julho 31, 2016

......................... CESÁRIA ÉVORA – A DIVA DESCALÇA



Antonio Nahud
Sevilha, Espanha. 2002.
Entrevista publicada no jornal A Tarde, Bahia.

Ilustrações:
EMILIANO DI CAVALCANTI
(1897 – 1976)


De pés descalços e copo na mão, CESÁRIA ÉVORA passou boa parte da vida cantando para marinheiros gringos de passagem pela Ilha de São Vicente, em Cabo Verde. Em troca, moedas e noitadas divertidas. Cansando da difícil vida fácil, passou dez anos sem cantar, enquanto enfrentava o alcoolismo. Voltou a fazê-lo profissionalmente, no final dos anos 1980, convidada por amigos para gravar um disco e mais adiante apresentar-se no parisiense New Morning Club. Os franceses se enamoraram dela, produzindo seus primeiros trabalhos: “La Diva aux Pieds Nus” (1988), “Mar Azul” (1991), “Miss Perfumado” (1992) etc.

Com voz de quem muito sofreu, ela conquistou meio mundo. Nasceu em Cabo Verde, arquipélago árido e vulcânico, ex-colônia portuguesa. Filha de cozinheira de mão cheia e músico que tocava cavaquinho. Aos 61 anos, apresenta-se na Europa, seguindo para o Japão, América do Sul e do Norte. Uma vitória respeitável para uma pobre garota negra que durante muito tempo cantou em casas particulares, navios e bares, ganhando quase nada. Seu mais recente álbum musical, “São Vicente di Longe” (2001), tem arranjos do nosso Jacques Morelenbaum. Caetano Veloso canta numa das faixas.

A diva de pés descalços superou os homens e o álcool, restando o canto, mas promete também deixar de cantar em breve: “estou velha e cansada, quero estar tranqüila na minha terra”. Fumando SG, cigarro português, num bar sevilhano, conta sua história.

A senhora começou a cantar influenciada por seu pai, um músico?

Quando criança costumava ver meu pai cantar com meu tio, um compositor, mas nem me passava pela cabeça que seria cantora. Meu pai não me incentivou para a carreira musical. Meu avô também foi um grande músico. Mas quando resolvi cantar todos eles já estavam mortos.

Como foi o seu início musical?

Eu tinha dezesseis anos e um amigo chamado Iduardo tocava seu violão. Não sei por que cantei, mas cantei baixo, muito baixinho. Ele ficou me olhando e disse: “Canta mais alto, Cize”. Cize é como os meus amigos me chamam. Eu cantei mais alto e daí em diante passei a cantar nos bares e nos navios de guerra. Os marinheiros gostavam da minha voz, me ofereciam bebidas e moedas. Passei muitos anos assim, com os meus sentimentos diante de homens de várias raças.

Com o fim da colonização e a seca que tomou conta das ilhas, os navios desapareceram e os bares ficaram vazios.  Foi aí que deixou de cantar?

Eu não queria saber de política e então fiquei na minha casa durante dez anos. Nada de cantoria. Em 1985 fui com uns amigos gravar um disco em Lisboa e três anos depois nos apresentamos em Paris. Então comecei a ganhar dinheiro com a música.


A senhora foi descoberta pelos franceses?

O meu êxito internacional teve início na França. Foram os franceses que primeiro apreciaram a minha voz e me convidaram para gravar. Eu sou muito grata a eles. Fui bem recebida pelos imigrantes do meu país que vivem na França e também pelos próprios franceses. Com “Miss Perfumado”, meu quarto disco, a imprensa falou muito do meu trabalho. Desse reconhecimento passei a ser convidada para viajar.

Muitos não entendem o que diz, já que canta em crioulo, mas mesmo assim se comovem com sua voz.

As pessoas percebem o sentimento, a força da música. Eu não entendo o português perfeitamente, mas gosto de muitas músicas brasileiras. Música é música em qualquer lugar do mundo.


Disse que gosta de música brasileira...

Os brasileiros e os cabo-verdianos se completam musicalmente. Ambos colocam sentimentos no trabalho musical. E usamos o mesmo tipo de instrumentos.

Como foi sua colaboração com Morelenbaum em “São Vicente di Longe”?

Ele fez a maior parte dos arranjos. Gosto muito desse disco, tem uma grande contribuição internacional. Foi quase todo gravado em Cuba, e faço duetos com Compay Segundo e Caetano Veloso. É muito parecido com meus outros trabalhos. Eu não pretendo mudar minha maneira de cantar.


Declarou numa entrevista que pensa em aposentar-se em breve. É verdade?

Sim. Estou velha e cansada, quero descansar na minha terra. Se bem que a África está sempre em conflito. Mas Cabo Verde vive em paz e na seca. Como não temos minas de diamantes nem outros recursos, somente vulcões, nos deixam viver calmamente.

NOTA
CESÁRIA ÉVORA morreu em 2011, aos 70 anos. Ainda não havia se aposentado.



5 comentários:

Anna C. Porto disse...

Amei a reportagem e as imagens!

Chico Lopes disse...

Morro de paixão por essa voz. Grande Cesária. Tenho vários CDs dela. Ouço e reouço.

Bete Nunes disse...

Muito linda a voz dela. Adorei a música. Som de piano misturado aos pandeiros e afins. Que chique essa cantora.

Eduardo Cabús disse...

Uma diva.

Isabela Marinho disse...

Ela é maravilhosa!!Adoro suas músicas, sua voz.