março 13, 2021

..................................... A PAIXÃO segundo ANTONIO NAHUD



A paixão, este sentimento de intensidade forte, arrebatador, surgiu inicialmente na minha juventude de maneira tímida. Nesta reflexão escrita, alternando cenas do passado longínquo e de um passado recente, exercitarei recordações dengosas e dolorosas, entre arrebatamentos e promessas não cumpridas. Ao revisitar a história, termino por confrontar os fantasmas que me assombram. Investi em paixões contidas, platônicas, e outras ardentes, explosivas, de corpo e alma. Em verdade, nunca temi o ato de amar. Sempre fui capaz de coragem para viver a paixão. Por isso, sofri ante romances irrealizados ou em deixar partir o amor, mas jamais aceitei a condenação de uma vida medíocre e infeliz.

O filósofo Rousseau dizia que “na juventude deve-se acumular o saber e na velhice fazer uso dele”. Tento ao escrever. Do verbo latino patior (sofrer ou suportar uma situação difícil), a paixão é fulminante. Todos deveriam ter alguma paixão. Das mais simples às mais arriscadas: paixão por chocolate, por voar, beber, comer, conduzir velozmente. Paixão por sexo, cantar, ler, escrever, dançar, viajar etc. Até mesmo paixão pela vida, que deveria ser a maior de todas. De fato, uma vida sem paixão é inconcebível, já que apaixonar-se é essencial para o estímulo do existir. Uma vida sem ela está fadada ao fracasso, faltando o impulso irresistível para seguirmos.

Não há como negar, a paixão move o mundo. Sabe-se que a fome ocasiona fraqueza e, por fim, a morte. Tal qual o alimento é necessário, assim também é apaixonar-se. Ao trabalharmos sentindo excitação é porque há paixão. Se estudamos e absorvemos conhecimento com prazer, há paixão. Naturalmente, a paixão leva também a suspiros eróticos, ciúmes, lágrimas e até tragédias, especialmente quando não é correspondida. Afinal a paixão irrealizada não se cala, corrói. Um sentimento intenso e vivo que, uma vez não concretizado, permanece em aberto, a esperar algo (ou alguém) capaz de dar-lhe um desfecho digno.

A paixão revela-se em plenitude como um segredo encantado. É um elemento imorredouro, perene, infalível: não se pode evitar. Um dos seus grandes inimigos é a morte. Eu formei um casal apaixonado, a viver um casamento feliz, interrompido brutalmente pelo suicídio e sepultando a felicidade de maneira permanente. A paixão que sentia, um sentimento intenso, tornou-se inconcretizada, definitivamente impossível. Não podia recobrar o amor falecido. A morte impedia. Durante anos estava sempre a vagar, perdido no infinito, em estado de amor puro. Preso numa viuvez vazia, destruído pela devoção imorredoura - uma paixão da qual não podia me libertar. Era como uma prisão perpétua, consumido pela frustração de saber que a paixão seguiria irrealizada, em suspenso, proibida de abrir-se para as intempéries da vida. Nesta época, atingi o estágio desesperador de quem ama, mas está impedido de amar por um obstáculo intransponível: a morte.

A paixão é uma experiência imortal, um sentimento tão intenso que, mesmo após décadas, ainda pode nos consumir. A sua história raramente chega a um final. Tive uma paixão infinita no tempo em que morei em Barcelona, na Espanha, de sentimento irrealizado, da chance de ser feliz que se perdeu. Ainda hoje recordo com uma nostalgia enamorada. A paixão pode ser impedida por fatos irreversíveis (como a indiferença do objeto do desejo), mas pode também ser sepultada pelo medo, pelo simples temor. Quem sofre na covardia, opta em não correr o risco de amar. Assim agindo, pode-se até evitar os inconvenientes de quem se apaixona (apaixonar-se é sofrer). Mas a paixão permanecerá lá, no fundo do coração, qual um bicho a esperar da presa que nunca vem. Para pessoas assim o amor irrealizado é o cenário de quem se acovarda e a condenação à uma vida vazia, uma vida cheia de nada.

Quando se despreza o tesão, a paixão propriamente dita, estamos nos condenando a uma vida linear e pouco estimulante. Ao evitar a paixão geralmente somos infelizes, estranhos, mecânicos. É mais adorável lutar contra as correntezas de uma vida atribulada e complexa utilizando os robustos remos da paixão. Perdendo a paixão, perde-se o esplendor. Porém, ainda mais melancólico é relacioná-la a sentimentos ruins e a classificá-la como prejudicial. Entretanto, os que pensam dessa forma talvez estejam equivocados. Tais pensamentos possivelmente são gerados por um desgosto relacionado a um amor frustrado ou a um cotidiano insosso.

Diversas obras literárias abordam o tema. Dentre elas, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, em que o protagonista, ao ver perdidas as esperanças de obter a amada, beija apaixonadamente as armas em que ela tocou e acaba com a própria vida. O romance de 1776 provocou uma série de suicídios na Alemanha. Jovens inspiraram-se no personagem devido ao peso do sentimento não correspondido. Em “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, dois amantes de famílias inimigas, sem conseguir superar a paixão impossível, terminam tirando a própria vida. São exemplos de paixões exageradas, incontroláveis, mórbidas, mas há também a sensação de êxtase, de ser tomado por uma felicidade incomensurável.

Quem já se apaixonou sabe do poder sem limites. O apaixonado é invencível. E, justamente por isso, é perigoso. Nesse sentido, renomados cientistas e estudiosos são unânimes em afirmar que a paixão é um fenômeno psicológico de exacerbação emocional em relação a figura desejada, gerando um estado alterado de consciência, cuja percepção distorcida da realidade pode conduzir a atitudes radicais e até fatais. Inclusive, alguns especialistas consideram que uma pessoa apaixonada está doente, porque está fora do padrão psíquico de normalidade. E daí? Pior é a apatia, a indiferença, o vazio.

Fenômeno poderoso, a paixão pode levar a um estado alterado de consciência capaz de matar ou morrer. Por isso, creio que muitos temem se apaixonar uma segunda ou terceira vez. Sabem que serão tomados pela loucura de amar, dominando suas ações à sua própria revelia. Já quem nunca se apaixonou, muitas vezes se convence que a paixão pode trazer consequências negativas, e é a mais pura verdade.

Não tenha dúvidas que um apaixonado poderá sofrer - e muito -, porque nesta batalha, sobreviver é uma sorte, mas feridas são inevitáveis. Todavia, para elevados auspícios na vida, aceite uma sugestão: apaixone-se. Porque a paixão é um privilégio quase sagrado, nos faz viver plenamente. Jamais desperdiçaria a vida na mediocridade do medo de amar, de apaixonar-se e ser feliz. Ao contrário, até o último suspiro ousarei tentar conquistar o que a vida tem de melhor. Nem sempre dá certo, óbvio, mas acredito que viver apaixonado é glorioso. Mesmo que seja uma paixão inventada. Já é um primeiro passo.

Não se pode abandonar a paixão impunemente. Não se pode enganar a si próprio, dizer que já passou, que não deve pensar mais a respeito. Quem aceita que não fez nada (não lutou pelo amor), não pode ser feliz. Vive o desamor. E como se faz para viver uma vida vazia? E como se faz para viver uma vida cheia de nada? Eu mergulhei em paixões, sem qualquer remorso. Resumindo, hoje sou um jovem senhor, o retrato da boa velhice que, bem disposta, acumula paixões saudosas. Posso até enrugar a pele, mas não pretendo enrugar a alma, distribuindo entusiasmo e disposição em letras, artes e lembranças apaixonadas.



9 comentários:

Yanna Medeiros disse...

A alma bem alimentada, jamais se perde em meio ao tempo. Ela refina-se na sabedoria adquirida pelas experiências vividas e renova-se nas ossibilidades que virão.

Lourdinha Teles disse...

Parabéns querido!Li c muito carinho!
Texto excelente e pertinente.
Nosso escritor grapiuna,forte abraço!

Jailton Alves disse...


Grande escritor. Saudades de vc.bjo

Rita M. Santana disse...

Artigo sensacional. Parabéns.

Adriana Barros disse...

Maravilhoso. Me representa.

Marília Menezes disse...


Texto fantástico.

Nadia Junqueira disse...


Amei seu texto. Paixão evolui para o Amor, e mesmo quando isso não acontece, apaixonar-se faz um bem à alma e à mente, "Mesmo que seja uma paixão inventada". Paixão é um sentimento bom, mas como você disse, também é "perigoso"... pois, às vezes nos apaixonamos por um "amor proibido", que nos consome e com tempo, deixa sequelas difíceis de curar... Parabéns, caro amigo escritor/poeta, amo seus textos e já estou até com saudades daqueles que você ainda nem escreveu... Abraço.

Katia Drummond disse...


Você é genial, amado amigo! Amor e gratidão... 💚

Giovanni Martins disse...

Muito bom!