ANTONIO NAHUD entrevista ALEXANDRE
BONAFIM
Ilustrações:
ÍTALO TRINDADE
Nascido em Belo Horizonte, aos oito anos de idade o
poeta ALEXANDRE BONAFIM mudou-se para a cidade de seus pais, Franca, no
interior de SP. Aos 32 anos, fixou residência em São Paulo, a fim de
concretizar seu curso de doutorado. Atualmente mora em Goiânia e é professor de
literaturas de língua portuguesa da Universidade Estadual de Goiás, unidade de
Morrinhos. Publicou poemas e contos em importantes antologias. É mestre em
estudos literários pela Unesp de Araraquara e doutor em literatura portuguesa
pela USP. O seu mais recente livro “O Secreto Nome do Sol” (Editora Patuá,
2013), sensual e provocador, investe numa poética inteligente e emocionada, estruturada
com segurança cintilante em imagens líricas que são reafirmações do valor da
vida e da própria poesia. O contraste entre a vida real e o onírico expressa
uma permanente sensação de exílio. No coração deste belo livro, a honestidade
sensível – e por vezes melancólica - do autor entusiasma a leitura.
POR QUE SE TORNOU
POETA?
Eis um grande mistério: como se gesta um poeta? No meu
caso, creio que desde a infância eu estive profundamente ligado à busca de
Deus. Conversava muito com Ele, ainda criança, como se a divindade fosse um
interlocutor presente, vivo aos meus olhos. Essa sensibilidade já era, digamos,
o princípio da poesia em mim. Todo poeta acaba criando uma espécie de mito
pessoal, de cunho lírio. Pois bem, para mim a poesia está intrinsecamente
ligada ao sagrado. Não sou necessariamente religioso, mas sinto que na palavra,
em seu cerne, palpita o enigma de tudo, a grande vertigem do movimento cósmico.
Eu apenas me deixo guiar pelo sopro das palavras, permitindo que o poema teça,
em mim, a sua vida, a sua seiva. Nesse sentido, o fundamento da minha
existência é a poesia. Sem ela, com certeza eu seria outro ser, outra pessoa.
DEDICA MUITO TEMPO À
POESIA?
Dedico todo o meu tempo à poesia, apesar de ela se
manifestar por mecanismos secretos. Nunca escrevo um poema movido pela vontade.
É necessário irromper o momento exato, iluminado, celebrante, em que a carne,
num frêmito, se deixa mover pela força da poesia. Então, o poema nasce, quase
sempre num jato. Depois vem o paciente trabalho de lapidar e de compor o livro.
Todos os meus livros são cuidadosamente engendrados, pensados como um
organismo, uma mandala. Agora, apesar desse instante rápido, fulgurante, em que
poesia se mostra a mim, há a permanente labuta diária com a palavra. Todos os
dias eu leio os poetas, desde os contemporâneos aos clássicos, num permanente
exercício de aprendizagem. Sem leitura, sem o conhecimento do patrimônio
cultural de nossa humanidade, dificilmente um escritor pode se tornar poeta
legítimo. A escrita não se sustenta sem fecundação, sem germinação. É como um
bailarino, um pianista, que nunca estudou, nunca treinou. Ele estanca o
movimento, pois não há a seiva da aprendizagem, do estudo, da análise, o
conhecimento dos mecanismos de sua arte. Por isso eu sou sempre um aprendiz.
Mesmo sentindo que hoje, a minha voz já maturou, já encontrou sua dicção, seu
diapasão.
QUAL FOI O MELHOR
ELOGIO QUE JÁ RECEBEU EM RELEÇÃO À SUA POESIA?
Olha, creio que tive vários momentos de felicidade ao
ouvir a leitura do outro. Por exemplo, o prefácio de “A Outra Margem do Tempo”,
escrito pelo grande romancista Álvaro Cardoso Gomes. Foi incrível o que ele
escreveu e até hoje me emociona. Outro instante de muita beleza foi o recital,
bem ao estilo grego, feito numa cidade baiana incrível, chamada Maracás. Esse
recital foi apresentado por um grupo chamado Concriz, composto em sua maioria
por adolescentes e crianças. A leitura desses jovens foi algo que estrondou em
mim, que me deixou estarrecido ante a beleza. Eu fiquei em êxtase. Inclusive,
parecia-me que a minha escrita era de outra pessoa, de um ser maior que eu...
Foi um dos momentos mais lindos de minha vida. Tenho de agradecer ao querido
amigo, o poeta José Inácio Vieira de Melo, que me oferendou esse instante de
iluminação.
A SUA POÉTICA TEM
REVIRAVOLTAS INESPERADAS?
Já teve no passado, quando eu ainda era um escritor em
busca de uma voz, de uma dicção. No início, quando ainda não temos experiência,
somos muito suscetíveis às nossas leituras. Eu me lembro que eu travei ao ler a
obra da Orides Fontela. Tudo o que escrevia saia orideano... Hoje ainda sinto
que, ao ler um poeta que me toca, eu sofro a influência, mas já há uma espécie
de filtro, de entremeio. A leitura se adensa e se transforma exatamente naquilo
que eu sou. O poema nasce, claro, sob o signo do outro, mas já talhado
exatamente por aquilo que sou, pela linguagem já maturada. Pelo outro,
empreendemos um encontro com nossa verdade essencial. Agora, é claro que não
podemos nos acomodar. Escrever sempre a mesma coisa cansa. Às vezes, ao sentir
que eu me esgotei, tento buscar outros rumos, detonar a minha linguagem e
edificar algo diferente. Foi o que aconteceu com “O Secreto Nome do Sol”. É um
livro com vários matizes, vários meios expressivos. Eu vou do poema longo ao
epigrama, da linguagem explosiva ao verso conciso, enxuto. Queria um livro de
vários tons, várias pinceladas. Creio que foi uma aventura muito frutífera para
mim. Aprendi muito ao compor tal livro.
GOSTA DE LEITURAS PÚBLICAS?
Eu sou tímido... Participei apenas de uma leitura
pública, o “Quinta Poética” do Raimundo Gadelha, na Casa das Rosas em São Paulo...
Foi uma experiência interessante. Em breve, devo participar do “Chama Poética”
da Fernanda de Almeida Prado... Vamos ver... Creio que será um desafio também
muito instigante.
SENTE QUE ESTAMOS, DE
FATO, DEIXANDO PARA TRÁS A CULTURA DO LIVRO?
Essa questão tem me angustiado ultimamente. Vivemos em
um mundo da crise da leitura. As pessoas se perdem na balbúrdia das novas mídias,
das tecnologias da última hora. Em tudo isso há linguagem, mas uma expressão
rasteira, sem profundidade. Em nossa era, parece-me que o livro tornou-se
obsoleto, mesmo nas versões eletrônicas. Todos querem viver intensamente,
movidos pelo conto de fadas do consumo, querem viajar, postar fotos no
facebook, expor-se até os ossos. Quem vai parar o bonde da correria por
dinheiro para ler “A Montanha Mágica” do Thomas Mann? Hoje o que mais tem no
Brasil é escritor. Mas quantos estão de fato exercitando a leitura? Elaborando
um trabalho fecundado pelo estudo? Há muita banalidade, muita despretensão.
Literatura é um jogo de vida e morte. É necessário doar-se até as vísceras,
jogar-se nesse abismo luminoso e fraturar todos os ossos. Eu tenho pavor de
literatura lúdica, de literatura engraçadinha, que quer ser vanguarda apenas
para causar impacto. O verdadeiro impacto da literatura é de cunho filosófico,
de húmus existencial. A forma pela forma não muda o mundo. É preciso, claro,
uma preocupação com o meio expressivo, isso é fundamental, mas também é
imprescindível uma cosmovisão de amplitude para se fazer verdadeira literatura.
EXISTE UMA IDADE EM QUE
O POETA ESTÁ NO AUGE DE SUA FORMA?
Bem, acredito que isso depende de cada caso. Há poeta
de idade avançada escrevendo coisas imaturas. O contrário também existe, é o
caso do Rimbaud. Acho que isso depende de toda a formação cultural de um
escritor e, claro, do talento também.
QUAL O SEU PRÓXIMO PROJETO?
Agora estou me dedicando à prosa. Finalizando um livro
de contos. O título, ainda provisório, é “Fêmea Desnuda no Campo de Girassóis”.
São sete contos, com sete mulheres, cada qual vivendo um drama, uma experiência
crucial. Em todos, elas se desnudam movidas por interesses e motivos
diferenciados. Há também inúmeros romances martelando em minha cabeça, mas
ainda sinto que não estou preparado... Também escrevi, recentemente, um novo
livro de poemas. Devo lançá-lo no próximo ano...
FALE SOBRE “O
SECRETO NOME DO SOL”.
Ah, esse livro foi uma aventura, uma felicidade, um
encantamento supremo. Primeiro porque foi editado pelo querido Eduardo Lacerda,
um poeta-editor. Depois teve a bela capa do Leonardo
Mathias. Eu escrevi certos poemas movido pelo delírio da felicidade. É o caso
do “Ciclo do Amigo”, onde me desnudei completamente, criando imagens oníricas
para detalhar o encontro amoroso. Em tal livro, verti minha paixão pelo grande
Luis Cernuda, pelo António Ramos Rosa, pelo Eugénio de Andrade e Sophia de
Mello Breyner Andresen. Sou apaixonado pelos ibéricos.
alexandre bonafim por joão alvarez |
2 comentários:
Dois belos poetas, Alexandre Bonafim e Antonio Nahud. Parabéns pela entrevista. Todos em Maracás lembram da sua poesia e da sua elegância, grande Alexandre. Estou em Poções, terra do poeta Affonso Manta, onde, logo mais, às 19 horas, mediarei o projeto Leituras Públicas, com os jovens e talentosos poetas André Guerra e Vitor Nascimento Sá. Abraços. JIVM
Antonio Nahud, imenso obrigado!!!!
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