publicado no “Cultural”
jornal “A Tarde” (BA), 2003.
Vinculado ao melhor jazz e a drogas pesadas, estabeleceu
um estilo ao mesmo tempo suave e vibrante, numa mostra de
pura emoção. Trompetista e cantor, CHET BAKER (1929 - 1988) construiu uma carreira tão brilhante
que nem seu vício em heroína conseguiu destruir sua reputação. Além da
habilidade musical, ainda era dono de uma beleza que rivalizava com James Dean.
Drogado e inconsequente, faltava aos compromissos profissionais, era expulso de
hotéis por arruaça e vagava na noite num luxuoso descapotável. Vetado
de se apresentar em clubes de jazz na Costa Oeste, e também em Nova York, passou longa temporada na Europa, registrada em retratos que revelam
olhares melancólicos e rugas precoces.
No trompete, um virtuosismo insuperável. De capacidade
inesquecível, tornou-se uma lenda
musical, um das peças chaves da história do jazz. Respeitado por críticos em
todo o mundo, influenciou uma legião de músicos. Ouvi falar dele pela primeira vez através da cantora Jussara Silveira, e do amigo-jornalista Luís Wilde. No finalzinho dos 1980, na Mostra Internacional de
Cinema de São Paulo, finalmente conheci sua música e sua trágica história. No
documentário dirigido por Bruce Weber, um CHET BAKER jovem, belo e vulnerável emana romantismo; nos últimos anos, decadência e ruína humana. Produzido no ano
em que o artista morreu, apresenta sua figura disforme tocando na penumbra de
um estúdio de gravação. No mesmo dia, comprei a trilha sonora de “Let’s Get
Lost”.
Colecionar seus discos passou a ser um vício. Na
Tower Records, em Londres, adquiria semanalmente cada um deles. Visitei um dos
seus redutos mais célebres, o Club Ronnie Scott’s. Em Barcelona, fui ao
Jamboree, Plaza Real, lugar em que se apresentou em dezembro de 1963. Em
espanhol, li sua autobiografia “Memórias Perdidas”. Obra irregular, válida pela
escrita vertiginosa. Muito melhor o cru relato de Billie Holliday, “Lady Sings
the Blues”; o ácido “Beneath the Underdog”, do contrabaixista Charlie Mingus; e
as impressões sinceras da vida de Duke Ellington em “Music is my Mistress”.
A criação musical de CHET BAKER me influenciou na
escrita. Eu o citei algumas vezes em entrevistas, crônicas, poemas, contos. Tornou-se
um amante platônico. Falei sobre ele com diversas pessoas. Costumo
ler ouvindo suas interpretações antológicas, de “Imagination” (Burke-Van
Hursen) a “Stella by Starlight” (Young-Washington), passando por “Retrato em
Preto e Branco” (Tom Jobim). A versão do clássico “My Funny Valentine”
(Rodgers-Hart) é de arrepiar, superando a interpretação da magnífica
Sarah Vaughn. Com ele descobri o jazz como gênero musical por excelência. Toca-me profundamente. Sublime.
Num bar lisboeta, no Bairro Alto, passei um tempão
com o cantor Emílio Santiago, chetmaníaco de carteirinha, falando sobre a
música e a vida do nosso ícone. Soube então que o jazzista, mal resolvido sexualmente,
costumava levar um bonito adolescente como companhia em gravações e
apresentações musicais. Na boêmia pública, somente garotas fabulosas. Por seus diversos
casos, a imprensa fofoqueira insistia em chamá-lo de tarado. Um heroinômano
tarado? Duvido. Nenhum viciado em heroína é louco por sexo. A droga basta. É o
gozo “supremo”.
Faleceu em Amsterdã, aos 58 anos, com cara de muito mais idade, e então se tornou uma lenda do
jazz. Morte bizarra, cercada de mistérios. Teria ele se
suicidado, ou apenas estava tão drogado que caiu da janela do
hotel? No final dos anos 1950, sua história quase chegou às telas na pele do
bonitinho e insosso Robert Wagner. Recentemente, por um triz não foi rodada uma
superprodução protagonizada por Leonardo DiCaprio. A viúva do artista, a ex-modelo
inglesa Carol Jackson, mãe de três filhos seus, ficou empolgada com o projeto. Ano passado, Ethan Hawke estrelou “Born to Be Blue”, recriando o trompetista.
Ele foi batizado como Chesney Henry Baker. Nasceu
em Yale, Oklahoma, ano da Grande Depressão, no dia 23 de dezembro de 1929. Os
pais incentivaram sua vocação musical. Influenciado pelo pai, um guitarrista
country, envolveu-se com a música e aos 11 anos, após uma mudança para o
subúrbio de Los Angeles, começou sua carreira musical tocando acordeão,
cantando e fazendo parte do coral da igreja. Aos 13 anos ganhou do pai um
trompete. O instrumento seria seu companheiro até o fim da vida. Em 1952,
impressionou o lendário Charlie Parker, o Bird, inventor do bebop, sendo contratado para apresentações
no Canadá. Esta turnê representa a sua efetiva entrada no hall dos profissionais
de alto nível do jazz. Quando terminou, Parker voltou a Nova York e disse a Miles
Davis e Dizzy Gillespie: “Tem um trompetista branco lá na Costa Oeste que vai
jantar vocês.”
A voz de CHET BAKER, quase um sussurro, um fio de sentimento.
Nem todos aceitam sua musicalidade discreta, melancólica e romântica.
Alguns criticam a linearidade, ausência de contrastes, apego aos registros
médios. Em meados dos anos 1950, já uma estrela, tocando em parceria com Stan
Getz, consumia diariamente dez gramas de heroína e dez gramas mais de cocaína.
Acossado pela polícia, passava temporadas em hospitais e no cárcere. Nas
memórias, diz que tanto os momentos de sufoco como os de glória lhe foram
indiferentes. Único e universal, ele foi retratado ainda jovem pelo fotógrafo William Claxton, originando o livro “Young Chet”.
Em 1952, após findada sua turnê com Charlie Paker,
montou junto a Gerry Mulligan um quarteto que foi uma verdadeira sensação. Eles
levaram multidões a um pequeno club situado no Wilshire Boulevard de Los
Angeles, ganhando proeminência nacional em pouco tempo. Em 1954, liderado por
CHET BAKER, o quarteto viajou por todo território norte-americano com shows que
eram sucesso de público e crítica. Ainda em 1954 ganhou os prêmios de Melhor Trompetista de Jazz pelas revistas “Down Beat” e “Metronome”. Em Hollywood atuou no
filme “Hell's Horizon” (1955), um drama de guerra. Mas rejeitou uma oferta de contrato com um estúdio cinematográfico. Nos anos seguintes, as drogas começaram a lhe criar problemas sérios. Em 1950 foi preso pela primeira
vez. Por volta de 1956 foi internado no
Hospital de Lexington e preso em Riker's Island. O vício em heroína transformou
sua vida numa sucessão de prisões e hospitalizações. Seu nome repercutiu de
maneira negativa pela imprensa mundo afora.
Em 1955 resolveu conquistar a Europa. Logo
no início da excursão, seu pianista Dick Tzwardik morreu vítima de uma overdose
de heroína em um hotel em Paris. Depois de retornar de sua primeira turnê europeia,
lançou em 1958 um disco com Stan Getz, um dos maiores saxofonistas da
história do jazz. No outono de 1959, CHET BAKER viajou outra vez para o velho
continente. Em 1964, foi deportado da Alemanha para os Estados Unidos, viagem na qual seu
trompete foi roubado. Quatro
anos depois, brutalmente surrado por cinco narcotraficantes, na Califórnia,
perdeu quase todos os dentes. Para sobreviver, trabalhou num posto de gasolina
e viveu da caridade alheia, até um produtor musical pagar sua dentadura.
Passou
três anos reaprendendo a dominar seu instrumento, prejudicado pela condição
dentária. Conseguiu tocar novamente, apesar de isso lhe causar dores terríveis
por causa da pressão do bocal. Ajudado por Dizzy Gillespie, conseguiu um
contrato. Nunca mais parou, resultando na melhor fase de sua
carreira. A sua volta ao mundo do jazz se deu por volta de 1974, num concerto no
Carnegie Hall, junto à Gerry Mulligan e diversos outros grandes músicos. Retornou a Europa em 1975, pois o mercado norte-americano não estava favorável ao
jazz. Transformado em um mito, onde quer que se apresentasse o local estava
sempre lotado.
Protótipo
do inconformista, CHET BAKER é eterno pela sensibilidade musical extrema. Ela
supera a existência afundada no inferno das drogas, a dura sobrevivência
artística, a velhice autodestrutiva. Nos últimos anos de vida, tocava
curvado, sentado num banco, e deu muito vexame. “Toco cada canção como se fosse
a última”, costumava dizer. Admiro sua produção artística de aproximadamente
200 discos. É um artista nato. O seu trompete desfilando suavemente notas
musicais, e a voz pequena e afinadíssima, ficaram na história.
(01)
THE BEST OF GERRY MULLIGAN
QUARTET WITH CHET BAKER
Coletânea do início da carreira. Energia indescritível
do sax de Mulligan e do trompete de Chet.
Destaque para “My
Funny Valentine”.
(02)
CHET BAKER SINGS
Não há como negar que a sua maneira de cantar é
inigualável. Com este álbum ele elevou
seu nome na cena do jazz. Aqui nasceu um estilo de fazer música.
(03)
MY FAVORITE SONGS: THE LAST GREAT CONCERT
Este não é o seu último concerto. Mas faz
um belo apanhado
do que foi a sua carreira.
GALERIA de FOTOS
jornal “A Tarde” (BA), 2003.
Vinculado ao melhor jazz e a drogas pesadas, estabeleceu um estilo ao mesmo tempo suave e vibrante, numa mostra de pura emoção. Trompetista e cantor, CHET BAKER (1929 - 1988) construiu uma carreira tão brilhante que nem seu vício em heroína conseguiu destruir sua reputação. Além da habilidade musical, ainda era dono de uma beleza que rivalizava com James Dean. Drogado e inconsequente, faltava aos compromissos profissionais, era expulso de hotéis por arruaça e vagava na noite num luxuoso descapotável. Vetado de se apresentar em clubes de jazz na Costa Oeste, e também em Nova York, passou longa temporada na Europa, registrada em retratos que revelam olhares melancólicos e rugas precoces.
No trompete, um virtuosismo insuperável. De capacidade inesquecível, tornou-se uma lenda musical, um das peças chaves da história do jazz. Respeitado por críticos em todo o mundo, influenciou uma legião de músicos. Ouvi falar dele pela primeira vez através da cantora Jussara Silveira, e do amigo-jornalista Luís Wilde. No finalzinho dos 1980, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, finalmente conheci sua música e sua trágica história. No documentário dirigido por Bruce Weber, um CHET BAKER jovem, belo e vulnerável emana romantismo; nos últimos anos, decadência e ruína humana. Produzido no ano em que o artista morreu, apresenta sua figura disforme tocando na penumbra de um estúdio de gravação. No mesmo dia, comprei a trilha sonora de “Let’s Get Lost”.
A criação musical de CHET BAKER me influenciou na escrita. Eu o citei algumas vezes em entrevistas, crônicas, poemas, contos. Tornou-se um amante platônico. Falei sobre ele com diversas pessoas. Costumo ler ouvindo suas interpretações antológicas, de “Imagination” (Burke-Van Hursen) a “Stella by Starlight” (Young-Washington), passando por “Retrato em Preto e Branco” (Tom Jobim). A versão do clássico “My Funny Valentine” (Rodgers-Hart) é de arrepiar, superando a interpretação da magnífica Sarah Vaughn. Com ele descobri o jazz como gênero musical por excelência. Toca-me profundamente. Sublime.
Faleceu em Amsterdã, aos 58 anos, com cara de muito mais idade, e então se tornou uma lenda do jazz. Morte bizarra, cercada de mistérios. Teria ele se suicidado, ou apenas estava tão drogado que caiu da janela do hotel? No final dos anos 1950, sua história quase chegou às telas na pele do bonitinho e insosso Robert Wagner. Recentemente, por um triz não foi rodada uma superprodução protagonizada por Leonardo DiCaprio. A viúva do artista, a ex-modelo inglesa Carol Jackson, mãe de três filhos seus, ficou empolgada com o projeto. Ano passado, Ethan Hawke estrelou “Born to Be Blue”, recriando o trompetista.
Ele foi batizado como Chesney Henry Baker. Nasceu em Yale, Oklahoma, ano da Grande Depressão, no dia 23 de dezembro de 1929. Os pais incentivaram sua vocação musical. Influenciado pelo pai, um guitarrista country, envolveu-se com a música e aos 11 anos, após uma mudança para o subúrbio de Los Angeles, começou sua carreira musical tocando acordeão, cantando e fazendo parte do coral da igreja. Aos 13 anos ganhou do pai um trompete. O instrumento seria seu companheiro até o fim da vida. Em 1952, impressionou o lendário Charlie Parker, o Bird, inventor do bebop, sendo contratado para apresentações no Canadá. Esta turnê representa a sua efetiva entrada no hall dos profissionais de alto nível do jazz. Quando terminou, Parker voltou a Nova York e disse a Miles Davis e Dizzy Gillespie: “Tem um trompetista branco lá na Costa Oeste que vai jantar vocês.”
Em 1952, após findada sua turnê com Charlie Paker, montou junto a Gerry Mulligan um quarteto que foi uma verdadeira sensação. Eles levaram multidões a um pequeno club situado no Wilshire Boulevard de Los Angeles, ganhando proeminência nacional em pouco tempo. Em 1954, liderado por CHET BAKER, o quarteto viajou por todo território norte-americano com shows que eram sucesso de público e crítica. Ainda em 1954 ganhou os prêmios de Melhor Trompetista de Jazz pelas revistas “Down Beat” e “Metronome”. Em Hollywood atuou no filme “Hell's Horizon” (1955), um drama de guerra. Mas rejeitou uma oferta de contrato com um estúdio cinematográfico. Nos anos seguintes, as drogas começaram a lhe criar problemas sérios. Em 1950 foi preso pela primeira vez. Por volta de 1956 foi internado no Hospital de Lexington e preso em Riker's Island. O vício em heroína transformou sua vida numa sucessão de prisões e hospitalizações. Seu nome repercutiu de maneira negativa pela imprensa mundo afora.
Em 1955 resolveu conquistar a Europa. Logo no início da excursão, seu pianista Dick Tzwardik morreu vítima de uma overdose de heroína em um hotel em Paris. Depois de retornar de sua primeira turnê europeia, lançou em 1958 um disco com Stan Getz, um dos maiores saxofonistas da história do jazz. No outono de 1959, CHET BAKER viajou outra vez para o velho continente. Em 1964, foi deportado da Alemanha para os Estados Unidos, viagem na qual seu trompete foi roubado. Quatro anos depois, brutalmente surrado por cinco narcotraficantes, na Califórnia, perdeu quase todos os dentes. Para sobreviver, trabalhou num posto de gasolina e viveu da caridade alheia, até um produtor musical pagar sua dentadura.
Protótipo do inconformista, CHET BAKER é eterno pela sensibilidade musical extrema. Ela supera a existência afundada no inferno das drogas, a dura sobrevivência artística, a velhice autodestrutiva. Nos últimos anos de vida, tocava curvado, sentado num banco, e deu muito vexame. “Toco cada canção como se fosse a última”, costumava dizer. Admiro sua produção artística de aproximadamente 200 discos. É um artista nato. O seu trompete desfilando suavemente notas musicais, e a voz pequena e afinadíssima, ficaram na história.
4 comentários:
As drogas são força destrutiva!
CHET! CHET! O maior do jazz branco.
Monumento do jazz. Sou fã.
Muito bacana.
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