinas. Hildinha, rigorosa como lâmina afiada, colocou-me na parede: o mundano ou a escrita. Ela não acreditava no artista “em cima do muro, nem lá nem cá”. Abriu meus neurônios para a cultura grega, o Oculto e seus seres invisíveis, e a literatura de entrega incondicional, de Safo a Guimarães Rosa. Poucos anos depois, em Sintra, a hora e a vez da benção existencial-literária de Jorge Telles de Menezes, intelectual de nobre potencial poético e ser de dignidade cintilante. Passei uma boa temporada em sua bucólica casa à beira mar. Tive momentos de descobertas, embora curtos, com as escritoras Maria Gabriela Llansol e Doris Lessing, respectivamente em Sintra e Londres. Em Tânger, no Marrocos, passei uma tarde com o autor de “O Céu Que nos Protege / The Sheltering Sky” (1949), Paul Bowles. Parecíamos antigos amigos, abraçados pelas ruas, tagarelas, misturando espanhol e inglês, falando do ofício literário, literatura beat, Jean Genet, erotismo marroquino e a necessidade de solidão e silêncio.

Todos eles tiveram importância capital nessa errância de escritor viajante. No entanto, nenhum marcou-me tanto – consequentemente, vida e arte - como Diogenes da Cunha Lima, o Poeta do Baobá. Mestre, amigo, ele suaviza corações com personalidade justa, cortês e generosa. Difícil escritor feito ele, com tamanha elegância moral. Não é de formalidades vazias e protocolares. A arrogância, mesquinhez, inveja, vingança e deslealdade, típicas da rotina de trocentos bocós de sucesso, não fazem parte do seu universo. Para ele, a vida é bela e a literatura, a família e a amizade são joias raras que devem ser celebradas. Anda sorrindo, mesmo quando triste. Da memória baú de tesouros, inesperadamente lança numa conversa um fértil poema ou causo instigante e divertido. Lembra com frases exatas conversas com pessoas que conheceu ao longo da vida. Considerando Luis da Câmara Cascudo seu mestre, é um  dos maiores divulgadores do legado deixado pelo historiador potiguar.

De temperamento vulcânico, no bom sentido, Professor Diogenes pode a qualquer momento ter rompantes de irreverência humorada e vertente experimental. Tem uma maneira única de sobreviver, movimentando-se com intimidade no universo literário do Rio Grande do Norte e cultivando autores sofisticados como referência. Enxerga o que há de melhor no próximo, deixando-nos sem ação com elogios hiperbólicos. Mas pode ter certeza que ele acredita no que diz. Em “O Livro das Revelações” (2013) escreveu a meu respeito: “O poeta e jornalista tem um dos melhores textos do país e é mestre em fazer e conservar amigos”. Que responsabilidade! Ao ler esse comentário pela primeira vez, embasbaquei, garimpando pedaços de mim no amável julgamento. 

Fomos educados em extremidades opostas, revelando-se circular, e assim nos aproximamos. Partilhamos idêntica paixão literária e enxergamos nela o sentido da vida. Sei que há um ou outro espírito de porco que não valoriza nossa amizade, circulando indiretas abestadas. Certa vez, no café da Livraria Saraiva da capital potiguar, um repórter fotográfico, depois de me fotografar, perguntou-me cínico: “Como vai seu pai?”. “Morto e enterrado”, respondi. “Falo do doutor Diogenes”, insistiu. A maldade deixava os seus olhos opacos, áridos. Mas não me abalou, muito pelo contrário, sinto-me honrado em ser amigo e trabalhar com o Professor. É fortuna das grandes, ele é de singularidade exemplar, de destreza verbal estimulante e inteligência em constante motivação. Engana-se quem pensa que pode menosprezar a grandeza do seu legado literário. Ele é um dos grandes da literatura nordestina.

Não nasceu para se entregar, sofrer, desistir ou se amargar. Liberto pela imaginação, nunca descamba para a derrota, acenando com soluções. O bom senso renasce das cinzas em questão de segundos. Admiro sua escrita solidária e versátil, equilibrada entre a sabedoria e o encanto habitual do poeta diante do mundo. Ele escreve sob o compromisso de entender as pessoas, colocar-se no lugar delas, compreendê-las sem as julgar. Tenho um caderno onde reproduzo meticulosamente, há anos, os trechos que mais me comovem em seus livros, sempre acompanhados por duas ou três linhas de comentários singelos e cuidadosos. Talvez um dia eu o publique, algo assim como “A Literatura do Professor”. Penso em reescrever mais adiante sua biografia, lançada em 2004, esgotada, com novo título: “O Professor Revisitado”.

Aprecio o pensamento original. Sei que se todo mundo pensa igual, ninguém pensa nada. Então, louvo o pensamento personalizado. Parafraseando George Orwell, todos os homens são iguais, mas alguns são menos iguais do que os outros. Ainda bem. Cá entre nós, Professor Diogenes da Cunha Lima é um deles. Portanto, é uma honra e uma sorte está por perto para continuar ouvindo sua palavra que não esmorece, altissonante e autêntica.          

antonio nahud e diogenes da cunha lima


4 comentários:

Anônimo disse...

Nahud os amigos, principalmente os iluminados, são dádivas mais importantes do que a fortuna.
Teu check-list de grandes pessoas que cruzaram em tua vida é admirável.
E pelos teus interesses, pela tua produção intelectual, se pode ver que soubestes usufruir destes belos momentos.
Como sempre, um belo texto, com entrega lírica e consistência.

Abração.

Ricardo Mainieri

Tásia Medeiros disse...

Big boss.....

Andreia Braz disse...

Amei o texto, Antonio Nahud. Interessante é que um amigo meu estava falando outro dia sobre a genialidade de Diógenes, que sempre tem ideias inovadoras, além de ser um homem que mantém uma linda relação com a as palavras. Parabéns pelo excelente texto. Um abraço.

Yanna Medeiros disse...

Revisitar, liberar o imaginário compartilhando as paixões vivenciadas e traduzidas na linguagem do universo, nada particular, do Professor Diógenes, só reafirma seu compromisso com a palavra.
Esse texto, Nahud, retrata sua integridade e natureza poética. Aplausos!