Antonio Nahud
Sevilha, Espanha. 2002.
Entrevista publicada no jornal A Tarde, Bahia.
Ilustrações:
EMILIANO DI CAVALCANTI
(1897 – 1976)
De pés descalços e copo na mão, CESÁRIA ÉVORA passou boa parte da vida cantando para marinheiros gringos de passagem pela Ilha de São
Vicente, em Cabo Verde. Em troca, moedas e noitadas divertidas. Cansando da difícil vida fácil, passou dez anos sem cantar, enquanto enfrentava o
alcoolismo. Voltou a fazê-lo profissionalmente, no final dos anos 1980,
convidada por amigos para gravar um disco e mais adiante apresentar-se no parisiense
New Morning Club. Os franceses se enamoraram dela, produzindo seus primeiros
trabalhos: “La Diva aux Pieds Nus” (1988), “Mar Azul” (1991), “Miss Perfumado” (1992)
etc.
Com voz de quem muito sofreu, ela conquistou meio mundo. Nasceu
em Cabo Verde ,
arquipélago árido e vulcânico, ex-colônia portuguesa. Filha de cozinheira de
mão cheia e músico que tocava cavaquinho. Aos 61 anos, apresenta-se na Europa, seguindo
para o Japão, América do Sul e do Norte. Uma vitória respeitável para uma pobre
garota negra que durante muito tempo cantou em casas particulares, navios e
bares, ganhando quase nada. Seu mais recente álbum musical, “São Vicente di
Longe” (2001), tem arranjos do nosso
Jacques Morelenbaum. Caetano Veloso canta numa das faixas.
A diva de pés descalços superou os homens e o álcool, restando o canto, mas promete também deixar de cantar em breve: “estou velha e
cansada, quero estar tranqüila na minha terra”. Fumando SG, cigarro português,
num bar sevilhano, conta sua história.
A senhora começou a cantar influenciada por seu
pai, um músico?
Quando
criança costumava ver meu pai cantar com meu tio, um compositor, mas nem me
passava pela cabeça que seria cantora. Meu pai não me incentivou para a
carreira musical. Meu avô também foi um grande músico. Mas quando resolvi
cantar todos eles já estavam mortos.
Como foi o seu início musical?
Eu
tinha dezesseis anos e um amigo chamado Iduardo tocava seu violão. Não sei por
que cantei, mas cantei baixo, muito baixinho. Ele ficou me olhando e disse:
“Canta mais alto, Cize”. Cize é como os meus amigos me chamam. Eu cantei mais
alto e daí em diante passei a cantar nos bares e nos navios de guerra. Os
marinheiros gostavam da minha voz, me ofereciam bebidas e moedas. Passei muitos
anos assim, com os meus sentimentos diante de homens de várias raças.
Com
o fim da colonização e a seca que tomou conta das ilhas, os navios
desapareceram e os bares ficaram vazios.
Foi aí que deixou de cantar?
Eu
não queria saber de política e então fiquei na minha casa durante dez anos.
Nada de cantoria. Em 1985 fui com uns amigos gravar um disco em Lisboa e três
anos depois nos apresentamos em
Paris. E ntão comecei a ganhar dinheiro com a música.
A
senhora foi descoberta pelos franceses?
O
meu êxito internacional teve início na França. Foram os franceses que primeiro
apreciaram a minha voz e me convidaram para gravar. Eu sou muito grata a eles. Fui
bem recebida pelos imigrantes do meu país que vivem na França e também pelos
próprios franceses. Com “Miss Perfumado”,
meu quarto disco, a imprensa falou muito do meu trabalho. Desse
reconhecimento passei a ser convidada para viajar.
Muitos
não entendem o que diz, já que canta em crioulo, mas mesmo assim se comovem com
sua voz.
As
pessoas percebem o sentimento, a força da música. Eu não entendo o português
perfeitamente, mas gosto de muitas músicas brasileiras. Música é música em
qualquer lugar do mundo.
Disse
que gosta de música brasileira...
Os
brasileiros e os cabo-verdianos se completam musicalmente. Ambos colocam
sentimentos no trabalho musical. E usamos o mesmo tipo de instrumentos.
Como
foi sua colaboração com Morelenbaum em “São Vicente di Longe”?
Ele
fez a maior parte dos arranjos. Gosto muito desse disco, tem uma grande
contribuição internacional. Foi quase todo gravado em Cuba, e faço duetos com
Compay Segundo e Caetano Veloso. É muito parecido com meus outros trabalhos. Eu
não pretendo mudar minha maneira de cantar.
Declarou
numa entrevista que pensa em aposentar-se em breve. É verdade?
Sim.
Estou velha e cansada, quero descansar na minha terra. Se bem que a África está
sempre em conflito. Mas Cabo Verde vive em paz e na seca. Como não temos minas de
diamantes nem outros recursos, somente vulcões, nos deixam viver calmamente.
NOTA
CESÁRIA ÉVORA morreu em 2011, aos 70 anos. Ainda não havia se aposentado.
5 comentários:
Amei a reportagem e as imagens!
Morro de paixão por essa voz. Grande Cesária. Tenho vários CDs dela. Ouço e reouço.
Muito linda a voz dela. Adorei a música. Som de piano misturado aos pandeiros e afins. Que chique essa cantora.
Uma diva.
Ela é maravilhosa!!Adoro suas músicas, sua voz.
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