novembro 01, 2021

....................... DANTE ALIGHIERI – o AMOR que MOVE o MUNDO



“Deixai toda esperança, vós que entrais!”  (Inferno, III, 7-9)
 
Ilustrações: WILLIAM BLAKE
(1757 – 1827. Londres / Reino Unido)

piotr ilitch tchaikovski
francesca da rimini (1876)


O maior poeta da língua italiana, DANTE ALIGHIERI (1265 - 1321. Florença / Itália) é chamado de “il sommo poeta (o sumo poeta). Era também linguista, teórico político e filósofo. Ele marcou a história da Itália, sendo uma das figuras culturais mais importantes do país. Até hoje sua obra tem poderosa influência sobre a consciência literária ocidental. Disse o escritor francês Victor Hugo que o pensamento humano atinge em certos homens a sua completa intensidade, e cita o italiano como um dos que marcam os cem graus de gênio”.
 
Numa época onde apenas os escritos em latim eram valorizados, ele redigiu um poema, de viés épico e teológico, “A Divina Comédia”, que é uma das obras-primas da literatura universal. Composto por mais de 14 mil versos, e dividido em três partes: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”. O próprio autor é o protagonista, realizando uma jornada imaginária por essas três instâncias e, ao longo do caminho, cruzando com amigos, conhecidos e outras figuras, sempre debatendo diferentes assuntos. O texto é uma alegoria sobre o caminho que um pecador precisa percorrer para encontrar a salvação e a felicidade, mesmo sendo tentado pelo mal.

giorgio vasari, 1569

Publicado em três partes, a primeira em 1317, a segunda em 1319, e a última depois da morte de DANTE ALIGHIERI. Na proposta original, se chamava apenas “Comédia, mais tarde foi rebatizada com o adjetivo Divina por Boccacio e usado em 1555, em edição composta por Ludovico Dolce, em Veneza. Em relação à vida do poeta, muitas datas são conjeturais, pois faltam documentos que permitam decidir entre dias, meses, e mesmo anos, prováveis. Pouco se sabe dos primeiros anos do poeta, a não ser aquilo que ele mesmo nos conta em suas obras.

Nasceu em Florença, onde viveu a primeira parte da sua vida até ser injustamente exilado. Aos doze anos de idade viu pela primeira vez Beatriz Portinari, que seria a musa inspiradora da sua obra. Com 16 anos ele voltou a encontrar o grande amor platônico de sua vida e escreveu para ela os seus famosos sonetos. Dois anos depois, casou-se com Gemma, com quem teve três filhos. O casamento estava combinado desde a infância dos noivos. A morte de Beatriz, em 1290, levou DANTE ao estudo de filosofia latina e religiosa, conhecimentos que inspiraram sua principal obra.

Ele combateu ao lado dos cavaleiros florentinos, em 1289, contra os de Arezzo. De 1295 a 1300, fez parte do Conselho dos Cem, que governava a cidade. Chefiou uma delegação de embaixadores de Florença a Roma, para negociar a paz com o papa Bonifácio VIII. Exceto o poeta, a comitiva retornou à cidade. Enquanto estava retido pelo papa, a cidade foi ocupada por uma facção rival, que matou os membros do partido ao qual era ligado. DANTE foi condenado ao exílio pelo novo governo de Florença. Se fosse capturado seria queimado vivo.
 
Em 1315, o poeta rejeita uma oferta de perdão pelos florentinos. A proposta era de que poderia retornar se pagasse uma multa. Preferiu permanecer no exílio para não admitir uma culpa indevida. Após passar por vários principados, em 1318 ele foi convidado para ser hóspede de Guido Novello da Polenta, príncipe de Ravena, onde morreu em 1321, o mesmo ano em que terminou de escrever os versos do “Paraíso”, a parte final de sua obra-prima, “A Divina Comédia”. Nunca mais retornaria a Florença, mesmo depois de morto. Ravena sempre se recusou a devolver os ossos do poeta à cidade natal que o repelira.

cesare saccaggi, 1903

A POESIA de DANTE ALIGHIERI
 
01
Com as outras damas, do olhar meu,
e não cuidais, senhora, que a razão
de que noutro me transforme
a vista seja da beleza vossa.
Se a soubésseis, não poderia a Piedade
manter mais contra mim a prova repetida,
pois que Amor, quando tão perro a vós me encontra,
ganha afoiteza e tanta segurança,
que ataca os meus espíritos medrosos,
e a uns deixando morros, outros feridos,
só me consente que vos veja:
por isso todo me transformo,
mas não tanto que não sinta fundamente
o mal da zombaria dolorosa.
 
Tradução de Carlos Eduardo Soveral

 
02

Além da esfera que mais larga gira
passa o suspiro que sobe do meu peito:
nova inteligência, a qual o Amor,
chorando, nele põe, para que suba.
Quando é chegado lá onde deseja,
vê uma dama, centro de honrarias
e virtudes tantas, que por seu esplendor
a olhá-la fica o peregrino espírito.
E vê-a tal, que o não percebo quando
o oiço; não sei que o faz falar
ao peito dolorido, tão subtil é.
Sou eu, enfim, que falo daquela formosíssima,
que bastante recordo Beatriz,
assim que bem o entendo, damas minhas.
 

 03

Nos olhos traz o Amor a minha dama
e tudo o que ela olha se enobrece.
Todos se voltam para vê-la – e aquece
os corações, do seu aceno, a chama.
 
Baixando os olhos, cada qual proclama
suas culpas num silêncio de prece
e todo o mal de odiar desaparece:
Moças, me ajudem a cantar sua fama.
 
Tudo que é doce, humilde, simples, vivo,
brota no coração de quem a escuta,
pois que, antes de ouvi-la, a viu, feliz.
 
Basta um sorriso: o coração cativo
não sabe mais o que a mente perscruta,
pois tudo o que a supera ela não diz.
 
Tradução de Décio Pignatari

 04

Tão longamente me reteve Amor
E acostumou-se à sua tirania,
Que, se a princípio parecia rude,
Suave agora me habita o coração.
 
Assim, quando me tira tanto as forças
Que os espíritos vejo me fugirem,
Então a minha frágil alma sinto
Tão doce, que o meu rosto empalidece,
 
Pois Amor tem em mim tanto poder
Que faz os meus suspiros me deixarem
E saírem chamando
 
A minha amada, para dar-me alento.
Onde quer que eu a veja, tal sucede,
E é coisa tão húmil que não se crê.

 05

É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.
 
Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.
 
Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.
 
E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”
 
Tradução de Ivo Barroso
 
06

INFERNO
 
No meio do caminho desta vida
me vi perdido numa selva escura,
solitário, sem sol e sem saída.
 
Ah, como armar no ar uma figura
desta selva selvagem, dura, forte,
que, só de eu a pensar, me desfigura?
 
É quase tão amargo como a morte;
mas para expor o bem que encontrei,
outros dados darei da minha sorte.
 
Não me recordo ao certo como entrei,
tomado de uma sonolência estranha,
quando a vera vereda abandonei.
 
Sei que cheguei ao pé de uma montanha,
lá onde aquele vale se extinguia,
que me deixara em solidão tamanha,
 
e vi que o ombro do monte aparecia
vestido já dos raios do planeta
que a toda gente pela estrada guia.
 
Então a angústia se calou, secreta,
lá no lago do peito onde imergira
a noite que tomou minha alma inquieta;
 
e como náufrago, depois que aspira
o ar, abraçado à areia, redivivo,
vira-se ao mar e longamente mira,
 
o meu ânimo, ainda fugitivo,
voltou a contemplar aquele espaço
que nunca ultrapassou um homem vivo.
 
Tradução de Augusto de Campos
 
07

Vê-se dentro do céu prodigamente
quem minha amada entre outras damas veja.
E toda aquela que a seu lado esteja
rende graças a Deus por ser clemente.
 
Tanta virtude tem sua beleza
que inveja acaso às outras não consente,
por isso as tem vestida simplesmente
de confiança, de amor, de gentileza.
 
Tudo se faz humilde em torno dela;
por ser sua visão assim tão bela
às que a cercam também chega o louvor.
 
Pela atitude mostra-se tão mansa
que ninguém pode tê-la na lembrança
que não suspire, no íntimo, de amor.
 
Tradução: Henriqueta Lisboa


OBRAS de DANTE
 
SOBRE a LÍNGUA VULGAR (1304)
 
IL FIORE (1283)
 
As RIMAS (1284)
 
DETTO D’AMORE (1287)
 
VIDA NOVA (1292)
 
O CONVÍVIO (1308)
 
MONARQUIA (1313)
 
As ESPÍSTOLAS (1314)
 
A DIVINA COMÉDIA (1318)
 
QUAESTIO de AQUA et TERRA (1320)
 
ÉCLOGAS (1321)
 
philipp veit’s

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