“Deixai toda
esperança, vós que entrais!” (Inferno,
III, 7-9)
Ilustrações:
WILLIAM BLAKE
(1757 –
1827. Londres / Reino Unido)
piotr ilitch tchaikovski
francesca da rimini (1876)
O maior
poeta da língua italiana, DANTE ALIGHIERI (1265 - 1321. Florença / Itália) é
chamado de “il sommo poeta” (o sumo poeta). Era também
linguista, teórico político e filósofo. Ele marcou a história da Itália, sendo
uma das figuras culturais mais importantes do país. Até hoje sua obra tem
poderosa influência sobre a consciência literária ocidental. Disse o
escritor francês Victor Hugo que o pensamento humano atinge em certos homens a
sua completa intensidade, e cita o italiano como um dos que “marcam os cem graus de gênio”.
Numa
época onde apenas os escritos em latim eram valorizados, ele redigiu um poema,
de viés épico e teológico, “A Divina Comédia”, que é uma das obras-primas da
literatura universal. Composto por mais de 14 mil versos, e dividido em três
partes: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”. O próprio autor é o protagonista, realizando
uma jornada imaginária por essas três instâncias e, ao longo do caminho, cruzando
com amigos, conhecidos e outras figuras, sempre debatendo diferentes assuntos. O
texto é uma alegoria sobre o caminho que um pecador precisa percorrer para
encontrar a salvação e a felicidade, mesmo sendo tentado pelo mal.
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giorgio vasari, 1569 |
Publicado
em três partes, a primeira em 1317, a segunda em 1319, e a última depois da
morte de DANTE ALIGHIERI. Na proposta original, se chamava apenas “Comédia”, mais
tarde foi rebatizada com o adjetivo Divina por Boccacio e usado em 1555, em
edição composta por Ludovico Dolce, em Veneza. Em relação à vida do poeta,
muitas datas são conjeturais, pois faltam documentos que permitam decidir entre
dias, meses, e mesmo anos, prováveis. Pouco se sabe dos primeiros
anos do poeta, a não ser aquilo que ele mesmo nos conta em suas obras.
Nasceu em
Florença, onde viveu a primeira parte da sua vida até ser injustamente exilado.
Aos doze anos de idade viu pela primeira vez Beatriz Portinari, que seria a
musa inspiradora da sua obra. Com 16 anos ele voltou a encontrar o grande amor
platônico de sua vida e escreveu para ela os seus famosos sonetos. Dois anos
depois, casou-se com Gemma, com quem teve três filhos. O casamento estava
combinado desde a infância dos noivos. A morte de Beatriz, em 1290, levou DANTE
ao estudo de filosofia latina e religiosa, conhecimentos que inspiraram sua
principal obra.
Ele
combateu ao lado dos cavaleiros florentinos, em 1289, contra os de Arezzo. De
1295 a 1300, fez parte do Conselho dos Cem, que governava a cidade. Chefiou uma
delegação de embaixadores de Florença a Roma, para negociar a paz com o papa
Bonifácio VIII. Exceto o poeta, a comitiva retornou à cidade. Enquanto estava
retido pelo papa, a cidade foi ocupada por uma facção rival, que matou os membros do partido ao qual era ligado. DANTE foi condenado ao
exílio pelo novo governo de Florença. Se fosse capturado seria queimado vivo.
Em 1315,
o poeta rejeita uma oferta de perdão pelos florentinos. A proposta era de que
poderia retornar se pagasse uma multa. Preferiu permanecer no exílio para não
admitir uma culpa indevida. Após passar por vários principados, em 1318 ele foi
convidado para ser hóspede de Guido Novello da Polenta, príncipe de Ravena,
onde morreu em 1321, o mesmo ano em que terminou de escrever os versos do “Paraíso”,
a parte final de sua obra-prima, “A Divina Comédia”. Nunca
mais retornaria a Florença, mesmo depois de morto. Ravena sempre se recusou a
devolver os ossos do poeta à cidade natal que o repelira.
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cesare saccaggi, 1903 |
A POESIA
de DANTE ALIGHIERI
01
Com as outras
damas, do olhar meu,
e não
cuidais, senhora, que a razão
de que
noutro me transforme
a vista
seja da beleza vossa.
Se a
soubésseis, não poderia a Piedade
manter
mais contra mim a prova repetida,
pois que
Amor, quando tão perro a vós me encontra,
ganha
afoiteza e tanta segurança,
que ataca
os meus espíritos medrosos,
e a uns
deixando morros, outros feridos,
só me
consente que vos veja:
por isso
todo me transformo,
mas não
tanto que não sinta fundamente
o mal da
zombaria dolorosa.
Tradução
de Carlos Eduardo Soveral
02
Além da
esfera que mais larga gira
passa o
suspiro que sobe do meu peito:
nova
inteligência, a qual o Amor,
chorando,
nele põe, para que suba.
Quando é
chegado lá onde deseja,
vê uma
dama, centro de honrarias
e
virtudes tantas, que por seu esplendor
a olhá-la
fica o peregrino espírito.
E vê-a
tal, que o não percebo quando
o oiço;
não sei que o faz falar
ao peito
dolorido, tão subtil é.
Sou eu,
enfim, que falo daquela formosíssima,
que
bastante recordo Beatriz,
assim que
bem o entendo, damas minhas.
03
Nos olhos
traz o Amor a minha dama
e tudo o
que ela olha se enobrece.
Todos se
voltam para vê-la – e aquece
os
corações, do seu aceno, a chama.
Baixando
os olhos, cada qual proclama
suas
culpas num silêncio de prece
e todo o
mal de odiar desaparece:
Moças, me
ajudem a cantar sua fama.
Tudo que
é doce, humilde, simples, vivo,
brota no
coração de quem a escuta,
pois que,
antes de ouvi-la, a viu, feliz.
Basta um
sorriso: o coração cativo
não sabe
mais o que a mente perscruta,
pois tudo
o que a supera ela não diz.
Tradução
de Décio Pignatari
04
Tão
longamente me reteve Amor
E
acostumou-se à sua tirania,
Que, se a
princípio parecia rude,
Suave
agora me habita o coração.
Assim,
quando me tira tanto as forças
Que os
espíritos vejo me fugirem,
Então a
minha frágil alma sinto
Tão doce,
que o meu rosto empalidece,
Pois Amor
tem em mim tanto poder
Que faz
os meus suspiros me deixarem
E saírem
chamando
A minha
amada, para dar-me alento.
Onde quer
que eu a veja, tal sucede,
E é coisa
tão húmil que não se crê.
05
É tão
gentil e tão honesto o ar
de minha
Dama, quando alguém saúda,
que toda
boca vai ficando muda
e os
olhos não se afoitam de a fitar.
Ela assim
vai sentindo-se louvar
na
piedosa humildade em que se escuda,
qual
fosse um anjo que dos céus se muda
para uma
prova dos milagres dar.
Tão
afável se mostra a quem a mira
que o
olhar infunde ao coração dulçores
que só
não sente quem jamais olhou-a.
E quando
fala, dos seus lábios voa
Uma aura
suave, trescalando amores,
que
dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”
Tradução
de Ivo Barroso
06
INFERNO
No meio
do caminho desta vida
me vi
perdido numa selva escura,
solitário,
sem sol e sem saída.
Ah, como
armar no ar uma figura
desta
selva selvagem, dura, forte,
que, só
de eu a pensar, me desfigura?
É quase
tão amargo como a morte;
mas para
expor o bem que encontrei,
outros
dados darei da minha sorte.
Não me
recordo ao certo como entrei,
tomado de
uma sonolência estranha,
quando a
vera vereda abandonei.
Sei que
cheguei ao pé de uma montanha,
lá onde
aquele vale se extinguia,
que me
deixara em solidão tamanha,
e vi que
o ombro do monte aparecia
vestido
já dos raios do planeta
que a
toda gente pela estrada guia.
Então a
angústia se calou, secreta,
lá no
lago do peito onde imergira
a noite
que tomou minha alma inquieta;
e como
náufrago, depois que aspira
o ar,
abraçado à areia, redivivo,
vira-se
ao mar e longamente mira,
o meu
ânimo, ainda fugitivo,
voltou a
contemplar aquele espaço
que nunca
ultrapassou um homem vivo.
Tradução
de Augusto de Campos
07
Vê-se
dentro do céu prodigamente
quem
minha amada entre outras damas veja.
E toda
aquela que a seu lado esteja
rende
graças a Deus por ser clemente.
Tanta virtude
tem sua beleza
que
inveja acaso às outras não consente,
por isso
as tem vestida simplesmente
de
confiança, de amor, de gentileza.
Tudo se
faz humilde em torno dela;
por ser
sua visão assim tão bela
às que a
cercam também chega o louvor.
Pela atitude
mostra-se tão mansa
que
ninguém pode tê-la na lembrança
que não
suspire, no íntimo, de amor.
Tradução:
Henriqueta Lisboa
OBRAS de
DANTE
SOBRE a
LÍNGUA VULGAR (1304)
IL FIORE
(1283)
As RIMAS (1284)
DETTO
D’AMORE (1287)
VIDA NOVA
(1292)
O
CONVÍVIO (1308)
MONARQUIA
(1313)
As
ESPÍSTOLAS (1314)
A DIVINA
COMÉDIA (1318)
QUAESTIO
de AQUA et TERRA (1320)
ÉCLOGAS
(1321)
|
philipp veit’s |
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