Entrevista de 2001.
Concedida no Café de Santa
Cruz,
em Coimbra, Portugal.
Publicada no Caderno Cultural
do jornal A Tarde (BA)
Imagens:
ANALU PRESTES
(1952. Santos / São Paulo)
Um
dos intelectuais norte-americanos mais ativos, suas críticas não são elaboradas
com o intuito de agradar uns e outros. As teses de HAROLD
BLOOM (1930. Nova Iorque / EUA) são essencialmente polêmicas, principalmente quando ele discorre sobre a
questão da influência literária, uma preocupação contínua em sua obra. Ele
aborda este conceito desde seu livro “A Angústia da Influência”, publicado em
1973. Nele o teórico defende que sempre se irá encontrar, em cada obra, por
mais clássica e única que ela pareça, traços de outros criadores, os quais, por
sua vez, beberam também em fontes alheias para compor suas produções
literárias. “A grande escrita é sempre reescrita”, garante. Reconhecido
ensaísta e crítico literário, lota auditórios em todo o mundo, praticando uma
missão especial: ensinar a ler. “Quem for capaz de ler verdadeiramente, será
abençoado pelo conhecimento, pela memória”, afirma. Luta contra a informação
passiva fornecida pela televisão, incentivando a “mente ativa”. Ele
considera o ato de ler uma iniciativa pessoal, e que seu papel como crítico é
conceder ao leitor um arsenal prático do ofício literário, estimulando-o a
ler cada vez mais.
Original,
ousado, controverso, influente, aos 71 anos é autor de uma vasta obra que reúne
24 livros e centenas de ensaios e introduções, privilegiando poetas de língua
inglesa. HAROLD BLOOM criou o conceito de Cânone, ou seja, uma relação das
produções literárias essenciais. Esta ideia é desenvolvida em seu livro “O
Cânone Ocidental”, lançado em 1994. Entre
seus escritores geniais, ele destaca Shakespeare, Dante, Cervantes e Milton. No
idioma português ele acrescenta o nome de Machado de Assis como o maior da
literatura brasileira, e o do poeta Fernando Pessoa, ao lado de Camões. Era
venerado pelo combativo jornalista Paulo Francis. “Um ensaísta de primeira água
e um grande crítico”, disse dele o Nobel José Saramago, um dos raros autores de
língua portuguesa elogiados por Bloom. Em Coimbra,
Portugal, convidado do IV Encontro Internacional de Poetas, HAROLD BLOOM lançou
a tradução para o português do seu livro “Como e Por Que Ler”, deu conferência
e recebeu doutoramento Honoris Causa da Universidade de Coimbra, a mais antiga universidade
do país luso. “Foi uma extraordinária e eloquente cerimônia”, disse o homenageado. Na sua fala, ele aplicou suas teorias no diálogo “O
Atlântico Sublime: Whitman, Pessoa, Stevens, Crane, Lorca, Cernuda”. Após o
evento, conversou com a imprensa.
Os autores
norte-americanos contemporâneos, de Norman Mailer a Gore Vidal, são obcecados
pela ideia do “grande romance americano”. Quem chegou lá?
Muitos
deixam devorar sua capacidade de ficcionista por essa obsessão, mas creio que
tal obra já foi escrita: “Meridiano de Sangue”, de Corman McCarthy. Um livro
terrível, que mete medo. Deve ser o romance norte-americano mais importante
desde “Moby Dick”, de Melville. Já o li muitas vezes.
Os
seus livros demonstram fascínio pela bíblia. Além disso, costuma aconselhar a ler
alto e a decorar poesia, como se faz com as orações. Vê a literatura como uma religião?
Claro
que não. Seria uma idiotice essa teoria. Basta a indústria das experiências
paranormais ou a indústria de anjos. Mas me fascinam as passagens mais antigas
da Bíblia judia. Escrevi um livro acerca disso, “O Livro de J”. Quanto a
decorar poesia, devo dizer que os meus alunos ficam embaraçados. Pensam que
estão se comportando como crianças. Entretanto, há diferença quando
se possui a literatura através da memória.
Os
portugueses estão encantados com sua opinião positiva à respeito de Fernando
Pessoa e José Saramago.
Fernando
Pessoa é um grande poeta moderno. Tão bom como Lorca, Valéry ou Wallace Stevens.
O problema dele foi a tentativa de se tornar um super-Camões ou um Walt
Whitman. Além do mais, escreveu muito, e ninguém parece que o leu na
totalidade. Já Saramago é o romancista
vivo mais talentoso que conheço. Sua versatilidade é espantosa. Ele escreve
comédias deliciosas, e coisas tenebrosas, melancólicas.
Pessoa
tem a popularidade merecida além de Portugal?
Ele é
reconhecido por muitas outras línguas e culturas. Não é ainda mais popular
devido aos heterônimos. Demora um pouco a nos acostumarmos à complicação de
compreender quatro poetas em uma só pessoa, e à forma como ele desenvolve o
problema. Pessoa é um poeta europeu que seduz muita gente.
A sua
interpretação de que todo poeta sofre da angústia da influência continua sendo
questionada.
Quando
publiquei “A Angústia da Influência: Uma Teoria da Poesia” não pensei que seria
tão mal compreendido. Continuo pensando que a angústia da influência é um fato
universal. Shakespeare, por exemplo, lutou muito para se livrar da influência
de Christopher Marlowe. Pessoa, como disse, tinha uma clara obsessão por
Whitman. E assim por adiante. Não há como negar que a grande escrita é sempre
reescrita.
Como
enxerga o leitor?
Obviamente o leitor de hoje não é sensível. Veja o caso da vasta maioria dos universitários, que são
uma mistura de atrasados mentais e preconceituosos. A falta de reflexão sempre
foi mais sedutora. É difícil aprender a ler com propriedade a grande literatura
da imaginação. Os grandes escritores exigem muito em termos de energia
intelectual e imaginativa. Desafiam a totalidade da pessoa em nós. A verdadeira
leitura supõe tempo e implica esforço e perseverança. A prática da leitura é um
caminho difícil com ocasionais recompensas.
Crê
que a crítica literária sobreviverá em um mundo de excesso de imagens e
leituras banais?
Penso
que haverá sempre bons críticos literários, desde que estes sigam a crítica como
um ramo da literatura. O importante é que não usem a crítica com propósitos de
ressentimentos, ou seja, por motivos puramente pessoais. O bom crítico
necessita de valores humanista e literário.
Convidado para ser homenageado na celebração do terceiro centenário da Universidade
de Yale, preferiu o evento de
Coimbra. Foi uma boa escolha?
O rei
Bush era um dos homenageados em Yale. Preferi não estar presente. Não me
arrependo. A cerimônia de Coimbra foi extraordinária e eloquente. Um incentivo
para continuar aprendendo profundamente sobre a tradição literária portuguesa.
Escrevi alguma coisa sobre Camões e Eça. Considero “Os Maias” de uma beleza
sublime. É um dos melhores romances europeus do século XIX.
Falando
em Bush, como vê a atual política norte-americana?
George
Bush II representa a imbecilidade mais completa que se vive nos Estados Unidos
e que ultrapassa a minha compreensão. Estamos na época de Mark Twain, chamada “The Gilded Age” (A Idade Dourada), a era
dos barões bandidos. Toda essa administração, o presidente, o vice-presidente,
o secretário de defesa, o secretário do tesouro, são grandes senhores do
petróleo que estão tendo lucros fabulosos.