Ilustrações:
HANS ARP
(1986 – 1966. Estrasburgo / França)
Há dez anos participei de mesa
redonda no I Encontro Natalense de Escritores (ENE 2006). Diretamente da
Alemanha, escala de poucos dias em Salvador, reencontrando Natal e me sentindo
honrado com o convite. Talvez por falta de comunicação, colocaram-me para
debater sobre Oswaldo Lamartine, notável escritor potiguar que eu desconhecia
na época e hoje tenho admiração. Sem perder tempo, entrevistei colegas.
Conversas saborosas com Antônio Cícero, Zuenir Ventura, Marcelino Freire, Ruy
Castro e outros. Da literatura local, Diogenes da Cunha Lima e MARIZE CASTRO. Marize não se empolgou com a
possibilidade de ser entrevistada. Insisti no bate-papo e terminei conseguindo respostas
controladas. Todas as entrevistas foram publicadas nos jornais “A Tarde”
(BA) e “Jornal de Hoje” (RN). Estranhamente, o registro da poeta potiguar permaneceu
inédito. Não lembro qual foi o motivo. Esta semana, pesquisando antigos CDs, encontrei
casualmente esse simpático material produzido durante o ENE número um. Algumas entrevistas já postadas neste blog: Cícero, Ruy Castro, professor Diogenes. Acrescento à série, a poeta MARIZE CASTRO.
marize castro |
Como jornalista trabalhou na
editoria durante vários anos do jornal cultural “O Galo”, publicação da
Fundação José Augusto, em
que colaborei com poemas e ensaios antes de conhecer Natal. Em 2008, publicou o
livro “Além do Nome”, resultado de entrevistas publicadas no jornal “Tribuna do
Norte” com inúmeros poetas e escritores. Em 2011, lançou “O Silencioso Exercício
de Semear Bibliotecas”, sobre o trabalho que a poeta e bibliotecária Zila
Mamede realizou nos anos 1960. MARIZE CASTRO ganhou prêmios literários,
dentre os quais Prêmio de Poesia FJA (1983) e o Prêmio Othoniel Menezes (1998).
Cultora do verso livre, celebra a mulher e o sentimento amoroso, escrevendo em
linguagem fluente e solta. “A verdade em beleza”, da qual se referiu Haroldo de
Campos, continua entusiasmando a crítica e apaixonando leitores.
Confira a entrevista:
Na arte, tudo navega num fluxo constante. Nada é descartado, mas transformado pela produção artística que se movimenta de forma ininterrupta e, às vezes, agregas soluções anteriormente experimentadas. A poesia de MARIZE CASTRO desafia os impulsos poéticos mais tradicionais, reeditando-os com novas leituras em seus múltiplos aspectos. Tudo se transforma.
Na arte, tudo navega num fluxo constante. Nada é descartado, mas transformado pela produção artística que se movimenta de forma ininterrupta e, às vezes, agregas soluções anteriormente experimentadas. A poesia de MARIZE CASTRO desafia os impulsos poéticos mais tradicionais, reeditando-os com novas leituras em seus múltiplos aspectos. Tudo se transforma.
Nietzsche disse: “por
nossas virtudes somos bem punidos”. Será mesmo?
Não acredito em punição.
E crítica literária? É
necessária? Perdeu o rumo?
A crítica é necessária,
ela está ausente da mídia, mas muito viva e renovada dentro das
universidades.
As editoras não divulgam corretamente seus poetas ou os leitores realmente desprezam a poesia?
A poesia sempre terá
seus leitores, poucos, mas fiéis.
O escritor francês André
Gide garantiu que “todas as coisas já estão ditas, mas, como ninguém escuta, é
preciso recomeçar sempre”.
É preciso recomeçar
porque assim é a vida.
Existe uma poética
feminina?
Sim, inclusive na poesia
escrita por homens.
Quais as poetas que
influenciaram sua obra?
De Safo a Patti Smith,
sou todas elas.
Ler poemas em voz alta
atrai anjos?
Não sei.
Os poetas são aplaudidos
pela persistência literária ou pela originalidade da linguagem?
Os verdadeiros poetas
fazem sua poesia com ou sem aplausos. Há muito não acredito em originalidade na
poesia. Acredito em experimentos.
Um poema tem sentido a
partir de sua expressividade?
Se o poema existe, sua
existência se fez necessária.
Muitos escritores
rejeitam suas próprias obras de estreia. Você aceita sem restrições o seu
primeiro livro?
“Marrons Crepons Marfins”
foi legitimado por Haroldo de Campos. Como não aceitá-lo plenamente?
Por que escreve poesia?
Como começou?
Lendo a verdadeira
Poesia.
Falemos
da vida. A eternidade está no presente?
A
eternidade está.
A
morte tem importância?
A
morte tem, sim, importância, porque sem ela não há vida.
Como você se relaciona
com os novos poetas nordestinos?
Tenho bons amigos poetas no Nordeste e em todo país. A Internet facilitou bastante a nossa comunicação. Cito, especificamente no Nordeste, José Inácio Vieira de Melo, Ruy Espinheira Filho e Mayrant Gallo, entre outros, em Salvador; Delmo Montenegro e Jomard Muniz de Brito, em Recife; Antonio Mariano e Hildeberto Barbosa,em João Pessoa ; Carlos Augusto
Lima, em Fortaleza; Rubervam Du Nascimento, em São Luís , e tantos outros que neste momento não recordo, mas que são tão importantes
quantos estes que eu citei.
Tenho bons amigos poetas no Nordeste e em todo país. A Internet facilitou bastante a nossa comunicação. Cito, especificamente no Nordeste, José Inácio Vieira de Melo, Ruy Espinheira Filho e Mayrant Gallo, entre outros, em Salvador; Delmo Montenegro e Jomard Muniz de Brito, em Recife; Antonio Mariano e Hildeberto Barbosa,
O que falta e o que sobra na poesia
do Rio Grande do Norte?
Nada sobra e nada falta na
verdadeira poesia feita no Rio Grande do Norte. Mas tudo sobra e tudo falta na
falsa poesia feita em qualquer lugar.
O I Encontro Natalense de Escritores
veio para ficar?
Não sei. Espero que sim. Mas
parabenizo a Capitania das Artes pela presença do poeta Antonio Cícero, quem há
muito admiro. Cícero é autor de uma bela poesia, sem a obsessão pelo “novo”.
10 POEMAS de MARIZE CASTRO
À ESPERA
Porque nesta casa nada se oculta, eu
te chamo.
Entre a vigília e o espelho, eu te
espero.
Amo as palavras.
Por elas também virei homem.
Vi fúrias parindo fêmeas ávidas de
linguagem.
Mulheres que deslizam.
Entregam-se. Desobedecem.
Dividem suas casas com os pássaros.
Mulheres que guardaram a senha:
fechar a porta a qualquer invasão.
Em silêncio, deixar cair
crucifixo, rosário, camafeu.
Nenhum véu. Nenhuma ilusão
PURA GEOMETRIA
Dos teus olhos
brotam lampejos de metáfora.
Não me espanto.
Corro o risco
de delinear essa zona.
Pura geometria.
Inevitavelmente pincelo teus
labirintos
capturo tuas utopias.
Para tanta cumplicidade
não há mais limite.
Onde retomar o desejo?
Talvez reinventando o mistério
disperso na noite
peregrino de sexos, línguas e coxas.
Pensando em ti
às vezes de mim esqueço.
Retardo todos os regressos
e me limito
a sair do páreo, pela sombra.
Dualidade de quem jamais se
encontra.
SÍNTESE
Sintetizo em ti
todos os meus desejos.
Não me oponho aos teus.
Que ressoem as espadas.
Que relinchem os corcéis.
Seremos sempre singulares
sobre esses inúteis céus.
Assim
meu corpo urde embriagado
teu corpo arde descompassado.
Desvio a rota.
Não há mais retorno.
Se não mais me oculto
nem cometo crimes
me disfarço em brinde.
Com VERTIGEM e PERÍCIA
Sob as torres de Gaudí,
acredito no amor como acredito e
— com vertigem e perícia.
Caminho pelos subterrâneos e revejo
lendas
— fábulas que negros olhos me
mostraram.
A beleza permanece com as faces
lanceadas.
Como lhe falar da estupidez humana?
Tenho comigo o sudário marinho.
E com ele que sou puta e sagrada.
Celebro nesta noite
uma vida de pontiagudas adagas.
Porque estou só nestas ramblas
consigo contemplar certos mares
e certas sedes escandalosas.
Em SEGREDO
Durante visita a uma casa de
Virginia Woolf
Nesta casa renasci.
Tempestade tudo que senti.
Celeste tudo que ficou.
Sob arcos de folhas
permaneço ilha
rasgando dias
guardando lendas,
urnas, trovões.
Esperando teu abraço,
teu chamado.
Ah, senhora loba,
que tudo sabe de mim,
cuida-me em segredo
neste paraíso carmim.
INTEIRA
Iluminada por oráculos
alimento anjos com asas quebradas.
Não é de vendaval que eu preciso
mas da língua do amor guardada à
beira-mar.
Não entendo de círios
mas de verões e sargaços bailarinos.
Acolhida pela província,
arrisco-me a enlaçar orquídeas em
árvores.
Sempre sofri.
Sempre tive febre.
Sempre estive inteira em todos os
infernos
Nunca quis ser abandonada.
Mas aprendi a perder.
O naufrágio me ensinou a ternura dos
afogados.
POEMA HAVERÁ?
haverá homem que não seja colina?
mulher que não seja nuvem?
criança que não seja milagre?
... o que o naufrágio fez com eles?
... deu-lhes fogo para ficarem belos?
asas para romperem céus?
barbatanas para voos oblíquos?
eu que ainda moro ao lado do mar
e me perfumo para abrir livros
deito entre aves e oro:
que a onda do amor
não adoeça
nenhum caminhante
encontre laços
nenhum rio
estacione.
ERMA
Recolho-me tão profundamente
que tudo me alcança:
mísseis, desastres, lanças.
Recostada ao rosto de Deus
pedi-lhe a fé perdida
a palavra antiga – invencível.
Ele me deu o mar no nome
e uma fome borgeana, dizendo-me:
Eis sua herança, jovem senhora
de velhíssima alma e furiosas
lembranças.
NÉCTAR
A verdade aproxima-se.
Olha-me com os olhos
abismados da beleza.
Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da
janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.
Sou todas elas.
Escrever me fez suportar todo
incêndio
– toda quimera.
PRECE
Quem aqui me trouxe
brincava de ser Deus.
Banhou-me em águas turvas.
Desenlaçou-me.
Se não sou amada, adoeço.
Sigo para o último abismo.
Vou ao encontro da fêmea
tatuada de auroras.
Ajoelho-me.
Oro pela fragilidade das horas.
9 comentários:
Muito bom. Bom fragmento....sim, a poesia existe independente dos aplausos!
Amigo , ela é o máximo. Adorei a entrevista e os poemas maravilhosos!
Linda entrevista, parabéns!
Apesar da sisudez da poeta, a entrevista é muito boa. Perguntas certeiras. Parabéns.
Um paraíso o seu blog. Postagens sensíveis e inteligentes. Ganhou uma leitora.
Conheci a poesia
Blog precioso, um baú de tesouros. Obrigado.
Belíssimo blogue. Parabéns.
Poesia dá vida sabor, revela os sentimentos que eu sinto e nem sempre posso expressá-lo por mim mesmo!
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