Entrevista feita por Antonio Nahud
para o Jornal de Hoje (RN), em 2006
IMAGENS:
MARK ROTHKO
Sua obra poética acende mentes e tem público cativo. Além
de poeta, é compositor e filósofo. Vem colhendo êxitos por sua
linguagem lúdica, profunda e sóbria, seja na música, poesia ou filosofia. ANTÔNIO CÍCERO tem charme esquivo e discreto.
Carioca, na ativa nas últimas quatro décadas, se mantem distante dos
refletores da fama e se rodeia de um certo anonimato, mesmo depois da notoriedade
obtida em marcantes incursões na MPB.
cícero, chacrinha e marina lima |
Continuando
uma série palestras e leituras de suas letras e
poemas, ANTONIO CÍCERO desenvolve o tema “Poesia e Música” no I Encontro
Natalense de Escritores (ENE), sexta, 24, às 20h30m. Nesta entrevista, ao
filosofar sobre o ofício poético, opina que “a maior parte das pessoas escreve uma
espécie de diário sentimental ou emocional em frases soltas e acha que está
fazendo um poema.”
antônio cícero |
A POESIA TEM DEFINIÇÃO PRÓPRIA?
Tem muitas. Eu mesmo já a defini de
várias maneiras diferentes. De maneira geral, uso essa palavra para denominar a
propriedade de ser um poema, isto é, aquilo que faz de um poema um poema. Pois
bem, uma vez defini o poema como o texto dotado do mais alto grau de escritura;
outra vez, como a forma que porta em si a marca d’água do movimento; etc.
JOÃO CABRAL DE MELO NETO AFIRMAVA QUE POESIA É TRABALHO...
As teses de João Cabral são interessantes
para provocar o pensamento dos poetas. Mas é preciso entender que elas são as
regras que ele impôs a si mesmo para poder construir-se/encontrar-se enquanto
poeta. A rigor, elas só valem para ele mesmo. Não penso, por exemplo, que a
poesia seja só trabalho. A poesia é também inspiração. João Cabral tinha horror
a essa noção, que achava coisa de poeta romântico ou efeminado. Não é nada
disso. Inspiração é o nome das intuições que o poeta não sabe de onde vêm (os
antigos achavam que vinham das Musas, filhas de Zeus e da Memória), mas que são
fundamentais para a produção dos poemas. A verdade é que, independentemente do
que ele mesmo pensava, João Cabral foi um poeta inspirado. O que ocorre é que a
inspiração não vem “antes” e o trabalho “depois”. Grande parte da inspiração
vem durante o trabalho, por ocasião da solução dos problemas que se apresentam
ao poeta.
SEU SEMBLANTE SEMPRE PASSA ALGUMA MELANCOLIA. PESSOALMENTE,
ACREDITA NUMA VISÃO TRÁGICA DA VIDA – COMO NIETZSCHE?
Apesar dessa aparência, não me sinto
melancólico, senão vez por outra e por pouco tempo. Mas talvez as fotos saibam
mais sobre mim mesmo do que eu sei. Talvez fosse até bom ser melancólico.
Aristóteles dizia que os homens extraordinários em filosofia, política, poesia
e arte tendem a ser melancólicos, e considerava Empédocles, Platão e Sócrates
como melancólicos. Mas ele não associava a melancolia a nenhuma concepção
trágica da vida. Na verdade, essa concepção não é grega, mas de Nietzsche
mesmo. Não compartilho do entusiasmo generalizado (“dionisíaco”?) por Nietzsche
nem por essa visão. Gosto de música pop, mas não de filosofia pop.
COMO AVALIA O IMPACTO DA LITERATURA NA INTERNET? JÁ EXISTE UM
MOVIMENTO LITERÁRIO NELA? UMBERTO ECO DISSE QUE A INTERNET VEIO PARA SALVAR A
PALAVRA ESCRITA.
Acho que a importância já é grande e
vai ser cada vez maior. Com certeza existem vários movimentos literários na
Internet. Existem inúmeras revistas, inúmeros blogs, inúmeras páginas de
autores... é um mundo ilimitado. Eu mesmo frequento muitos desses sites e,
embora não faça parte de nenhum site coletivo, tenho uma home page: www.uol.com.br/antoniocicero.
O POETA ANTONIO CÍCERO, INÉDITO, TORNA-SE COMPOSITOR. COMO FOI
ISSO?
Bem, eu não era totalmente inédito,
pois já havia publicado poemas em periódicos. Escrevo
poesia desde que me entendo. Quando chegou a hora de pensar em publicar um
livro, porém, hesitei muito, pois tinha grande admiração intelectual pelas
teorias concretistas, mas a poesia que eu escrevia e a poesia que eu gostava de
ler era discursiva, escrita em versos; ora, os concretistas consideravam
terminado o ciclo do verso. Eu fazia poemas, mas não tinha ainda elaborado um
pensamento sobre a poesia, com o qual pudesse confrontar as teorias
concretistas. Deu-se, portanto, uma contradição entre a minha sensibilidade e o
meu intelecto. Isso se resolveu exatamente quando minha irmã, Marina, pôs
música em um dos meus poemas engavetados. Gostei do resultado.
A ATUAL POESIA BRASILEIRA, SEM RUMO, ABSORVE DIVERSAS TENDÊNCIAS
COMPLETAMENTE DÍSPARES. COMO CONCILIA ESSES CONTRÁRIOS EM SUA POESIA?
Simplesmente faço o que acho bom.
VOCÊ SE CONSIDERA UM POETA INVENTIVO? QUE ELEMENTOS DE VANGUARDA
PODEM SER ENCONTRADOS EM SUA POÉTICA?
Penso que a vanguarda já cumpriu o seu
papel e que o cumpriu muito bem. Objetivamente, seu feito principal foi o de
abrir portas, o de mostrar que a poesia podia ser feita de inúmeros modos, que
não podem ser prescritos a priori. Por outro lado, independentemente dos
equívocos ilusões de alguns vanguardistas sobre o sentido do seu trabalho
(alguns pensavam que estavam “destruindo” o verso, a rima, a poesia puramente
verbal etc.), ela não fechou porta alguma: todos os modos tradicionais de se
escrever poesia ainda se encontram disponíveis aos poetas contemporâneos. Quanto
à invenção, penso que qualquer poema bom é inventivo, ainda que seja um soneto
ou uma sextina. O importante não é fazer “o novo”, mas fazer aquilo que não
envelhece.
FALE-NOS UM POUCO DE SEUS DOIS LIVROS POÉTICOS. QUAL A
PARTICULARIDADE DE CADA UM? CONTE-NOS!
Como “Guardar” foi o meu primeiro
livro, ele contém poemas de diferentes épocas da minha vida. Já “A Cidade e os
Livros” foi feito no período de três ou quatro anos, de modo que seus poemas
têm uma unidade maior e são mais maduros.
O TÍTULO “A CIDADE E OS LIVROS” É UMA BELA SACADA POÉTICA. POR QUE
A ESCOLHA DESSE TÍTULO?
Ele é o título de um poema do livro que
fala da minha descoberta da cidade e dos livros. Essas descobertas,
fundamentais na minha vida, representaram a minha desprovincianização pessoal,
a minha abertura para o mundo e a abertura do mundo para mim. Por isso, depois
que o livro já estava pronto, resolvi batizá-lo com o nome desse poema.
O CAMINHO DO POETA É SOLITÁRIO, ÁRDUO E IMPONDERÁVEL? COMO VOCÊ
DISSE, “O VERDADEIRO POETA É AQUELE QUE SABE QUE FAZER POESIA É EXTREMAMENTE
DIFÍCIL”?
A poesia parece, à primeira vista, a
arte mais fácil. Principalmente depois da experiência da vanguarda, basta
escrever qualquer coisa e dizer que é um poema, e pronto: quem vai provar que o
que você fez não é um poema? Quem vai provar que você não é um poeta? A maior
parte das pessoas escreve uma espécie de diário sentimental ou emocional em
frases soltas e acha que está fazendo um poema. Não estou aqui para reprimir
ninguém: façam o que quiserem. Devo confessar, porém, que a poesia de que gosto
não é expressão pessoal, mas obra de arte, o que não é a mesma coisa.
O QUE PENSA DE SUA PARTICIPAÇÃO NA ESTRÉIA DE UM EVENTO LITERÁRIO
POTIGUAR?
Para mim é uma honra e uma alegria. E
Natal é uma cidade maravilhosa.
cícero, cazuza e waly salomão |
11 comentários:
Ótima entrevista!
Parabéns!!!
tão expressiva esta entrevista!-Grandde abraço,
Gostei muito, como sempre, beijos.
Leitura e releitura. Dois belos poetas. Abraço!
Uma ótima entrevista. Um abraço.
Amei, achei muito interessante.
Ola, boa dia, gosto do seu Blog,e o leio sempre que posso.
Desejar-lhe sucesso, Antonio Nahud, torna-se redundante. É o momento de agradecer-lhe, por partilhar conosco, preciosos conceitos, com muita ética e bom senso, na série de acontecimentos pelos quais passamos. Suas crônicas, narrativas e textos em geral, sempre com uma pitada de humor ácido nos inteira da realidade a que sobrevivemos. Apenas redobramos os desejos de continuidade. Abraços.
Excelente entrevista. Parabéns!
Uma explanação realmente didática.
Que venha logo o próximo para deleite de nossas almas..
Um afetuoso abraço Rita Guedes
Postar um comentário