A
solidão é perigosa e viciante.
Quando você se dá conta da paz que existe nela,
não quer mais lidar com as pessoas.
CARL GUSTAV
JUNG
(1875 – 1961. Kesswil /
Suíça)
Ilustrações:
ADOLPH GOTTLIEB
(1903 – 1974. Nova
Iorque / EUA)
Durante três
longos anos lutei contra uma desconfortável melancolia. Sonâmbulo, atirado num
poço escuro, indiferente a tudo, nada me parecia real. Neste luto fecundo, compreendi
que a experiência de ser vítima de uma traição, perturba, desassossega,
envelhece. Felizmente, renasci amparado na religiosidade, na política, na arte.
Uma resiliência costurada aos pedaços, longe do contexto social vigente. Amante
da vida, suavizei densamente, muito além do mecanismo do sistema. Tornei-me adepto
de virtudes, das coisas simples. Expulsei sem dó a vaidade, vícios, o erotismo
exacerbado, a competição profissional, entre outras mazelas. Distante de
ambições toscas, aprendi incontáveis formas de ternura. Viver me
parece importante, mas necessito distanciamento da alienação da sociedade
tupiniquim. Se fosse noutros séculos, moraria numa floresta, feito o Robert
Redford de “Mais Forte que a Vingança” (1972), mas não há como ser infinito e solitário
nesse mundo globalizado. Sem sofrimento, sem amargura ou rancor, e consciente
que me tornei um excêntrico, ergui um castelo no invisível. Recebo nele
raras visitas e me considero em paz com o amado cão Puck. Estudo,
pesquiso, produzo. Vejo os filmes da
história do cinema, danço, cozinho, escrevo, viajo na rica biblioteca.
Uma vida simpática. Se o Senhor lá de cima aprovar, seria maravilhoso mais uns trinta anos nesse ritmo.

Não me
considero idoso, talvez conserve um certo frescor do passado. Conheci o mundo, casei-me
algumas vezes, fui um farrista devasso, vi centenas de shows e peças de teatro,
estive em museus e festivais de cinema consagrados, mas não incentivo nostalgias.
Confesso que perdi as ilusões: não sinto saudosismo, nem carências afetivas. Coroado
pelo afeto de uma família generosa que mora longe, dedico-me honestamente ao
sagrado, resolvendo com o divino os erros cometidos, joelhos no chão, e seguindo
avante. Antigos
relacionamentos sociais, que foram importantes, revelaram-se terríveis quando
assumi uma identificação conservadora. Afastaram-se como se eu fosse um leproso.
Considerei canalha e risquei-os da memória. Não foi difícil, jamais fui de
lamentações, valorizo o presente. Nem mesmo me queixei da má sorte ao perder um
olho pra sempre. O importante é crer em um mundo justo, onde os
erros dos antigos não sejam copiados e sim reparados.
Para os
ignorantes, a velhice pode ser o inverno da vida, mas para os sensatos é a época
da colheita. Nos últimos anos, aprendi que a fauna e a flora curam a alma.
Compreendi também - tardiamente - que o amor é um conto de fadas com um
capítulo final muitas vezes abusivo. Eu tive muitos amores. Visualizava o amor como um estado de graça, uma das maneiras de se
alcançar o céu, um perfume de lírios do Rei Salomão. O amor renega a fleuma, a placidez,
o juízo. Com seus caprichos, abre-se em flor e dor. Por vezes ataca com
tempestades ou transforma-nos em desertos, não importa, o fato é que ninguém
está livre deste sentimento indomável difícil de compreender.
O amor
faz parte de um tempo que passou. Atualmente o que me importa é a política, até
a literatura ficou em um segundo plano. Eu não acreditava na política, não me seduzia,
mas um dia descobri que é responsável por tudo, o bem e o mal. Passei a me
informar sobre o tema e apaixonei-me, usando a densa experiência existencial
para noticiar e esclarecer através de uma escrita simples, resumida, direta. Tudo
começou nos mais de dez anos na Europa, acompanhando de longe a
catástrofe esquerdista no Brasil. Testemunhar um bando de comunistas,
ignorantes e larápios, tomar a terra em que nascemos muda a nossa perspectiva
de vida para sempre. Fez-me ver tudo sob uma reação urgente, brotando a vontade de lutar pela nação, mesmo sob pena do conforto e notoriedade, com o qual
estava acostumado, desaparecer.
Sendo assim,
com bons propósitos, entrei nas redes sociais com a espada afiada na mão.
Indignado com o Brasil à beira do abismo, revoltado com a politicagem perversa. Entrei
nas redes sociais para escrever sobre o meu ponto de vista político e divulgar
uma mensagem motivadora. Inicialmente
parecia uma tarefa impossível. Como pessoas que nem me conheciam iriam me
escutar? Como um país com trinta anos de socialismo iria mudar? Qual o caminho a
tomar? A possibilidade de tomarmos uma rota equivocada, mantendo os mesmos no
poder, era altíssima. Felizmente, a maioria dos brasileiros passou a se informar pela internet, dando conta dos mecanismos de
corrupção e exploração.
Nas minhas
redes sociais surgiram pouco a pouco comentários do Norte, Nordeste,
Centro-Oeste, Sudeste e Sul, e do mundo! Formamos uma grande família sem nos
conhecer pessoalmente. Voltamos a celebrar o patriotismo, a
religião cristã, o lar tradicional. Influenciamos mais e mais pessoas.
Amigos e amigos dos amigos. Milhares sem um
comentário mal-educado, sem uma ofensa. O surgimento do líder Jair Messias Bolsonaro,
como um milagre, fortaleceu a esperança de dias melhores para o Brasil. Era a
pessoa certa, no momento certo, com as atitudes certas. Um tanque de guerra para
derrubar a muralha do comunismo local. Muito diferente da oposição frouxa, dissimulada e inútil que ambiciona o Planalto.
Ainda nos
falta muito para vencer a guerra, mas o inimigo já não tem a mesma confiança e
o mesmo poder de antes. Ele não acreditava que nos uniríamos tão rápido e
fortemente em torno de um objetivo comum: a independência do Brasil. Um país guerreiro
é feito por patriotas que lutam por ele todos os dias. No meio
dessa batalha implacável, infiltraram a peste chinesa para esculhambar o
panorama, com a morte brigando
pelo protagonismo. Ainda não
deu para superar esse destino insólito e muitos foram embora para sempre. Mas o
prazer de viver resiste bravamente a milhares de enterros sem ninguém. Firme,
lembrei-me de um jovem sacrificado, pregado na cruz. Uma imagem de martírio e pureza.
Entre máscaras, vacinas e
confinamentos, recordei da porta do inferno na “Divina Comédia”, de Dante, onde se lê “deixai toda esperança, vós
que entrais”. Nessa tragédia, de um lado e de outro, da esquerda e da
direita, uma legião de defuntos. Todos democraticamente enterrados. Ciente que
o destino do homem é o esquecimento eterno, sigo impávido, mesmo penalizado. Sinto, na carne, por terem sido tantos que partiram em tão pouco
tempo. Neste ano de peste chinesa, rezo pelos mortos e tenho aversão
aos políticos e imprensa que usaram e abusaram da
pandemia.
Ando lendo “Que Filosofar é Aprender
a Morrer”, um ensaio de Montaigne. Escrito em 1572, tem como base central a questão
da meditação sobre a morte. Seus argumentos defendem a necessidade de uma preparação imaginativa,
ou seja, uma antecipação mental da morte para que o temor que
ela provoca, o qual é um grande empecilho para a boa condução da
vida, possa desaparecer. Certa vez, o amargado José
Saramago, que entrevistei duas vezes, ao ser perguntado a respeito da morte,
respondeu que o ideal da vida é ser árvore. Parece-me que tal ideia foi
despertada no escritor pelo fato de que uma árvore nasce, cresce, se reproduz e
morre, distante da angústia da finitude. Em outra
definição do mesmo assunto, que considero precisa, Jorge Luis Borges nos aponta
que é a consciência da morte que nos torna mortal. “Ser imortal é
insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a
morte.”. Essa consciência da morte é localizada em Umberto Eco, que disse que a
melhor maneira de um escritor idoso enfrentar a mortalidade é reconhecer a
estupidez do mundo que será deixado para trás. Nesse ritmo, basta pensar
na morte para que ouçamos uma voz silenciosa perguntando: “O que está
fazendo com o tempo que lhe resta?'”. Creio que a morte é o acontecimento mais
devastador. Talvez por isso a religião tenha influência
significativa. Ela auxilia na aceitação, garantindo a esperança da eternidade, seja num paraíso ou noutras vidas.
Entre o
luto, a finitude e o medo que a morte carrega, valorizo a
maneira como levamos a nossa vida e as marcas que deixamos enquanto vivos. É
fato que a morte, tão pertinho, é tragédia que não se aceita fácil. É dura,
dolorida, mas faz parte da vida. Os mortos só serão
vivos outra vez numa conversa qualquer. Com sorte, alguém lembre daquele
que se foi. No entanto, estará enterrado, morto. O tempo avança e,
tudo que parecia sólido e fundamental, uma hora chega ao fim. Para todo o sempre.








