Ilustrações:
DAVID TANNER
(Richmond,
Virginia, EUA)
ANTONIO NAHUD entrevista MARCELINO FREIRE para os jornais “A Tarde” e “Tribuna do Norte”. 2006.
Nascido em
1967, no alto sertão de Pernambuco, Marcelino Freire vive em São Paulo desde 1991.
Faz parte da nova geração de escritores brasileiros, designada “Geração 90” . Publicou “Angu de Sangue” (contos, 2000), “eraOdito” (aforismos,
1998/2002), “BaléRalé” (contos, 2003) e “Contos Negreiros” (contos, 2005), vencedor
do Prêmio Jabuti. Editou a “Coleção 5
Minutinhos” e organizou “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século”.
Atualmente prepara, em parceria com o escritor Santiago Nazarian, a antologia
“Contos para Ler Fora do Armário”, e escreve seu primeiro romance. Ele
realizou o “Balada Literária”, projeto de 2006 que reuniu quase uma centena de
escritores pelas ruas de São Paulo. Agora se apresenta no I Encontro Natalense
de Escritores (ENE). Confira a entrevista.
Quais são suas primeiras lembranças em
relação à literatura? Como essa arte conquistou você?
Lembro sempre do Manuel Bandeira. É ele minha
memória mais antiga. Lá pelos meus nove anos, li um poema do Bandeira chamado
“O Bicho”. A partir dali quis ser um poeta. Um tuberculoso. Um doente. Bandeira
me doutrinou a ser doente. Quando descobri que Bandeira era pernambucano igual
a mim, senti uma chance. Eu poderia fazer o que ele fazia. Bandeira foi a minha
porta de incêndio para a literatura. Por causa dele conheci Drummond, João
Cabral, Cecília. Ah! No mesmo período, comecei a fazer teatro. Comecei
escrevendo para teatro. Em resumo: a poesia e o teatro me salvaram. Ou melhor:
arruinaram-me de vez. Estou doente até hoje. Tomado, entende?
Bancou do próprio bolso o seu primeiro livro, você. Como foi isso?
Banquei os meus primeiros livros. Comecei
pelo “AcRústico”, em 1995. Um livro de contos muito ruim. Mas que foi
importante para que eu exorcizasse aqueles textos da gaveta. Não tem coisa
pior: do que conto olhando para você. Querendo sair à rua. Eu já estava morando
em São Paulo
quando fiz o meu primeiro livro. Não aguentava só ficar trabalhando em São Paulo. E eu queria ser
escritor. Então resolvi, em vez de reclamar, ir à labuta. Paguei a impressão em
suaves e humilhantes prestações. Depois veio meu livro “eraOdito”, de 98.
Recebeu
palavras de incentivo de colegas?
A gente
encontra gente muito generosa pela frente. A gente nunca está sozinho. Digo
assim, na redoma. Conheci o João Alexandre Barbosa (crítico literário pernambucano
que morreu recentemente) em
São Paulo. Ele ouviu uma leitura de um conto meu, feita por
mim, e me indicou à Ateliê Editorial. Grande incentivo ele me deu. Ele me
apadrinhou. Além da indicação para publicação, escreveu o prefácio para o meu
livro “Angu de Sangue” (em 2000) e o publicou na revista Cult. E por aí tudo
foi caminhando. Mas foi preciso eu ter feito o “AcRústico”, o “eraOdito”, ter
penado muito, enfim, assado. Ninguém aparece, assim, vapt, de uma
varinha-de-condão. Longe disso. Tudo faz parte de uma trajetória, de uma
história, de um ziguezague qualquer, sei lá. A estrada é longa, longa...
Como reage
diante da crítica que resmunga sobre a violência na sua literatura?
Costumo
dizer que eu não escrevo “sobre” violência. Escrevo “sob” violência. Dizem
sempre que meus contos são violentos, meus personagens são todos doentes.
Doentes estamos todos, ou não? O nosso tempo é doente, violentamente. Eu sou um
escritor deste meu tempo, do aqui e do agora. Quem quiser “felicidade”,
“conforto”, não vá ler os meus livros. Vá atrás de autores de auto-ajuda. E
mais: dizem idem que eu só escrevo sobre gente mal-sucedida. Eu respondo: eu
não estou preocupado com gente bem-sucedida. Meus livros não são empresariais.
Eu faço é literatura, entende?
Literatura
marginal, maldita... São clichês? A sua literatura pode ser enquadrada?
Podem chamar
a minha literatura de “marginal”, de “maldita”, de “homossexual”, de
“panssexual”, sei lá. Só nunca irão chamar de literatura “comportadada”,
“tradicional”, literatura “que-não-fede-nem-cheira”. Podem me acusar, rotular
de tudo, menos que eu tenho uma literatura “frígida”. Essa nunca! O que eu
escrevo pode até não prestar, mas é coisa assim, urgente, viva. É assim, em
resumo: eu escrevo para me vingar.
Como anda o
romance “Gonza-H”? De que se trata?
Está em banho-maria. Andei
lendo e detestando. Estou escrevendo um outro, chamado “Urubu Come Carniça e
Voa”. Essa é uma frase, trecho de um poema do poeta pernambucano Miró. Conhece?
Grande figura! Li recentemente esse poema e achei que dava para ser o título de
uma coisa que eu estou escrevendo, além do “Gonza-H”. Não sei se vou conseguir
terminar um desses romances. Ave! Meu fôlego é curto. E romance é um inferno.
Eu termino um primeiro capítulo e vou dormir com o segundo capítulo. Putz! E eu
quero é dormir. Eu prefiro dormir a escrever. Meu sono, esse sim, é sagrado!
A temática
homossexual de alguns de seus cantos causou polêmica. Vê nisso alguma
importância? Crê na literatura gay como gênero literário?
Não sei se
causaram polêmica. Meus contos são o que são. E estão aí para serem os mais
verdadeiros. Digo assim: “pau a pau” com o que eu quero escrever. Dizer,
gritar. Alguma coisa me agonia, eu quero me livrar, entende? Urrar isso, passar
adiante. Passo o vexame adiante escrevendo. É isso. Sempre tenho um conto de
temática gay, desde o “AcRústico”. Mas é só a temática. O conto não é gay, digo
assim, como gênero. É apenas um conto como outro qualquer. E até nem chamo os
meus contos de “contos”. Chamo de “cantos”. O que eu escrevo é música. E música
não tem sexo, não é? É o que você quiser ouvir.
Recentemente
li um artigo sobre “Monstro que Chora (Dramas Homossexuais)” (1957), do carioca
Jorge Jaime. Diz que é um lendário
romance ousado e pessimamente escrito. Conhece? Existe uma literatura
homossexual brasileira? Quem é nosso Christopher Isherwood? Caio Fernando
Abreu, João Silvério Trevisan, Cassandra Rios?
Eta danado!
Não conheço esse “Monstro”. Fiquei curioso, enfim. O bofe é bonito? Olha: eu
não saberia dizer se há uma literatura homossexual brasileira. Tenho preguiça
até de pensar. Sei que gosto deveras dos textos do Caio Fernando, do João
Silvério. Do estilo da Cassandra. Admiro mesmo. Aproveito até para dizer que eu
e o escritor Santiago Nazarian estamos organizando uma antologia chamada
“Contos para Ler Fora do Armário”. Sai no ano que vem. Mas não é uma antologia
de autores homossexuais. Reúne alguns contos com essa temática e só. Tem lá o
Caio, o João Silvério, o Mário de Andrade, o Rubem Fonseca, o Marçal Aquino, o
Paulo Henriques Brito... Inclusive, não teremos apenas contos no livro. Vão
entrar ensaio, reportagem... E até fotos. Aguardem!
Quais são as
suas regras de sobrevivência dentro dessa competitividade acirrada no meio
literário?
Escrever,
escrever, escrever. Só temos essa arma: escrever, escrever, escrever.
Qual o papel
da mídia hoje dentro do mercado literário nacional?
Não podemos
nos descuidar dela. Aliás, creio que foi sempre assim: desde o Machado de
Assis. Escrever e aparecer e publicar nos jornais e ser resenhado, creio. O
fato é que hoje a disputa é maior. Não sejamos inocentes. Uma vez a Rosa
Montero, escritora espanhola, falou que antes ela escrevia porque não sabia
falar. Hoje ela disse que precisa falar para continuar escrevendo. O escritor virou
uma estrela popular, de alguma forma. Além de escrever, ele precisa falar,
viajar, divulgar o seu rebento. Não vejo mal nisso. Desde que o peixe não seja
podre, o negócio é gritar. Sempre foi assim. No gogó. É preciso dizer,
ressaltar: escritor não é santo. Nunca foi. Luto contra isso: essa imagem
solene do escritor. É preciso descer do pedestal. Enfim. E ir à briga.
Movimente-se!
O que espera
do I Encontro Natalense de Escritores?
Tomar muita
cerveja. E rever o meu irmão, que mora por aí. E estender a discussão. E ser
feliz. Apesar de tudo, e da literatura: ser feliz. É isso. Valeu e abração.