Ilustrações:
HANS HOLBEIN, o VELHO
(1460
– 1524. Augsburgo, Alemanha)
Escute-me.
Serei sincero. Meu amor morreu há quase cinco anos. Eu o queria profundamente. Naquele
dia sombrio, senti o silêncio de Deus. Não temo a morte e nem tinha razões para
viver, mas decidi seguir adiante. Não por mim, mas para ser útil intelectualmente
aos demais. Quando era jovem tive sonhos de grandeza. Queria ser um homem que
deixasse sua marca no mundo. A classe de ambição estúpida que se tem quando é
imaturo. Nada sabia da maldade e da crueldade. Durante muitos anos fui inocente
como um menino. Entretanto, a vida deu uma reviravolta e monstros surgiram no
caminho.
Negava-me
a ver o que acontecia, esnobei a cruel realidade. Até então eu vivia num mundo encantado.
Foi um golpe duro. Percebi que era um miserável ignorante, mimado e ingênuo. Pedi
proteção à Deus para enfrentar a catástrofe que me atingia e não tive
respostas. Diante do silêncio sagrado, a literatura me amparou, me acalentou,
me ajudou. Anos se passaram. Nos últimos dias, relendo os “Evangelhos”, cheguei
à “Paixão de Cristo” e voltei a meditar sobre o silêncio divino. Acredito que o
enfoque no sofrimento físico de Jesus Cristo está equivocado. Afinal, muitos
sofreram tal dor na carne, alguns até mais.
Seu
sofrimento durou pouco. Umas quatro horas, calculo. Constatei no relato um
sofrimento muito maior que o físico. Explico-me. Todos os discípulos de Cristo não
entenderam o significado da “Última Ceia”. Quando os agentes da lei vieram para
prendê-lo, eles fugiram, e Pedro negou o Mestre. O Homem de Nazaré havia falado
com eles durante três anos. Haviam convivido diariamente, mas não entenderam o
que Ele queria dizer. Todos o abandonaram e o deixaram completamente só.
Esse
é o maior sofrimento: a compreensão de que ninguém nos compreende, o estar
sozinho quando se necessita confiar em alguém. É terrivelmente doloroso. No
entanto, para Cristo, o pior estava por chegar. Quando foi cravado na Cruz e
ficou ali, pendurado, sofrendo, gritou: “Deus, Deus meu, por que me
abandonou?”. Gritou com todas as suas forças. Pensou que seu Pai do Céu o havia
abandonado. Acreditou que tudo o que pregara era mentira. Teve grandes dúvidas
minutos antes de morrer. Esse foi o pior sofrimento de Jesus Cristo. Refiro-me
ao silêncio de Deus.
Um comentário:
Excelente. Parabéns!
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