Ilustrações:
JULIE
MERRIGAN
A crônica
tem força genuína e trajetória gloriosa na literatura brasileira. Nosso elenco
de gigantes cronistas, mestres em devaneios existenciais, conta com nomes
imortais como Otto Lara Rezende, Nelson Rodrigues, Antônio Maria, João do Rio,
Cecília Meireles, Clarice Lispector, Rachel de Queiróz, Fernando Sabino, Hélio
Pólvora, Carlos Drummond de Andrade, PAULO MENDES CAMPOS, Rubem Braga, Sérgio
Augusto, Paulo Francis. Entre transcendências e trivialidades, fizeram
história.
A crônica
de PAULO MENDES CAMPOS (1922 - 1991. Dom Silvério, Minas Gerais) conseguiu
um lugar singular. Ela encontra a poesia.
Peças curtas de intenso teor poético. Segundo o refinado escritor, num aparente
pouco caso, “Crônica são duas laudas de papel em branco. É a azeitona do pastel
cultural. Age como tempero da massa noticiosa.”. Ele escreveu crônicas em ritmo
por vezes diário, para jornais como “Correio da Manhã”, “Jornal do Brasil” e
“Diário Carioca”, e para revistas como “Manchete”.
Claro, refinado e sem nada de solene, é autor de uma das mais belas crônicas da língua portuguesa, que tem o título de O AMOR ACABA. Certeiro e comovente, inventário de rupturas, o texto enaltece a fragilidade e a efemeridade do amor. Publicado inicialmente na revista “Manchete”, em 16 de maio de 1964, o sucesso foi imediato. Os leitores que já viveram a desilusão do amor leram a sua própria história. O cronista dá pistas sobre a dissolução do sentimento e nas entrelinhas diz que o final do amor começa com o hábito da rotina enfadonha.
A faceta
lírica e a destreza de PAULO MENDES CAMPOS conquistam o leitor. O cronista não economiza
em seu louvor à sensibilidade, numa busca frenética pelo instante precioso,
pela frase iluminadora. Ele talvez não imaginasse a repercussão que teria seu
melancólico ensaio, cujas palavras atravessam os tempos. Confira abaixo.
O AMOR ACABA
O amor
acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e
silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde
começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra
um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o
escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à
alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema,
como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de
solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia
dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do
colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do
cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços
torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no
elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de
casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas
ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se
habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o
amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois
de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado,
às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de
ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos
refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que
desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo
imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e
desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus,
ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor
se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em
Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso;
em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta
que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes
acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos
cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e
acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se
dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo
périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba
depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela
que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa,
que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue
consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode
acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor;
na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da
primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno;
em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer
motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o
amor acaba.
Revista Manchete, 16 de maio de 1964
fernando sabino, paulo mendes campos, hélio pellegrino e otto lara rezende |
TODA
LITERATURA de PAULO MENDES CAMPOS
POESIAS
A Palavra
Escrita (1951)
Forma e
Expressão do Soneto, antologia (1952)
Infância
O Domingo
Azul do Mar (1958)
Testamento
do Brasil e Domingo Azul do Mar (1966)
Transumanas
(1977)
Poemas (1979)
Diário da
Tarde (poesia e prosa) (1981)
Trinca de
Copas (poesia e prosa) (1984)
CRÔNICAS
O Cego de Ipanema (1960)
Homenzinho na Ventania (1962)
O Colunista do Morro (1965)
Antologia Brasileira de Humorismo (1965)
Hora do Recreio (1967)
O Anjo Bêbado (1969)
Rir é o Único Jeito: Supermercado (1976) (reedição de “Hora do Recreio”)
Os Bares Morrem numa Quarta-feira (1980)
O Amor Acaba - Crônicas Líricas e Existenciais (1999)
Brasil Brasileiro - Crônicas do País, das Cidades e do Povo (2000)
Alhos e Bugalhos (2000)
Cisne de Feltro - Crônicas (2000)
Murais de Vinícius e Outros Perfis (2000)
O Gol é Necessário - Crônicas Esportivas (2000)
Artigo Indefinido (2000)
De um Caderno Cinzento - Apanhadas no Chão (2000)
Balé do Pato e Outras Crônicas (2003)
Quatro Histórias de Ladrão (2005)
INFANTO-JUVENIL
A Arte de ser Neta (1985)
10 comentários:
Eu acho que nunca amei de verdade! Fui mais amadA do q amei!
Por isso não acabou,...eu larguei pra lá!
E viva o amor!!!
Crônica emocionante. Ele era pessimista, mas um grande escritor.
A crônica é boa! Mas não, nem sempre o amor acaba. Se é cuidado a cada dia, ele não acaba!
Cronista maravilhoso e também ótimo poeta.
O amor é com o bem definiu Vinicius :” E eterno enquanto dura”’
Muito bom ele...
Sim, o amor acaba..nada é para sempre
O amor verdadeiro jamais acaba mesmo distando
AMOR
Pétala do poeta, a borboleta pousa na rosa em botão. Germinando como a lua, flor que enamora, da rosa brotou raízes em forma de coração.
BL
Postar um comentário