“Eu me contradigo ?
Pois muito bem, eu me contradigo,
Sou amplo, contenho multidões”
Ilustrações: JOHN SLOAN
Poeta
da nação, do povo, da vida
vivida a céu aberto, no campo ou embalada pela brisa dos mares. Na avaliação de
Jorge de Sena, “o maior poeta da América, e um dos mais originais e corajosos
poetas líricos da poesia universal”. “Toda revolução digna deste nome produz
seu grande poeta. O poeta capta, nos tempos de comoção social, a tremenda
energia vital liberada pelas grandes transformações coletivas, em seu momento
agudo, revolucionário ou insurrecional. Assim, se Maiakovski é o poeta da
Revolução Russa, não é exagero dizer que WALT WHITMAN (1819-1892) é o poeta da
Revolução Americana, ocorrida uma geração (1776) antes do seu nascimento. O
fato de as revoluções apodrecerem, por mais altos que sejam seus ideais, pouco
afeta a poesia dos que se exaltaram, por elas exaltados, em seu momento puro”,
escreveu Paulo Leminski.
Um bom texto de Carlos Machado, no blog “Alguma Poesia”, faz um apanhado preciso da trajetória do poeta. Em
1857, na França, Charles Baudelaire lançou a primeira edição de seu revolucionário “Flores do Mal / Les
Fleus du Mal”, livro que lhe valeria o título de primeiro poeta moderno. Dois anos
antes, no outro lado do Atlântico, o jornalista norte-americano WALT WHITMAN,
lançara “Folhas de Relva / Leaves of Grass”, outro livro de poemas
igualmente ousado e inovador. Entre os franceses, o livro de Baudelaire causou escândalo. As “Flores do Mal” brotavam na contramão do bom-gosto
vigente, trazendo para a poesia temas proibidos, como o sexo, a morte e a
decadência humana. Uma coletânea em que o primeiro poema chamava o leitor de
hipócrita. Com as “Folhas de Relva” não foi muito diferente. Mas, em certos
aspectos, o impacto pareceu ainda maior. “Isso não é um livro; quem toca neste
livro, toca em um homem”, afirmaria o poeta, sempre intenso, sempre
grandiloquente.
“Folhas de Relva” foi o único livro de poesia do bardo. Ao longo da vida,
ele reescreveu os poemas da primeira edição, acrescentou numerosos outros, mas
o volume manteve sempre o título original. A última edição ampliada seria publicada em 1892,
a edição que hoje circula pelas livrarias do mundo, uma obra colossal com mais
de uma centena de versos. Numa ousada independência de toda a tradição literária europeia de
seu tempo, o poeta possui sua própria voz, seus próprios temas, sentimentos
independentes, e mais do que tudo, utiliza uma linguagem poética também
inovadora, inaugurando uma forma poética livre e multiforme que só se popularizaria
no cenário da poesia mundial cerca de meio século mais tarde, com o advento dos
modernismos literários do século XX.
Utiliza em seu vocabulário poético as gírias e expressões coloquiais empregadas no cotidiano, palavras pronunciadas não pela elite intelectual do país, mas pela população pobre. WALT WHITMAN também colocava em prática seu desejo de abolir as barreiras entre a poesia e a prosa, desenvolvendo um idioma poético sem rimas, em versos longos, com linhas intermináveis, versos livres, nunca vistos até então, em poemas declamatórios, arrebatados e apaixonados, sempre otimistas, cantando as belezas da paisagem e da população da grande e jovem nação à qual pertencia.
Utiliza em seu vocabulário poético as gírias e expressões coloquiais empregadas no cotidiano, palavras pronunciadas não pela elite intelectual do país, mas pela população pobre. WALT WHITMAN também colocava em prática seu desejo de abolir as barreiras entre a poesia e a prosa, desenvolvendo um idioma poético sem rimas, em versos longos, com linhas intermináveis, versos livres, nunca vistos até então, em poemas declamatórios, arrebatados e apaixonados, sempre otimistas, cantando as belezas da paisagem e da população da grande e jovem nação à qual pertencia.
Sua
obra, porém, permaneceu em grande medida desconhecida, e só começou a ser
redescoberta na virada do século XX, ficando consagrada apenas em torno de
1920, com o advento do modernismo. Aí sim seus inovadores versos livres
influenciariam toda a tradição poética moderna norte-americana, como Ezra
Pound, Gertrude Stein, William Carlos Williams e Allen Ginsberg. Referência universal, sua poesia também influenciou
muitos poetas no Brasil, entre os quais modernistas de primeira grandeza como
Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e também figuras mais
recentes como Paulo Leminski e Ana Cristina César.
Ando relendo
os belos versos de WALT WHITMAN. O poeta inspirou Fernando Pessoa, e ficou mais conhecido do
grande público por ter seu poema “Ó Capitão! meu Capitão!” em destaque no famoso
filme “Sociedade dos Poetas Mortos
/ Dead Poets Society” (1989). Em 1873, ele sofreu um ataque que o
aleijou. Retirou-se então para Camden, Nova Jersey, onde passou a morar na casa
do irmão. Cultivando uma longa barba profética, tornou-se um dos patriarcas e
sábios da nascente cultura norte-americana. Lá morreu em 26 de março de 1892. Mas se
o leitor abrir as páginas da maior parte da poesia atual, bem como boa parte da
prosa de hoje, facilmente verificará que o velho Walt continua por aí,
vivíssimo.
Um
abraço, e até a próxima. Cedo a voz ao grande poeta andarilho.
Tradução dos Poemas: ADRIANO SCANDOLARA
A
BASE de TODA METAFÍSICA
E
agora, senhores,
Uma
palavra eu lhes dou para permanecer em suas memórias e mentes,
Como
base, e fim também, de toda metafísica.
(Também,
para os alunos, o velho professor,
No
final de seu curso apinhado.)
Tendo
estudado o novo e o antigo, os sistemas grego e alemão,
Kant
tendo estudado e exposto – Fichte e Schelling e Hegel,
Exposto
o saber de Platão – e Sócrates, maior que Platão,
E
maior que Sócrates buscado e exposto – Cristo divino tenho muito estudado,
Eu
vejo reminiscentes hoje aqueles sistemas grego e alemão,
Vejo
as filosofias todas – igrejas cristãs e princípios, vejo,
Sob
Sócrates claramente vejo – e sob Cristo o divino eu vejo,
O
caro amor do homem pelo seu camarada – a atração de amigo por amigo,
Do
marido bem-casado e a esposa mãe de crianças e os pais,
De
cidade por cidade, e terra por terra.
A UM
ESTRANHO
Estranho
que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho,
Você
deve ser aquele a quem procuro, ou aquela a quem procuro, (isso me vem, como em
um sonho,)
Vivi
com certeza uma vida alegre com você em algum lugar,
Tudo
é relembrado neste relance, fluído, afeiçoado, casto, maduro,
Você
cresceu comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo,
Eu
comi com você e dormi com você – seu corpo se tornou não apenas seu, nem deixou
o meu corpo somente meu,
Você
me deu o prazer de seus olhos, rosto, carne, enquanto passamos – você tomou de
minha barba, peito, mãos, em retorno,
Eu
não devo falar com você – devo pensar em você quando sentar-me sozinho, ou
acordar sozinho à noite,
Eu
devo esperar – não duvido que lhe reencontrarei,
Eu
devo garantir que não irei lhe perder.
A
VOCÊ
Estranho!
se, ao passar, você me encontrar e desejar falar comigo, por que não falar
comigo?
E por
que eu não falaria com você?
ÀS
VEZES COM ALGUÉM QUE AMO
Às
vezes com alguém que amo, me encho de fúria, pelo medo de extravasar amor sem
retorno;
Mas
agora penso não haver amor sem retorno – o pagamento é certo, de um jeito ou de
outro;
(Eu
amei certa pessoa ardentemente, e meu amor não teve retorno;
No
entanto, disso escrevi estas canções.)
AO
QUE FOI CRUCIFICADO
Meu
espírito está com o teu, caro irmão,
Não
te importes porque tantos, dizendo teu nome, não te compreendem;
Eu
não digo teu nome, mas te compreendo (há outros também;)
Eu te
especifico com graça, Ó, meu camarada, para saudar a ti e saudar àqueles que
estão contigo, antes e depois – e aos que virão também,
Todos
nós labutamos juntos, transmitindo o mesmo fardo e sucessão;
Nós
poucos, iguais, indiferindo a terra, indiferindo o tempo;
Nós,
que cingimos todo continente, toda casta – permitindo toda teologia,
Compaixonados,
perceptivos, em harmonia com os homens,
Nós
andamos silentes entre disputas e asserções, sem rejeitar os que disputam, nem
o que é assertido;
Nós
ouvimos berros e barulhos – somos tocados por divisões, ciúmes, recriminações
por todo lado,
Eles
se fecham peremptoriamente sobre nós, para cercar-nos, meu camarada,
No
entanto andamos irrestritos, livres, por todo o mundo, em jornada por alto ou
baixo, até deixarmos nossa marca indelével sobre o tempo e diversas eras,
Até
saturarmos o tempo e as eras, que os homens e mulheres de raças e eras por vir,
possam provar-se como nossos irmãos e amantes, como nós somos.
CIDADE
DE ORGIAS
Cidade
de orgias, passarelas e gozos!
Cidade
em quem vivi e cantei em seu meio, que um dia farei ilustre,
Não
os seus pajens – não são seus tableaux inconstantes, seus espetáculos que me
compensam;
Não
as suas fileiras intermináveis de casas – não os navios nos cais,
Não
suas procissões nas ruas, nem suas claras janelas, com suas mercadorias;
Nem
dialogar com pessoas instruídas, ou trazer a minha parte na festa ou banquete;
Não
isso – mas, enquanto passo, Ó, Manhattan! seu relâmpago frequente e ligeiro de
olhos que me oferecem amor,
Que oferecem
resposta ao meu próprio – estes me compensam;
Amantes,
contínuos amantes, apenas, me compensam.
AO
JARDIM, O MUNDO
Ao
jardim, o mundo, renovado em ascensão,
Parceiros
potentes, filhas, filhos, em prelúdio,
O
amor, a vida de seus corpos, ser e sentido,
Curioso,
contemple aqui minha ressurreição, após o sono;
Os
ciclos em revolução, em seu amplo movimento, aqui me trouxeram outra vez,
Amoroso,
maduro – tudo belo para mim – tudo maravilhoso;
Meus
membros, e o fogo trêmulo que folga neles, pelos mais maravilhosos motivos;
Existindo,
eu perscruto e penetro ainda,
Contente
com o presente – contente com o passado,
Ao
meu lado, ou atrás de mim, Eva me seguindo,
Ou à
frente, e eu a segui-la do mesmo jeito.
VINDA
DO OCEANO REVOLTO, A MULTIDÃO
1
Vinda
do oceano revolto, a multidão, chegou suave a mim uma gota,
Sussurrando,
eu te amo, antes que um dia eu morra,
Fiz
uma longa viagem, para meramente te ver, te tocar,
Pois
eu não podia morrer até eu te ver uma vez,
Pois
eu temia poder depois te perder.
2
(Agora
nos conhecemos, nos vimos, estamos seguros;
Retorne
em paz ao oceano, meu amor;
Sou
também parte deste oceano, meu amor – nós não estamos tão separados;
Contemple
a grande curvatura – a coesão de tudo, como é perfeita!
Mas,
quanto a mim, a você, o irresistível mar irá nos separar,
A
hora nos carrega, distintos – mas não pode nos carregar assim para sempre;
Não
seja impaciente – por um pequeno espaço – Eu te conheço, eu saúdo o ar, o
oceano e a terra,
Todo
dia, no ocaso, por você, meu amor.)
ERAS
E ERAS, RETORNANDO EM INTERVALOS
Eras
e eras, retornando em intervalos,
Invulnerado,
imortal errante,
Luxurioso,
fálico, com lombos potentes e originais, perfeitamente suave,
Eu,
entoador de canções Adâmicas,
Pelo
novo jardim, o Ocidente, o chamado das grandes cidades,
Em
delírio, preludio assim o que é gerado, oferecendo isso e oferecendo a mim
mesmo,
Banhando-me,
banhando minhas canções em Sexo,
Rebentos
de meus lombos.
FEITO
ADÃO, DE MANHÃ CEDO
Feito
Adão, de manhã cedo,
Saindo
de sob os galhos, renovado de sono;
Contemplem-me
enquanto passo – ouçam-me a voz – aproximem-se,
Toquem-me
– toquem com a palma da mão meu Corpo enquanto passo;
Não
tenham medo do meu Corpo.
9 comentários:
amo de paixão
Simplesmente, comovente!!!...
Adoro seu jeito de escrever. Parabens e sucesso.
que lindo!!!
Já dizia Clarice Lispector: ''.Que minha solidão me sirva de companhia, que eu tenha a coragem de me enfrentar, que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.''
Adoro tudo o que você escreve Nahud!
Eu amo teu trabalho, te admiro demais...demais. Obrigada sempre por nos transmitir tanta coisa boa, através da tua escrita...meu coração pra vc...um bjo querido...
O Máximo!
Parabéns!!!
Belo poeta!Belo blog!
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