Estive com o escritor e letrista PAULO
COELHO (1947. Rio de Janeiro, RJ / Brasil) em 2004, no Fórum das Culturas Barcelona, na Espanha. O diálogo entre nós,
publicado no jornal “A Tarde” (BA), é reproduzido aqui.
Ilustrações:
WILLIAM BLAKE
WILLIAM BLAKE
(1757 - 1827. Londres / Reino Unido)
No
início dos anos 1970, PAULO
COELHO vivia o movimento hippie, perambulando pelo mundo em busca de uma
suposta verdade esotérica. Com pouco dinheiro, loucuras na cabeça e canções em
parceria com o mítico roqueiro Raul Seixas, ninguém daria um tostão por sua
escrita. Trinta anos depois, aos 57 anos, a história é outra: figurinha
carimbada na lista de best-sellers de dezenas de países, membro da Academia Brasileira
de Letras, acumula prêmios e condecorações, além de viajar com requinte e
assédio constante da mídia. Ele é um dos 120 escritores convidados para o Fórum das
Culturas Barcelona 2004. Ao lado de Salman Rushdie (“Versos
Satânicos”) faz parte do debate “O Valor da Palavra”,
organizado pelo Pen Club catalão.
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paulo coelho |
Muitos pensam que você é espanhol. Talvez porque alguns de seus livros tenham a Espanha como cenário.
Exato.
Já me perguntaram algumas vezes. Fico feliz porque gosto da Espanha, falo muito
sobre este país e tenho afinidade com ele, mas sou brasileiro e vejo o mundo
como brasileiro. Vivi em Madri seis meses, depois de uma peregrinação à
Santiago e foi uma temporada lúdica. Sou também apaixonado por touradas. Mas
jamais perderei minha raiz, minha identidade brasileira.
Mesmo incomodado com o repúdio de colegas, intelectuais e críticos brasileiros...
Não
me preocupo com eles. Estou pouco ligando para tais comentários. É uma atitude
natural, afinal comecei a publicar aos quarenta anos e logo me tornei um grande
êxito. Eles não se conformam com isso. Existe também o fator inveja. Mas não
faço parte de nenhum grupo literário, tenho meus leitores e sou Paulo Coelho,
um escritor best-seller com a ajuda de Deus. Sei também que nenhum sucesso é eterno.
O essencial é não perder a naturalidade, porque o leitor não aceita fórmulas,
não quer repetições. Eu escrevo sobre os temas que me preocupam e não sobre as
coisas que os outros gostariam de ler. Meus leitores são inteligentes. Se eles encontrassem
uma fórmula perpétua nos meus livros já teriam me abandonado. Eu me
surpreendo com o que escrevo. Isso é que dá vida a minha escrita.
Fica magoado quado é classificado como escritor de literatura esotérica?
Claro.
Os meus livros são diferentes desse tipo de literatura. Não brinco com a inocência
das pessoas. Falo da magia de pessoas comuns, do cotidiano de todos nós. Meus
personagens lutam e enfrentam provas iniciáticas para seguir vivendo. Tenho um
estilo que busca a simplicidade, sendo direto sem ser superficial. O chato é que as pessoas procuram
situar o novo com um modelo conhecido. Já fui comparado à Castañeda, Gibran e
Stephen King. Não tenho como evitar essas comparações. O que sei é que sou escritor.
O que procura exatamente ao escrever um livro?
Descobrir-me.
Tenho uma inquietude e uma maneira de viver a vida que ao escrever a
compreendo melhor.
Em
2000, na França, foi condecorado como Chevalier de la Legion d´Honneur. Aprecia ser homenageado?
Seria hipocrisia dizer que não ligo para homenagens, mas a melhor
homenagem é a fidelidade do leitor.
Se sente vaidoso por ser o autor de língua portuguesa mais lido em todo o mundo?
Sinto
que é uma grande responsabilidade. Procuro, em todos os países que visito, falar
um pouco dos escritores de língua portuguesa. No entanto, penso que a literatura
lusófona está cada vez mais conhecida. O Nobel de Saramago contribuiu para essa
divulgação.
Cite um escritor brasileiro que costuma lembrar em entrevistas e palestras fora do Brasil.
Jorge
Amado. Eu o admiro, sempre foi um dos meus escritores favoritos. Ele e o
argentino Borges. Eu creio no que disse Borges, há somente quatro histórias
para narrar: a de um homem e uma mulher, a luta pelo poder, o triângulo amoroso
e viagens. Fico com a última, onde se aprende a ser tolerante com as coisas do mundo.
O Fórum das Culturas Barcelona celebra a paz e a solidariedade em um mundo marcado pela ganância e pela violência. Como traduz este evento?
É
uma proposta positiva, que poderá trazer bons resultados. Vivemos em um mundo
conduzido por padrões de condutas, padrões de qualidade, de beleza, de eficiência,
de sabedoria. Acreditamos que existe um modelo para tudo e que seguindo tal
modelo estaremos seguros. Não é verdade. O certo é que vivemos num mundo
perigoso, mas também muito rico, que ainda permite que as pessoas se aproximem
e troquem impressões. Creio que é preciso uma maior preocupação com a
espiritualidade, pois esta preocupação leva à solidariedade e não ao
egocentrismo, como muitos querem fazer crer.
Mudando de assunto. Você está rico?
Dizem
que sou o segundo escritor mais lido do mundo. Pode ser, mas a grande riqueza é
ter meus livros publicados. Mas concordo que ganhar dinheiro com nossos sonhos
é algo especial, que respeito.
Muitos escritores trabalham noutras atividades para sobreviver. Não é o seu caso. Se considera privilegiado?
Vivo um sonho, mas todo sonho implica
desafios. E o sonho literário é um desafio permanente. Assim que terminar de
conversar com você e seus colegas, irei para o computador terminar uma coluna
para um jornal do Brasil e logo depois será a hora da palestra. É um
desafio. Mesmo vivendo o nosso sonho, nada é fácil.