para os “Meninos d’Avó”
Quando conquistou tudo
o que todos querem cortejar,
a pobre
recompensa não valeu os custos:
juventude desperdiçada, alma aviltada,
honra
perdida, são os teus frutos,
ó paixão triunfante!
BYRON
Fragmento 11 do canto XVII
Sou calmo – mas não sou calmo demais;
Modesto – mas com autoconfiança;
Paciente, sim – porém sem muita paz;
Mutável – sem que se note mudança;
Tímido – mas às vezes muito audaz;
Alegre, mas sem rir, porque isso cansa;
Como se a minha minha pele, numa tez,
Tivesse, onde não tem, duas ou três.
Tradução de Augusto de Campos
Fotografias:
JOSÉ
RICARDO CORTE-REAL
(para o livro “Se Um Viajante numa Espanha de Lorca”,
de Antonio Nahud, 2005)
de Antonio Nahud, 2005)
O
belo porte do poeta romântico cintila e seus olhos não escondem um destino
plúmbeo, melancolia acentuada e caráter excepcional. Pronto para conceder
poemas inéditos, guardados durante quase dois séculos, desvendando a
Serra da Lua e sua concentração de energia visionária. A passagem do poeta
inglês por Sintra, em julho de 1809, deu origem a versos: “Ó minha Sintra, és
cá um Paraíso glorioso / mas o capacete de neblina que trazes sempre na tromba
/ Faz-me sentir saudoso / da minha solarenga Albiona / Bem, sempre é melhor
fugir para Missalonga com um marujo português / E quem fala assim não é coxo /
Como eu”. Retratou a cidade como bela e enigmática, não tendo em grande conta o
caráter dos portugueses, poemando críticas duras que ainda hoje
silvam como um látego em “Childe Harold’s Pilgrimage”.
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lord byron |
Carlos
Pinto e José Ricardo – nosso amigo-irmão Zezinho -, respectivamente engenheiro de som e
fotógrafo, presentes, atentos, embora jamais abram a boca para a récita.
Atores mostram sua verve, de Rui Mário, do Tapafuros, a Nuno Vicente, do Utopia.
Rui Lopo, Jorge Telles de Menezes e Rui Bráz dirigem sutilmente o espetáculo, dando
preferência ao espontâneo. Menezes, autor do alucinante “Selenographia in
Cynthia”, interpreta poemas pausadamente, sentido, voz grave, carregada
de vivências. Nesta noite em que recebemos a visita de BYRON, lê poetas
germânicos do pós-guerra, traduzidos por ele. É um grande escritor, poeta,
ensaísta e tradutor à procura de um editor sensível. Superando a timidez e a
tendência para mergulhar na emoção intensa e contida, pouco a pouco, tomo o
gosto da “performance interiorizada”. Considero-me, com deleite, um dos “Meninos
d’Avó”. Este é o panorama, a geleia geral: poetas abrem a boca e lançam poemas.
Entre
nós, entusiasmados espíritos delirantes, LORD BYRON, voz aveludada,
clara e firme, sem esconder rasgos de sensibilidade, fala sobre poesia. Durante
o sarau continua com uma série de leituras carismáticas, pontuando reflexões
literárias cheias de desenvoltura. Sua beleza luminosa, estampa de cinema,
provoca encabulamentos. Êxtase. Pareço arder e, ao mesmo tempo, sou tomado por gélido e discreto embaraço. O poeta nos diz seu nome: António
Cortez. Ah, Byron, pseudônimo, alter-ego, heterônimo, personagem, verso vivo, possessão
espetacular! Cortez, António Cortez, admirável. Depois
da meia noite, cumprida a missão, ele parte, despedindo-se amável e prometendo voltar. Imagino um indômito alazão negro à sua espera. Enfeitiçado, levanto os olhos e vejo o fundo dos seus olhos.
Lá está a sua história, a história de um aventureiro, um leque de vivências. Um
sujeito elegante, várias relações amorosas de ambos os sexos, deixando como
legado uma obra de profundo interesse. Ele escandalizou a sociedade tanto
com seus poemas quanto pela sua vida mundana. É tratado como um gênio da poesia
e o maior romântico inglês.
Criação marcada pelo pessimismo, cinismo, ironia e revolta contra o
mundo. Critica a sociedade de maneira exaltada, impetuosa e até
violenta. Seu caráter poético ligado à tristeza da alma humana. Um grande painel
autobiográfico. Rotulado como louco, devido ao desprezo pelas
regras de comportamento social, socialmente rejeitado e, também, invejado pela
originalidade literária e gênio criador. Inquieto e aventureiro, ânsia
libertária, tal qual escreveu no poema “O Corsário”. Deixou pensamentos célebres,
como este: “O passado é sem dúvida o melhor profeta do futuro”. Na
tentativa de transformar sua vida em seus escritos – ou seria o contrário? –
ele se encheu de dívidas - por estar sempre dando orgias e festas extravagantes.
Nasceu
em Londres no congelante 22 de Janeiro de 1788, família à beira da ruína
econômica, malformação congênita num dos pés, provocando um visível coxear. Ainda
assim o nosso protagonista se destacaria em esportes como boxe e natação. A mãe,
Catherine, focalizava no filho único as desgraças que aconteciam na sua vida.
Aos nove anos, faleceu seu tio avô – quinto LORD BYRON - deixando o sobrinho
neto como depositário do título familiar. Jovem de beleza invulgar, no Trinity College de Cambridge foi apelidado de “bom garoto” pelo carisma e
excelente disposição. Em 1806, aos 18 anos, publica o primeiro poemário, “Horas Ociosas”, mal recebido pela crítica. Nessa altura, a Inglaterra
prosperava em plena evolução industrial. O poeta, dando rédeas à sua ânsia de
aventura, iniciou em 1809 uma viagem por vários países mediterrâneos: Portugal,
Espanha, Grécia, Turquia. Passou alguns dias em Sintra, começando
a escrever “As Peregrinações de Childe Harold” – seu alter-ego literário -,
protagonista de mil avatares poéticos.
Cantadas
por vozes relevantes da literatura portuguesa – Luís Vaz de Camões, Gil
Vicente, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Ramalho Urtigão, Teixeira de
Pascoaes, Ferreira de Castro, Vergílio Ferreira e José Saramago, entre tantos –
e do romantismo inglês – William Beckford, Robert Southey - as paisagens idílicas
de Sintra encantam viajantes e turistas de ocasião. É um grandioso cenário de
uma natureza pagã e sagrada. Deslumbrou LORD BYRON, que soube apreciar a solidão
dos lugares misteriosos, escrevendo: “a vilazinha de Sintra é talvez a mais bela de
todo o mundo”. Admirador de Beckford, escritor milionário que influenciou
sua obra e se instalou poucos anos na admirável Quinta e Palácio de Monserrate,
escreveu sobre a vivenda lusa do autor de “Vathek” (1786): “Aqui moraste, e
aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora,
este local parece amaldiçoado: teu palácio está só como tu próprio és só”. Na
sua carta a Francis Hodgson, escrita a 16 de Julho de 1809, disse estar apaixonado
pela paisagem da mística e mítica vila, deixando-se fascinar pela exuberância
natural em versos como “The Glorious Eden”. O mesmo ardor e magnificência do
local reconhecidos mais de meio século depois pelo escritor português Eça de
Queirós. O autor de “Os Maias” (1888) interpretou Sintra com a expressão “Sintra Queirosiana”, e se pode
afirmar que ela está presente em quase toda sua fértil obra. Antes do idílio
de BYRON, outro poeta britânico, Robert Southey, estendeu os
olhos pela cenografia sintrense: “o mais abençoado torrão de todo o globo
habitável”.
Hospedado na Estalagem dos
Cavaleiros, as aventuras e desventuras de BYRON em terra portuguesa são
narradas num livro de Alberto Teles, publicado em 1879. A fama do furacão
romântico cresceu e o regresso em 1811 de sua peripécia européia foi aclamado
nos melhores salões londrinos. Todos queriam tê-lo como convidado e lhe atribuíram
centenas de romances com mulheres e homens. Mas foi Annabella Mibanke quem o
levou ao altar em Janeiro de 1815. Onze meses mais tarde nasceu Augusta Ada,
enquanto a polêmica e o escândalo salpicavam a vida do poeta. Acusado publicamente de
sodomia e incesto, foi abandonado pela esposa. Diante de terríveis rumores e provável
julgamento, ele decidiu deixar o seu país sem intenção de regressar. Esteve
em Bruxelas e na Suíça, fazendo amizade com Mary e Percy Shelley, John Polidori e
Claire Clairmont. Com os novos amigos e, por que não dizer, amantes, navegou
por lagos e organizou veladas literárias propondo a criação de novelas
macabras. Polidori inspirou-se em BYRON para escrever “O Vampiro”, semente de
um gênero, enquanto Mary Shelley concebeu “Frankenstein”, aproximando-se do
mito do novo Prometeu. Se estabelecendo na Itália, o irreverente poeta incrementou sua já por si fértil criatividade, apoiando causas libertadoras e publicando textos como
“Manfred”.
Em
1822, com apenas 34 anos, mergulhado numa tristeza cada vez mais abrumadora, resolveu combatê-la viajando pela Grécia, disposto a lutar pela liberdade dos
gregos frente ao poder otomano. Recebido como herói, em pouco tempo, ferido,
contraiu uma febre que o levou à morte a 19 de Abril de 1824. Faleceu na praia,
dizendo para um amigo que o acompanhava: “É chegada a ocasião de descansar!”. Poeta
de amores perdidos, recorreu à simbologia dos elementos naturais para cantar
seu dilema existencial. Com ironia e uma
certa ruptura com o romantismo, denunciou um leque de preocupações muito adiante
do seu tempo. Donjuanesco, temperamento forte, sensualidade vibrante e grande
poder de comunicação, produziu poemas de fúria inaudita, emblemáticos na
violência que o escritor exercia sobre si próprio. Egocêntrico, morreu sem encontrar as atenções nem
ouvir os aplausos que julgava merecidos.
Tumultuoso,
sutil - o encontro com LORD BYRON nesta noite voluptuosa de primavera, atmosfera
enigmática e perfumada. O percebido relato nesta crônica. Sem nenhuma
invenção. George Gordon, o Byron, poeta romântico e desiludido, ou Cortez, parte numa visão sobrenatural. Toma um caminho tão
solitário como o das estrelas. Eu deixo a Casa da Avó. Impossível sufocar
a convulsão que me arranca dos laços terráqueos. A caminho da estação
ferroviária, as pontas dos ramos das árvores se incendeiam em faíscas de luz
violeta, e os troncos passam gradualmente do púrpura ao negro. Horizonte
de pálida iluminação, teia de néon, destacando o serpentário da
Serra, num belo efeito plástico. Noite sombria, inquietante, duma suavidade de
efeitos mágicos. Das trevas e do mais oculto nascem fábulas
azuladas, a luz do bem querer e de irresistíveis esperanças.
POEMA de BYRON
Não recues! De mim
não foi-se o espírito...
Em mim verás -
pobre caveira fria -
Único crânio que,
ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.
Vivi! Amei! Bebi
qual tu: Na morte
Arrancaram da terra
os ossos meus.
Não me insultes! Empina-me!...
que a larva
Tem beijos mais
sombrios do que os teus.
Mais vale guardar o
sumo da parreira
Do que ao verme do
chão ser pasto vil;
- Taça - levar dos
Deuses a bebida,
Que o pasto do
réptil.
Que este vaso, onde
o espírito brilhava,
Vá nos outros o
espírito acender.
Ai! Quando um
crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho
o encher!
Bebe, enquanto inda
é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus
fordes nos fossos,
Pode do abraço te
livrar da terra,
E ébria folgando
profanar teus ossos.
E por que não? Se
no correr da vida
Tanto mal, tanta
dor ai repousa?
É bom fugindo à
podridão do lado
Servir na morte
enfim p'ra alguma coisa!...
Tradução de Castro
Alves
FRASES de BYRON
“A recordação da felicidade já não é
felicidade; a recordação da dor ainda é dor.”
“Todo aquele que conseguir a alegria deve
partilhá-la.”
“Todas as tragédias terminam em morte e
todas as comédias em casamento.”
“No amor alternam a alegria e a dor.”
“A amizade é o amor sem asas.”
“O amor nasce de pequenas coisas, vive
delas e por elas às vezes morre.”
“A adversidade é o primeiro caminho para a
Verdade.”
“E, afinal de contas, o que é uma mentira?
É apenas a verdade mascarada.”
“As novidades agradam menos do que
impressionam.”
“O ódio é de longe o mais longo dos
prazeres: amamos depressa, mas detestamos com vagar.”
“Na sua primeira paixão, a mulher ama o seu
amante; em todas as outras, do que ela gosta é do amor.”
“É mais fácil morrer por uma mulher do que
viver com ela.”
“O casamento vem do amor, assim como o
vinagre do vinho.”
“Enxugar uma só lágrima merece mais honesta
fama do que verter mares de sangue.”
“Quem ama mente.”
“O entusiasmo é uma embriaguez moral.”
“Quando tiramos a vida aos homens, não
sabemos nem o que lhes tiramos, nem o que lhes damos.”
“Uma amante pode ser tão incômoda quanto
uma esposa, quando se tem apenas uma.”
“Terrível é que não é possível viver com as
mulheres, nem sem elas.”
“A vida é como o vinho: se a quisermos
apreciar bem, não devemos bebê-la até à última gota.”
“É quando pensamos conduzir que geralmente
somos conduzidos.”
“Só a mágoa deveria ser a instrutora dos
sábios. Tristeza é saber.”
8 comentários:
Valeu!!!!! Excelente.
Encantador.
Ótimo relato beirando o gênero fantástico. Parabéns.
Como Byron era belo. A filha dele, Ada Lovelace é reconhecida por ter escrito o primeiro algoritmo de computador. (primitivo)
Perfeito.
Byron era uma figura além da sua época.
Texto gostoso de ler. Parabéns.
Muito bom.
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