outubro 28, 2023

............................................................. A MORTE não MANDA RECADO

 




A velhice poderia ser a suprema solidão, não fosse a morte uma solidão ainda maior.
JORGE LUIS BORGES
(1899 – 1986. Buenos Aires / Argentina)
 
Estar sozinho é treinarmo-nos para a morte.
LOUIS-FERDINAND CÉLINE
(1894 – 1961. Courbevoie / França)
“Viagem ao Fim da Noite” (1932)
 
Fotos:
ANALU PRESTES
(71 anos. Santos / São Paulo)

 
 
 
Em 2021, um distinto intelectual potiguar morreu. Seu filho único, um sujeito estranho, que despreza livros, anunciou que venderia a notável coleção do pai, de centenas de livros, a sebos, por preço irrisório. Como o finado apreciava meus textos, ele me convidou para que eu o visitasse e levasse os livros que tivesse vontade. Dias depois, no bonito apartamento, fiquei encantado diante da mágica biblioteca. Ocupava uma sala enorme e outra menor, organizada por gênero literário e ordem alfabética. Um tesouro! Algumas publicações raríssimas. Passei horas no local, emocionado. Era como estar na caverna de Ali Babá. Em êxtase, escolhi cerca de 100 livros, de Tolstoi a Faulkner, de Camus a Hesse.
 
O episódio me abalou emocionalmente e iniciei um processo de autoanálise, reconhecendo que nada é para sempre e nossos bens mais preciosos podem terminar nas mãos de toscos. Eu leio e vejo filmes todos os dias. Em Natal, acumulei mais de mil livros. Depois desse fato, num impulso, doei 70% deles para escolas públicas.
 
Meses depois, ofereci telas, esculturas e desenhos originais, de artistas nordestinos e portugueses, a um bazar católico. Fiquei apenas com cinco pinturas. O exuberante vestuário do tempo em que vivi na Europa, de casaco de pele de carneiro a camisas irreverentes e finas, ofertei ao brechó de um abrigo de idosos. Caiu repentinamente a ficha de que nada é para sempre.
 
Por fim, juntei o legado do companheiro suicida de longos anos. Roupas, sapatos, livros, CDs etc. Em caixas, deixei na murada da popular Praia de Areia Preta. Agora é a vez de desapegar dos filmes. Cinéfilo, colecionador apaixonado, juntei mais de sete mil fitas em DVDs. Uma preciosa coleção que venho postando em plataforma virtual e ofertando os DVDs. Já não acredito em coleções majestosas. Afinal, a morte não manda recado. Só a inquieta juventude tem o direito de investir na ilusória eternidade ou na importância do desimportante. No tempo que me resta, quero suavizar o coração com atitudes do bem. O inferno fecha as portas de fogo para os guerreiros de Deus.
 

15 LIVROS que GANHEI da BIBLIOTECA 
do FALECIDO INTELECTUAL
(por ordem de lançamento)
 
01
MEMÓRIAS
(1852 a 1856)
Autor: Leon Tolstoi
 
02
O CORAÇÃO das TREVAS
(Heart of Darkness, 1902)
Autor: Joseph Conrad
 
03
O IMORALISTA
(L'Immoraliste, 1902)
Autor: André Gide
 
04
SOB o SOL de SATÃ
(Sous le Soleil de Satan, 1926)
Autor: Georges Bernanos
 
05
ORLANDO
(Idem, 1928)
Autor: Virginia Woolf
 
06
O SOM e a FÚRIA
(The Sound and the Fury, 1929)
Autor: William Faulkner
 
07
VIAGEM ao FIM da NOITE
(Voyage au Bout de la Nuit, 1932)
Autor: Louis-Ferdinand Céline
 
08
A INTELIGÊNCIA e o CADAFALSO
(L'intelligence et L'échafaud, 1943)
Autor: Albert Camus
 
09
A MORTE de VIRGILIO
(Der tod des Vergil, 1945)
Autor: Hermann Broch
 
10
MINHA FÉ
(Mein Glaube, 1952)
Autor: Hermann Hesse
 
11
O LONGO ADEUS
(The Long Goodbye, 1953)
Autor: Raymond Chandler
 
12
RECORDAÇÕES de FAMÍLIA
(Souvenirs Pieux, 1974)
Autor: Marguerite Yourcenar
 
13
LIVRO dos SONHOS
(Libro de Suenos, 1976)
Autor: Jorge Luis Borges
 
14
Se um VIAJANTE numa NOITE de INVERNO
(Se una Notte d´inverno um Viaggiatore, 1979)
Autor: Italo Calvino
 
15
SOBRE a MORTE
(Über den Tod, 2003)
Autor: Elias Canetti
 
 


Um comentário:

Antonio Vanderlei Galhardi disse...

Eu creio fazer parte desta fase que atravessa hoje. Acompanho suas postagens e admiro sua forma de transmitir relatos de sua passagem por aqui. Sempre trabalhei com artes, em especial com as gráficas para publicações, tinha coleções incríveis de revistas raras, nacionais e importadas para estudar imagens, digitalizar detalhes. Doei tudo o que pude, antes que os cupins as devorassem. Hoje mais tranquilo, busco imagens reais, incutidas no cotidiano, aquelas com luzes radiantes, perfumes e sons de Vida. Grande abraço. Antonio Vanderlei Galhardi - Cosmópolis - São Paulo - Brasil.