entrevista
ANTONIO NAHUD
jornal de Hoje (RN)
2006
imagens:
MARK ROTHKO
Sua obra poética acende mentes e tem público cativo. Além
de poeta, é compositor e filósofo. Vem colhendo êxitos por sua
linguagem lúdica, profunda e sóbria, seja na música, poesia ou na filosofia. ANTÔNIO CÍCERO tem charme esquivo e discreto.
Carioca, na ativa nas últimas quatro décadas, se mantêm distante dos
refletores da fama e se rodeia de um certo anonimato, mesmo depois da notoriedade
obtida em marcantes incursões na MPB. Começou
a compor em 1976, dividindo canções com sua irmã Marina Lima, Waly Salomão, Lulu
Santos, João Bosco, Frejat e Adriana Calcanhoto. Em 1996, lançou o CD de
poesias “Antônio Cícero por Antônio Cícero”; em 1997, o livro de poemas
“Guardar”, que teve ótima acolhida de público e crítica, vencendo o prêmio Nestlé de Literatura.
Publicou “O
Relativismo enquanto Visão do Mundo” (1994), coletânea de ensaios em parceria com Waly Salomão, e “O Mundo desde o Fim” (1995), que
discute os paradoxos do nosso país. Em 2000, nova reunião de poemas, “A Cidade e os Livros” (2000).
Sua mais recente publicação, “Finalidade sem Fim” (2005), relaciona vanguardas e modernidade. Numa palestra no I Encontro
Natalense de Escritores (ENE), desenvolveu o tema “Poesia e Música”. Nesta entrevista, fala sobre o ofício poético.
antônio cícero |
A poesia tem definição própria?
Tem muitas. Eu mesmo já a defini de
várias maneiras diferentes a
propriedade de ser um poema, isto é, aquilo que faz de um poema um poema. Pois
bem, uma vez defini o poema como o texto dotado do mais alto grau de escritura. Outra vez, como a forma que porta em si a marca d’água do movimento, etc.
João Cabral de Melo Neto afirmou que poesia é trabalho...
As teses de João Cabral são interessantes
para provocar o pensamento dos poetas. Mas é preciso entender que elas são as
regras que ele impôs a si mesmo para poder construir-se/encontrar-se enquanto
poeta. A rigor, elas só valem para ele mesmo. Não penso, por exemplo, que a
poesia seja só trabalho. A poesia é também inspiração. João Cabral tinha horror
a essa noção, que achava coisa de poeta romântico ou efeminado. Não é nada
disso. Inspiração é o nome das intuições que o poeta não sabe de onde vêm (os
antigos achavam que vinham das Musas, filhas de Zeus e da Memória), mas que são
fundamentais para a produção dos poemas. A verdade é que, independentemente do
que ele mesmo pensava, João Cabral foi um poeta inspirado. O que ocorre é que a
inspiração não vem antes e o trabalho depois. Grande parte da inspiração
vem durante o trabalho, por ocasião da solução dos problemas que se apresentam
ao poeta.
Seu semblante passa melancolia. Acredita numa visão trágica da vida, como Nietzsche?
Apesar dessa aparência, não me sinto
melancólico, senão vez por outra e por pouco tempo. Mas talvez as fotos saibam
mais sobre mim mesmo do que eu sei. Talvez fosse até bom ser melancólico.
Aristóteles dizia que os homens extraordinários em filosofia, política, poesia
e arte tendem a ser melancólicos, e considerava Empédocles, Platão e Sócrates
como melancólicos. Mas ele não associava a melancolia a nenhuma concepção
trágica da vida. Na verdade, essa concepção não é grega, mas de Nietzsche
mesmo. Não compartilho do entusiasmo generalizado por Nietzsche
nem por essa visão. Gosto de música pop, mas não de filosofia pop.
Como avalia o impacto da literatura na internet? Já existe um movimento literário nela? Umberto Eco disse que a internet veio para salvar a palavra escrita.
Acho que a importância já é grande e
vai ser cada vez maior. Com certeza existem movimentos literários na
Internet. Existem inúmeras revistas, blogs, páginas de
autores... é um mundo ilimitado. Eu mesmo frequento muitos desses sites e,
embora não faça parte de nenhum site coletivo, tenho uma home page.
Como foi que o poeta inédito se tornou compositor?
Bem, eu não era totalmente inédito,
pois já havia publicado poemas em periódicos. Escrevo
poesia desde que me entendo. Quando chegou a hora de pensar em publicar um
livro, porém, hesitei muito, pois tinha grande admiração intelectual pelas
teorias concretistas, mas a poesia que eu escrevia e a poesia que eu gostava de
ler era discursiva, escrita em versos; ora, os concretistas consideravam
terminado o ciclo do verso. Eu fazia poemas, mas não tinha ainda elaborado um
pensamento sobre a poesia, com o qual pudesse confrontar as teorias
concretistas. Deu-se, portanto, uma contradição entre a sensibilidade e o intelecto. Isso se resolveu quando minha irmã, Marina, pôs
música em um dos meus poemas engavetados. Gostei do resultado.
A poesia brasileira, sem rumo, absorve tendências díspares. Como concilia esses contrários em sua poesia?
Simplesmente faço o que acho bom.
Se considera um poeta inventivo? Que elementos de vanguarda podem ser encontrados em sua poética?
Penso que a vanguarda já cumpriu o seu
papel e que o cumpriu muito bem. Objetivamente, seu feito principal foi o de
abrir portas, o de mostrar que a poesia podia ser feita de inúmeros modos, que
não podem ser prescritos a priori. Por outro lado, independentemente dos
equívocos ilusões de alguns vanguardistas sobre o sentido do seu trabalho
(alguns pensavam que estavam destruindo o verso, a rima, a poesia puramente
verbal etc.), ela não fechou porta alguma: todos os modos tradicionais de se
escrever poesia ainda se encontram disponíveis aos poetas contemporâneos. Quanto
à invenção, penso que qualquer poema bom é inventivo, ainda que seja um soneto
ou uma sextina. O importante não é fazer o novo, mas fazer aquilo que não
envelhece.
Fale sobre seus dois livros de poesia. Qual a particularidade de cada um?
Como “Guardar” foi o meu primeiro
livro, contém poemas de diferentes épocas da minha vida. Já “A Cidade e os
Livros” foi feito em três ou quatro anos, seus poemas
têm uma unidade maior e são mais maduros.
O título “A Cidade e os Livros” é uma bela sacada poética. Por que esse título?
É o título de um poema do livro que
fala da minha descoberta da cidade e dos livros. Essas descobertas,
fundamentais na minha vida, representaram uma desprovincializinação pessoal,
a minha abertura para o mundo e a abertura do mundo para mim. Depois do livro pronto, resolvi batizá-lo com o nome desse poema.
O caminho do poeta é solitário, árduo e extremamente difícil?
A poesia parece, à primeira vista, a
arte mais fácil. Principalmente depois da experiência da vanguarda, basta
escrever qualquer coisa e dizer que é um poema, e pronto: quem vai provar que o
que você fez não é um poema? Quem vai provar que você não é um poeta? A maior
parte das pessoas escreve uma espécie de diário sentimental ou emocional em
frases soltas e acha que está fazendo um poema. Não estou aqui para reprimir
ninguém: façam o que quiserem. Porém, a poesia de que gosto
não é expressão pessoal, mas obra de arte.
O que diz da sua participação na estreia de um evento literário potiguar?
Uma honra e uma alegria. Natal é maravilhosa e foi uma alegria revê-lo, Antonio, depois de tantos anos.
11 comentários:
Ótima entrevista!
Parabéns!!!
tão expressiva esta entrevista!-Grandde abraço,
Gostei muito, como sempre, beijos.
Leitura e releitura. Dois belos poetas. Abraço!
Uma ótima entrevista. Um abraço.
Amei, achei muito interessante.
Ola, boa dia, gosto do seu Blog,e o leio sempre que posso.
Desejar-lhe sucesso, Antonio Nahud, torna-se redundante. É o momento de agradecer-lhe, por partilhar conosco, preciosos conceitos, com muita ética e bom senso, na série de acontecimentos pelos quais passamos. Suas crônicas, narrativas e textos em geral, sempre com uma pitada de humor ácido nos inteira da realidade a que sobrevivemos. Apenas redobramos os desejos de continuidade. Abraços.
Excelente entrevista. Parabéns!
Uma explanação realmente didática.
Que venha logo o próximo para deleite de nossas almas..
Um afetuoso abraço Rita Guedes
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