abril 02, 2016

.................... RUY CASTRO - CONTADOR de VIDAS ESQUECIDAS



  
Ilustrações:
PAUL CÉZANNE 
(1839 - 1906. Provença / França)


Os textos de RUY CASTRO (1948. Caratinga / MG) se destacam pelo bom humor, memória afiada, apuro na pesquisa e escrita sedutora. Um dos nossos grandes biógrafos, de tanto viver no Rio de Janeiro assimilou o espírito carioca. Sua mais recente criação biográfica, “Carmem – Uma Biografia” (2005), sobre a cantora Carmen Miranda, ganhou o prêmio Jabuti na categoria não-ficção. Autor de “Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova” (1990); “Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson Rodrigues” (1992) e “Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha” (1995). Lançou também livros de ficção, humor, antologias e traduções. Jornalista desde 1967, publicou há algumas semanas “Um Filme é Para Sempre” (2006), reunindo 60 artigos de cinema escritos nos últimos 30 anos. Seleção e organização da escritora Heloísa Seixas, sua esposa. A entrevista surgiu a partir da nossa encontro no “I Encontro Natalense de Escritores (ENE), em 2006, Natal (RN). Ela tem como objetivo ampliar o interesse na obra do escritor. Confira abaixo a íntegra do exclusivo bate-papo publicado no site Cronópios e nos jornais A Tarde (BA) e Jornal de Hoje (RN).

Harold Bloom garante que o escritor norte-americano está obcecado com a miragem “grande obra” que represente todo seu esforço intelctual. Você já realizou tal obra?

Interessante. Nunca pensei numa obra como uma coisa total- talvez porque não tivesse planejado ser escritor. Era jornalista desde 1967, estava muito feliz como jornalista e, de repente, por volta de 1988, comecei a ter umas ideias que não cabiam nos jornais ou revistas, só em livros. Exemplos, a história da Bossa Nova ou a vida de Nelson Rodrigues. Apresentei essas ideias à Companhia das Letras, eles toparam e já saí de cada telefonema trabalhando. Cada livro levou a outro livro e, quando me dei conta, já estava completamente imerso no produto literário. Outra coisa: a cada livro sempre senti que houve uma evolução. Ou, pelo menos, o livro seguinte sempre deu mais trabalho. Mas tem razão: “Carmen” foi e é a totalização desse esforço.

O seu mundo continuou o mesmo depois do êxito de “Carmen - Uma Biografia”?

Não, tudo mudou radicalmente. O livro levou cinco anos para ser feito, dos quais três em regime exclusivo, sendo o último ano em circunstâncias muito particulares. Não creio que eu possa fazer melhor - pelo menos, no que se refere a biografias ou livros de reconstituição histórica. De certa maneira, isso me dá uma sensação de dever cumprido - como se, a partir de agora, eu continuasse a escrever pelo simples prazer de escrever. Espero ter ficado mais tranquilo e menos ansioso. Não creio que eu precise provar mais nada para mim.

A Carmen que descobriu em pesquisas é a mesma que habitava seu imaginário?

Não, tornou-se muito maior e melhor. Eu não imaginava que a vida dela no Rio dos anos 20 e 30 tivesse sido tão rica e radical, e nem as dimensões de seu enorme sucesso na América. E só fazia uma vaga ideia do drama interior dela nos seus últimos anos.

Carmen Miranda, tratada como artista exótica, tinha qualidades evidentes. A biografia veio na hora certa?

Espero que sim. Assim como a obra de Nelson Rodrigues ficou muito mais iluminada a partir do conhecimento de sua vida, espero que aconteça o mesmo com Carmen. Aliás, basta ouvir suas gravações (principalmente as da fase Odeon, hoje EMI, entre 1935 e 1940) para se ter uma ideia da grande cantora que ela foi.


Carmen é uma das vítimas da capenga memória nacional?

Sim, como todo artista brasileiro que saia fisicamente de circulação. E nem é preciso ir aos anos 30 e 40, que foram o seu apogeu. O Brasil ouve muito menos Orlando Silva, Sylvio Caldas, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro, Dircinha Batista, Os Anjos do Inferno, Lucio Alves, Miltinho e Doris Monteiro do que deveria. E que outros países têm cantores como esses? Aliás, Miltinho e Doris estão vivos, esperando convites. Sabe há quantos anos não sai um disco de Aurora Miranda no Brasil? Há 50 anos! Carmen nem estava tão esquecida assim pela indústria fonográfica - todo ano saía um disco dela, uma coletânea de 78s, mas quase todos usando o mesmo material e, o que é pior, quase sempre o material americano de “Mamãe Eu Quero”, “South American Way” etc. Mas estou sabendo que a EMI está preparando uma edição da sua obra lá, com quatro CDs temáticos.

Como reagiu ao ganhar o Prêmio Jabuti? 

Fiquei muito emocionado. Já o tinha ganho antes, com “Estrela Solitária”, mas nada se comparou a este. Inclusive pela própria Carmen - para mim, era ela que estava sendo premiada.


O seu ofício como jornalista pode ser recordado em um momento especial? O que escreveu na ocasião?

Não creio que tenha passado por esse momento “especial”. O mais perto seria o fato de estar morando em Lisboa quando explodiu a Revolução dos Cravos, de um dia para o outro, em abril de 1974, e ser o único jornalista brasileiro a assistir a tudo aquilo pela janela. Como as fronteiras foram fechadas, nenhum outro colega conseguiu entrar em Portugal menos de cinco dias depois.

O seu novo livro foi uma sugestão de sua esposa, Heloísa Seixas. Desde o início acreditou no projeto?

Tive receio de os artigos não estarem à altura de um livro, mas ela me convenceu do contrário. E fiquei muito feliz com o resultado final. Tanto que já a autorizei a fazer o mesmo com os artigos sobre música popular e sobre literatura. Ela já está mergulhada em montanhas de pastas, coitada. São para sair em meados do ano que vem, quando completo 40 anos de trabalho.


Como vê a nova literatura nordestina?

Imagino que acontece com ela o mesmo que esteja acontecendo com toda literatura: procurar um nível de qualidade acima do que se está produzindo com essa linguagem de blogs e de escrita automática em voga no momento. Literatura exige (ou deveria exigir) esforço, capricho, reflexão. Fico besta como um romance como “Pérolas Absolutas”, da Heloísa, lançado pela Record há três anos, e com toda a crítica maravilhosa que conquistou, não tenha todos os leitores que merece.

Como será sua participação no I Encontro Natalense de Escritores?

Eu e Heloísa vamos falar, cada um, da especialidade do outro. Ela vai contar histórias de bastidores de um biógrafo, ou seja, um autor de não-ficção; e eu vou fofocar sobre como trabalha um romancista ou contista, ou seja, um autor de ficção. Demos essa palestra certa vez na Bienal do Livro, no Rio, e foi um sucesso.


Soube que não voltará a biografar.

O problema é que, desde “Carmen”, não me ocorre nenhum nome que eu gostaria de biografar.



2 comentários:

Miriam Reis disse...

Ótima entrevista.

Juvenal Landim disse...

Li Carmen. Extraordinário.