HILDA – (Bebendo e fumando) Tenho pouquíssimos amigos, pessoas de quem gosto realmente são raras. Há coisas que nos vem à mão, há vidas com muita sorte, a minha, por exemplo, mas também fiz velhacarias, nunca tive afeição ao dinheiro, só que se o homem a quem eu amava era rico, eu dizia que queria casa dinheiro jóias champagne. Sem problemas, sem remorsos. Quando digo velhacarias quero dizer que são consideradas assim no entender dos outros. Eu achava normalíssimo que um homem rico me desse dinheiro porque ainda era muito pouco, ainda que fosse muito o dinheiro, para o ouro que sou como gente, entende? Claro que tive a sorte de ter amantes muito ricos, e pai e mãe com algum dinheiro, e ainda heranças. Claro que fui muito auxiliada pelas fadas, mas também tive horas chatas demais, onde tinha de fazer a mais maravilhosa amante e estava louca para soltar uns bons peidos e coçar as canelas. Se fosse pobre daria um jeito de conseguir dinheiro de qualquer maneira, menos matando, porque não mato nem mosca nem barata nem nada. Mas arranjaria. Não sei por que falo sobre estas recordações mortas. Sei que me foi dada essa coisa tão difícil que é o saber escrever, o sentir agudo para curtir o de dentro, a vida muito funda. Pausas só quando acabo um livro, aí tomo porres, fico besta, brinco de mundana, como ontem quando me vesti como uma princesa, com um antigo modelo Denner, chamei um táxi e fui para um desses inferninhos de beira de estrada bossa rudes motoristas de caminhão e vagabundas decadentes. Fiquei tomando um uísque barato no balcão e toda a fauna me olhava pelos cantos dos olhos, ninguém se aproximava. Sorri para um homenzarrão tipo Rivelino, mas que não parecia pederasta como este, e perguntei: “O que pensa do tempo perdido de Proust?”. Nada respondeu, óbvio, e apertou a minha mão com força e virou boca adentro o pequeno copo de conhaque, de um só gole, depois pediu café, coca-cola e outro conhaque. Voltei para casa naquele monstruoso automóvel carregado de abacaxis. Ele apenas perguntou, “A madame é casada?”. Madame? Madame do cu. Estou ficando louca varrida. Mas na hora de escrever não tem quem me faça perder a cabeça, ninguém, nem nada, e na verdade só tenho a ver com quem escreve, com os bichos também. Sou mais bicho que gente, um bicho raro que escreve.
15 comentários:
Nossa! Ela devasta tudo o que pode existir de moralismos!
essa mulher!!!!!!!!!!!!
linda!
Linda!
ó a Dona Hilda..
Hilda- as atitudes que fogem à regra e transgridem as hipocrisias das épocas...
Que é isso, Antonio? Você está escrevendo uma peça sobre Hilst? A mulher causava, e não só no mundo literário... Não é das minhas escritoras favoritas, mas é inegável a força que tem a sua obra. Você conseguiu apanhar bem isso, se for esse o caso de estar dando voz à ela!
Bjs
Dani
Taquelpariu!
Cacetagem!
li e adorei Nahud - parabéns!
Babando até agora no Cinzas e Diamantes!
beijos!
Li Hilda Hilst pela primeira vez na faculdade, no curso de Letras. Odiei. A bem da verdade, eu estava era enlevada demais pela literatura do século dezenove, e , de repente, Hilda! Um tapa, um bom dia cinderela! (deveria ser bela adormecida...)
O contexto literário do nosso tempo é tão diferente, seco, como a literatura de Hilda , mistura de conhaque, café, coca cola e mais conhaque, que desce arranhando, queimando na garganta, que causa incômodo, torpor e... prazer. Prazer por certas realidades cruas que leio por puro voyerismo.
Senti falta de vir aqui.
Muito boa a reconstrução do personagem Hilda. Se a peça chegasse aqui em Brasília, eu a assistiria. Fiquei curiosa sobre os outros atos da peça T
eus olhos meus: Hilda Hilst nua.
Excelente!
... Parabéns! tou adorando suas escritas "DAS SOMBRAS"!
Uma Mulher É Uma Mulher É Uma Mulher...
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