dezembro 25, 2013

.................................................... A POESIA de YURI HÍCARO



 
 
POEMAS de YURI HÍCARO
(Pau dos Ferros, RN, 26 anos)

Ilustrações:
OTTO PIENE


O CANTO das GAIVOTAS

Eu clamo, alucinado
Pelo começo de minha morte,
Ronca a minha campa
Em um brado sinistro.
Eu choro...
...As guitarras choram!
Não antes de sentir,
Mais uma vez o sabor da uva,
E outra vez...
Eu choro na minha partida
...As gaivotas cantam!
Não antes de admirar,
Os traços da tela,
O abismo obscuro,
A noite e o seu esplendor.
Eu caio...
...Todos caem uma vez,
E outras mais.
Não antes de mais um beijo
Na flor fogosa,
O seu cheiro, divino.
Eu me afogo na solidão
...O mundo é solitário!
Não antes de um abraço,
Um abraço platônico em Apolo.
Eu choro...
...As gaivotas cantam!


DANTESC’AZIA

Como mentem deliberadamente
Tais máquinas contemporâneas,
Tais homens inconsequentes,
Oh! Como mentem, como mentem
Esmolam-se discursos negligentes,
Óleo negro de torneiras
Escorre... Sobre leitos,
Sobre o peito de crianças,
De indigentes.
Sucumbem conteúdos, peles,
Sentimentos...
Ao meio de esgotos, aracnídeos,
Teias de podre existência,
Gritos lentos,
Humanóides,
Liberal mentira de máquina cardíaca...
Azia, dantesca azia,
Liberais mentiras de máquinas cardíacas!


LAMENTO

Lamento sufocar minha
estupidez nestes versos...
ignorantes
ignorados;
Lamento liberar
meu absurdo,
meu sonho
para um mundo vigiado;
ignoro não ser escutado,
um fingimento...pragmático.
Eu sinto
as lágrimas que escorrem,
o fogo que queima,
o vôo subestimado
com o sufocar dos meus lamentos.
Eu lamento tudo isso,
freneticamente,
com o sinzelar de alguns cigarros...
pensamentos.
É misto o meu segredo
o meu veneno,
um escremento a lamentar
o escremento,
o veneno a envenenar
o meu lamento...
É o lamento a alimentar
o meu momento.


QUANDO já NÃO BASTA...

Dê-me as ferramentas
E eu removerei o mundo,
Mas não
Me deixe
Só...
Eu preciso de você para suportar.
Dê-me as pedras
E eu subirei o topo de tudo...
Basta você me aceitar.
E todo cuidado é pouco.
Como no
Blues...
Quieto,
Nobre e macio... solto... só.
Perdoe-me por te querer a todo
Preço,
Quando já não basta a minha
Alucinação.
Quero-te a todo custo
E ao teu perdão.


INANIÇÃO

Da minha boca
Aberta e muda,
Saem gritos inaldíveis.
A minha rua
Não é mais a mesma,
E a minha visão dela
Difere da tua...
Encaro minha razão inútil.

Fecho os olhos
E adormeço, como no cinema...

A minha pele
Conhece a minha água,
Que conhece minha terra...
A minha pele
Desconhece minha dor;

Escarro minha razão inútil.

Da minha boca
Deserta e nua,
 
Emergem gritos inaudíveis de ternura.

yuri hícaro


dezembro 01, 2013

................................................. A SIMPLICIDADE é um DIAMANTE




Ilustrações:
DAMIEN HIRST
(1965. Bristol / Reino Unido)

 
Por vezes, na vivência europeia de muitos anos, sentia nostalgia. O fato de encontrar-me fora do Brasil contribuía para reforçar um sentimento terno de pertencer à esse país. Tomado por febres românticas, sonhava com praias banhadas por águas mornas, a exuberância da Mata Atlântica, crepúsculos tropicais, chuvas pesadas, mangas encarnadas, acarajé, água de coco verde etc. O Brasil sempre foi uma grande história de amor. Por prazer, hábito ou necessidade espiritual. Entre uma entrevista e outra, um livro e outro, emocionado, voltava à terra amada. Além do coração, aguardavam-me também as sombras do mal protegendo corruptos e desalmados. O Velho Continente refinou-me, alargou horizontes. Circulei em famosos festivais de cinema, participei de encontros literários, conheci escritores célebres, castelos medievais e palácios barrocos, tomei banho de sol às margens do Rio Sena, dormi inúmeras noites na germânica Floresta Negra, frequentei a Tate Gallery e o Louvre, ouvi a música épica de Richard Wagner na Baviera, concertos de Nina Simone, espetáculos de Pina Bausch e Robert Wilson. Enfrentei duras provas, algumas vertigens, solidões, terremotos do coração. Fazendo o mel de inumeráveis encontros e desencontros, numa aventura nada heroica, sem me levar demasiado a sério, aprendi que o requinte não só beneficia e um belo dia voltei ao Brasil. Em busca de perfumes, encantos e cumplicidades, terminei por encontrar a simplicidade. Não deixa de ser um tesouro. Afinal, como escreveu um dos meus escritorores favoritos, Paul Bowles: A simplicidade é um diamante”
 

novembro 04, 2013

.......................................... CAMINHANDO pelas RUAS de TANGER



I
lustrações:
HENRI MATISSE
(Le Cateau-Cambrésis / França)


Despertei interesse pela literatura de PAUL BOWLES (1910 - 1999. Nova Iorque / EUA) ao ver “O Céu que nos Protege / The Sheltering Sky” (1990), de Bernardo Bertolucci. No filme, o escritor tem participação especial como um misterioso idoso, em um café, que diz não ser turista, mas viajante. Assim, aproximei-me de uma narrativa nada convencional. Jovem ainda, ele publicou alguns poemas em revistas. Como muitos da sua geração, embarcou para Paris, conhecendo Gertrude Stein, que o aconselhou a viajar a Tânger, onde passou um verão, tocando Mozart. A música era outra paixão. Ele compôs para peças de teatro, colaborando com cineastas e dramaturgos como Orson Welles, Elia Kazan, William Saroyan e Tennessee Williams. Artista multifacetado, autor de romances, contos, poemas e livros de viagens, traduziu autores marroquinos e transcrições de contos tradicionais do Marrocos recolhidos oralmente.

truman capote, jane e paul bowles
Entre a majestosa solidão do Saara e a tranquilidade doméstica da ilha tropical no Ceilão – propriedade extravagante e selvagem que manteve durante alguns anos na costa de Weligama –, PAUL BOWLES percorreu incessantemente os caminhos do globo. Uma curiosidade inesgotável alimentou um fluxo constante de viagens, em que alternou a deslocação com a permanência. Passou temporadas na Argélia, França, Índia, Ceilão e outros países. Mesmo viajando por diversos países, foi o Marrocos que tocou o coração do escritor norte-americano, aonde chegou pela primeira vez aos 21 anos, voltando dezoito anos depois para ficar definitivamente. 

Eu não escolhi morar em Tanger de forma permanente. Isso foi alheio a minha vontade. Minha estadia devia ser de curta duração, tinha a intenção de ir para outro lugar, ainda e sempre, sem jamais me fixar definitivamente. A preguiça me fez postergar a partida. Depois veio o dia em que tive que me render às evidências: o mundo não apenas estava muito mais cheio do que há apenas alguns anos, mas os hotéis estavam piores, as viagens menos agradáveis e a maioria dos lugares menos bela do que antes. A partir de então, cada vez que me encontrava em outro lugar, tinha imediatamente vontade de estar em Tanger. Se estou aqui até hoje, é apenas porque este é o lugar em que me encontrava quando compreendi que o mundo estava mais feio e que não tinha mais vontade de viajar, disse-me.

PAUL BOWLES se casou em 1937 com Jane Auer, depois Bowles, também escritora, lésbica, autora da obra-prima “Duas Damas Bem Comportadas / Two Serious Ladies” (1943). A vida de Jane foi atormentada e marcada pela doença e a sua obra, escrita até aos trinta anos de idade, compõe-se apenas desse romance, da peça teatral “In the Summer House” (1953) e de sete contos que foram publicados sob o título “Plain Pleasures”. A turbulenta relação do casal é retratada no romance “O Céu Que nos Protege / The Sheltering Sky, primeiro sucesso editorial de Bowles, publicado em 1949 e ocupando o primeiro lugar da lista de best-sellers do “New York Times”. Este romance, como toda a sua obra ficcional, reflete o absurdo do mundo moderno, a crueza, a corrupção. Não há culpados, há uma hierarquia de valores, uma explicação do humano sem julgamentos.


O suave ambiente do Norte da África, bem como a tolerância que então se vivia no que respeita a experiências homossexuais e a utilização de drogas, parecem ter constituído atrativos e a casa de PAUL BOWLES em Tanger passaria a ser o centro de peregrinação da geração beat, incluindo Allen Ginsberg, William S. Burroughs e Gregory Corso, e também do mundo gay das letras e das artes: Jean Genet (que se apaixonou pelo Marrocos e foi enterrado lá), Truman Capote, Tennessee Williams, Luchino Visconti, Francis Bacon, Gore Vidal, Carson McCullers, John Cage, Cecil Beaton, Djuna Barnes etc. Enquanto Bowles seduzia garotos marroquinos, sua esposa Jane sofreu um derrame cerebral em 1957 e não mais se recuperou, morrendo em 1973.

“Tive sempre a vaga certeza de que em algum momento da minha vida entraria num lugar mágico que, revelando-me os seus segredos, daria-me sabedoria e êxtase”
, disse-me no nosso encontro. Um ano antes dessa confissão, com carta de apresentação de um amigo jornalista do “El País”, procurei-o num outono bastante quente, mas ele não se encontrava no Marrocos. Doente, com problemas ósseos, procurava se curar em um hospital de Madri. Não dei por perdida a viagem, visitando os cafés que ele frequentava, conversando com seus conhecidos, passando pela rua de Campoamor, onde residia. Em l998, voltei a Tanger e fui recebido por PAUL BOWLES
, que
era conhecido na cidade como “l'écrivain américain”


A primeira impressão que tive foi a de estar diante de um anjo idoso, cansado da experiência terrestre. Os olhos azuis e penetrantes revelavam desamparo, como um animal maltratado. Quando apertei a sua mão, tive receio de ser demasiado rude diante da fragilidade. Ele riu, perguntando: “O que faz um brasileiro em Tanger?”. “Vim vê-lo, Mister Bowles”, respondi tímido. “Há coisas mais interessantes por aqui”, continuou, convidando-me a sentar, enquanto o criado nos servia chá de hortelã. A casa, de simplicidade franciscana, tinha encanto próprio e cada objeto possuía personalidade. Observei os livros - não muitos para um escritor -, papéis empilhados, o salão mal iluminado e a leve claridade de minúsculas janelas. Um pássaro estranho não parava de cantar, competindo com a bonita música instrumental vinda de outro compartimento. “O que mais gosto é música. Poderia ter sido compositor”, confessou. “O senhor é compositor”, afirmei, lembrando-me das peças compostas para orquestra, piano, bailado e voz. Ele nada respondeu, ficando em silêncio por algum tempo, os olhos gélidos perdidos no invisível.


Quando voltou a olhar-me, perguntei sobre a passagem por Tanger de célebres amigos gays - Tennessee Williams, Allen Ginsberg, Gavin Lambert, Truman Capote e Gore Vidal, entre eles. Respondeu-me que estava cansado da sua história, do passado, de falar de gente e livros. Não havia arrogância no tom de voz. “Não gosta de conversar sobre suas viagens?”, insisti. “Uma pessoa está sempre mudando e nunca chega a parte nenhuma. Mas chegar a algum lugar não é necessário. Morrer sim. Tudo o que é inevitável é necessário”, afirmou com sabedoria. Após novo e curto silêncio, animou-se, convidando: “Vamos caminhar pelas ruas de Tanger? Mas não posso demorar, receberei um cineasta argentino (Edgardo Cozarinsky, que filmou “Fantômes de Tânger” com Bowles como ator) ainda hoje”. E assim aconteceu. Caminhamos durante horas pelas ruas de Tanger, enquanto um ou outro o cumprimentava e eu me sentia feliz como passarinho. Nunca mais voltaria a ver PAUL BOWLES, ele morreria no ano seguinte, em l999, aos 89 anos. Fascinante, inconformista visceral, é um dos grandes viajantes eruditos do século XX, e o seu legado – musical e literário – evidencia, em toda a sua originalidade, a aventura, o talento e a mestria que caracterizam a sua vida e obra – sempre indissociáveis.
 
 

outubro 01, 2013

................. PAULO COELHO: “MEUS LEITORES são INTELIGENTES”



 
Estive com o escritor e letrista PAULO COELHO (1947. Rio de Janeiro, RJ / Brasil) em 2004, no Fórum das Culturas Barcelona, na Espanha. O diálogo entre nós, publicado no jornal A Tarde (BA), é reproduzido aqui.

Ilustrações:
WILLIAM BLAKE
(1757 - 1827. Londres / Reino Unido)


No início dos anos 1970, PAULO COELHO vivia o movimento hippie, perambulando pelo mundo em busca de uma suposta verdade esotérica. Com pouco dinheiro, loucuras na cabeça e canções em parceria com o mítico roqueiro Raul Seixas, ninguém daria um tostão por sua escrita. Trinta anos depois, aos 57 anos, a história é outra: figurinha carimbada na lista de best-sellers de dezenas de países, membro da Academia Brasileira de Letras, acumula prêmios e condecorações, além de viajar com requinte e assédio constante da mídia. Ele é um dos 120 escritores convidados para o Fórum das Culturas Barcelona 2004. Ao lado de Salman Rushdie (“Versos Satânicos) faz parte do debate “O Valor da Palavra, organizado pelo Pen Club catalão.

paulo coelho
Muitos pensam que você é espanhol. Talvez porque alguns de seus livros tenham a Espanha como cenário.

Exato. Já me perguntaram algumas vezes. Fico feliz porque gosto da Espanha, falo muito sobre este país e tenho afinidade com ele, mas sou brasileiro e vejo o mundo como brasileiro. Vivi em Madri seis meses, depois de uma peregrinação à Santiago e foi uma temporada lúdica. Sou também apaixonado por touradas. Mas jamais perderei minha raiz, minha identidade brasileira.

Mesmo incomodado com o repúdio de colegas, intelectuais e críticos brasileiros...

Não me preocupo com eles. Estou pouco ligando para tais comentários. É uma atitude natural, afinal comecei a publicar aos quarenta anos e logo me tornei um grande êxito. Eles não se conformam com isso. Existe também o fator inveja. Mas não faço parte de nenhum grupo literário, tenho meus leitores e sou Paulo Coelho, um escritor best-seller com a ajuda de Deus. Sei também que nenhum sucesso é eterno. O essencial é não perder a naturalidade, porque o leitor não aceita fórmulas, não quer repetições. Eu escrevo sobre os temas que me preocupam e não sobre as coisas que os outros gostariam de ler. Meus leitores são inteligentes. Se eles encontrassem uma fórmula perpétua nos meus livros já teriam me abandonado. Eu me surpreendo com o que escrevo. Isso é que dá vida a minha escrita.

Fica magoado quado é classificado como escritor de literatura esotérica?

Claro. Os meus livros são diferentes desse tipo de literatura. Não brinco com a inocência das pessoas. Falo da magia de pessoas comuns, do cotidiano de todos nós. Meus personagens lutam e enfrentam provas iniciáticas para seguir vivendo. Tenho um estilo que busca a simplicidade, sendo direto sem ser superficial. O chato é que as pessoas procuram situar o novo com um modelo conhecido. Já fui comparado à Castañeda, Gibran e Stephen King. Não tenho como evitar essas comparações. O que sei é que sou escritor.


O que procura exatamente ao escrever um livro?

Descobrir-me. Tenho uma inquietude e uma maneira de viver a vida que ao escrever a compreendo melhor.

Em 2000, na França, foi condecorado como Chevalier de la Legion d´Honneur. Aprecia ser homenageado?

Seria hipocrisia dizer que não ligo para homenagens, mas a melhor homenagem é a fidelidade do leitor.

Se sente vaidoso por ser o autor de língua portuguesa mais lido em todo o mundo?

Sinto que é uma grande responsabilidade. Procuro, em todos os países que visito, falar um pouco dos escritores de língua portuguesa. No entanto, penso que a literatura lusófona está cada vez mais conhecida. O Nobel de Saramago contribuiu para essa divulgação.


Cite um escritor brasileiro que costuma lembrar em entrevistas e palestras fora do Brasil.

Jorge Amado. Eu o admiro, sempre foi um dos meus escritores favoritos. Ele e o argentino Borges. Eu creio no que disse Borges, há somente quatro histórias para narrar: a de um homem e uma mulher, a luta pelo poder, o triângulo amoroso e viagens. Fico com a última, onde se aprende a ser tolerante com as coisas do mundo.

O Fórum das Culturas Barcelona celebra a paz e a solidariedade em um mundo marcado pela ganância e pela violência. Como traduz este evento?

É uma proposta positiva, que poderá trazer bons resultados. Vivemos em um mundo conduzido por padrões de condutas, padrões de qualidade, de beleza, de eficiência, de sabedoria. Acreditamos que existe um modelo para tudo e que seguindo tal modelo estaremos seguros. Não é verdade. O certo é que vivemos num mundo perigoso, mas também muito rico, que ainda permite que as pessoas se aproximem e troquem impressões. Creio que é preciso uma maior preocupação com a espiritualidade, pois esta preocupação leva à solidariedade e não ao egocentrismo, como muitos querem fazer crer.

Mudando de assunto. Você está rico?

Dizem que sou o segundo escritor mais lido do mundo. Pode ser, mas a grande riqueza é ter meus livros publicados. Mas concordo que ganhar dinheiro com nossos sonhos é algo especial, que respeito.

Muitos escritores trabalham noutras atividades para sobreviver. Não é o seu caso. Se considera privilegiado?

Vivo um sonho, mas todo sonho implica desafios. E o sonho literário é um desafio permanente. Assim que terminar de conversar com você e seus colegas, irei para o computador terminar uma coluna para um jornal do Brasil e logo depois será a hora da palestra. É um desafio. Mesmo vivendo o nosso sonho, nada é fácil.