novembro 01, 2024

.......................................................................... VILÕES de SHAKESPEARE

ricardo III (1745), de william hogarth

 

“O céu é testemunha.”
OTELO
Ato I – Cena I
 
Ilustrações:
EDWIN AUSTIN ABBEY
(1852 – 1911. Filadélfia, Pensilvânia / EUA)
FRANZ von LENBACH
(1836 – 1904. Schrobenhausen / Alemanha)
JOHANN HEINRICH FÜSSLI
(1741 – 1825.  Zurique / Suíça)
JOHN SINGER SARGENT
(1856 – 1925. Florença / Itália)
NICOLAI ABILDGAARD
(1743 - 1809. Copenhage / Dinamarca)
WILLIAM HOGARTH
(1697 – 1764. Londres / Reino Unido)

 
 
Os estudiosos acreditam que o dramaturgo e poeta WILLIAM SHAKESPEARE (1564 – 1616. Stratford-upon-Avon) escreveu pelo menos 38 peças entre 1590 e 1612, 154 sonetos e dois poemas de narrativa longa. Suas peças abrangem uma ampla gama de assuntos e estilos, desde o lúdico “Sonho de Uma Noite de Verão” até o sombrio “Macbeth”, e podem ser divididas em três gêneros - comédias, histórias e tragédias - embora algumas, como “A Tempestade” e “O Conto de Inverno”, ultrapassem os limites dessas categorias. Acredita-se que a sua primeira peça seja “Henrique VI Parte I”, um drama histórico sobre a política inglesa nos anos que antecederam a Guerra das Rosas. Possivelmente uma colaboração com Christopher Marlowe, mais conhecido pela tragédia “A Trágica História do Doutor Fausto” (1604). Sua última peça foi “Os Dois Nobres Parentes”, uma tragicomédia co-escrita com John Fletcher, em 1613, três anos antes da sua morte.
 
Embora seja conhecido por escrever monólogos heroicos, destaco a natureza mais sombria do bardo imortal inglês, relembrando tiranos, traidores e antagonistas. O objetivo da postagem é a questão do mal no drama shakespeariano. O corpus do ensaio consiste em três peças: as tragédias “Macbeth” e “Otelo” e o drama histórico “Ricardo III”, das quais são apresentados três vilões notáveis, LADY MACBETH, IAGO e RICARDO III. Em LADY MACBETH o mal é tratado como um meio de realizar sua ambição ao adquirir poder para o marido; em IAGO o mal se manifesta como o efeito da inveja e do ressentimento por ter sido preterido em sua aspiração profissional; e em RICARDO III o mal se vê através do recalque, como algo mais político e cruel. A seguir, esses inesquecíveis malvados, juntamente com seus poderosos e sinistros monólogos.
 
01
IAGO em 
“OTELO, o MOURO de VENEZA”
iago (1901), de edwin austin abbey


Soldado que se empenha na aniquilação de um general. Invejando seus feitos heroicos e acreditando preterido em função de Cássio, que assume o posto de tenente, coloca em andamento seu plano de fazer seu comandante acreditar que sua esposa o trai. Na execução da trama, emprega táticas de manipulação, passando-se por honesto e sem máculas. Um conspirador maquiavélico, que tem a confiança profunda de Otelo e usa essa confiança para traí-lo. Pérfido, hábil em detectar e explorar as fraquezas humanas, através de intrigas sutis conduz o general ao ciúme infernal e enlouquecedor. O bravo mouro, veterano de terríveis batalhas e representante militar do reino de Veneza, capitula diante do mais mesquinho sentimento de ciúme em relação a bela Desdêmona. IAGO foi representado no teatro e no cinema por excelentes atores, entre eles Edwin Booth, Werner Krauss, Christopher Eccleston, Kenneth Branagh, Frank Finlay, Andrei Popov, Bob Hoskins, Liev Schreiber, Rory Kinnear e Philip Seymour Hoffman. No Ato II, Cena III, o vilão apresenta um de seus monólogos mais canalhas, ao revelar a trama para derrubar o senso de razão de Otelo. Ele explica seu plano para fazer parecer que Desdêmona foi infiel, revelando sua natureza venenosa:
 
E então eu sou o vilão,
quando aconselho Cássio a seguir outra rota 
que o leva reto ao seu bem? Deidades do inferno!
O diabo, quando quer vestir negros pecados, 
começa encenando uma peça angelical, 
como eu faço agora. Enquanto esse honesto otário 
rogar a Desdêmona que lhe ajeite a sorte, 
e ela interceder junto ao Mouro em seu favor, 
verterei esta pestilência em seus ouvidos: 
que ela só quer salvá-lo pra sua luxúria; 
assim quanto mais esforço fizer em ajudá-lo, 
mais desgastará seu crédito junto ao Mouro...
E assim converterei em piche sua virtude, 
e com a sua bondade, engendrarei a rede 
que enredará aos três.
 
02
LADY MACBETH em  
“MACBETH”
lady macbeth (1889), de j. s. sargent
Ambição, poder e loucura. Um dos anti-heróis mais intrigantes de SHAKESPEARE. Esposa do protagonista, o nobre escocês Macbeth. Após convencê-lo a matar o rei Duncan, o casal torna-se rei e rainha da Escócia, mas ela acaba atormentada pela culpa. Uma mulher ambiciosa, cruel, desprovida de quaisquer escrúpulos. De tal modo que assevera sem um estremecimento que retiraria um filho risonho do seu seio e esmagaria seu cérebro, se tanto exigisse a obtenção do poder. Altiva, soberba e imperativa, ela é dotada de uma inabalável firmeza de espírito. Segundo Barbara Heliodora, “ela é um complemento de Macbeth, a parte negativa da sua ambivalência, a consciência do mal”. Para LADY MACBETH não há distinção entre vontade e ato. As profecias das bruxas de que Macbeth seria Senhor de Glamis e de Cawdor e Rei da Escócia se tornam determinação. A personagem já foi interpretada em todos os cantos do mundo, pelas maiores atrizes de seu tempo, incluindo Ellen Terry, Sarah Bernhardt, Vivien Leigh, Simone Signoret, Glenda Jackson, Francesca Annis, Judith Anderson, Judi Dench, Marion Cotillard e Renata Sorrah. Conhecendo bem a fraqueza de seu marido, ela se opõe à “bondade humana” dele, e diz no Ato I, Cena V:
 
 
[...] tenho medo da tua natureza: ela está muito cheia do leite da bondade humana, para encurtar caminho. Tu quererias ser grande; não deixas de ter ambição, mas não possuis a malvadez que a deve acompanhar. A grandeza a que aspiras desejarias alcançá-la virtuosamente.
 
03
RICARDO  III em  
“RICARDO III”
ricardo III (1787), de nicolai abildgaard
Um homem sagaz e ambicioso, disposto a tudo para conseguir destronar seu irmão Eduardo e tornar-se rei da Inglaterra, usando de artimanhas, estratagemas e violência. Com ironia e inteligência, monta alianças com os mais inesperados personagens, provando que todos estão atrás do mesmo objetivo: saciar suas ambições pessoais. Mesmo sendo um drama da primeira fase de SHAKESPEARE, é uma obra impressionante por sua atualidade ao investigar as relações humanas de forma fria e, ao mesmo tempo, encantadora. RICARDO, o corcunda e sanguinário duque de Gloucester, antes de poder ascender ao trono e se tornar rei, trai e mata. Ele vai se casar com a viúva do homem que matou, arrumar alianças com milicianos assassinos e reunir uma corte de paus-mandados – incluindo falsos bispos – que formam ao seu redor uma rede de segurança que o impedirá de cair, ou assim ele pensa, porque o fim de todo tirano, já diz a história, é um só. Em um de seus movimentos mais diabólicos, tenta ganhar a mão de Lady Anne, que a princípio detesta o canalha sedento de poder, mas acaba acreditando que ele é sincero o suficiente para se casar. Infelizmente, está errada, como revela o discurso do vilão no Ato I, Cena II:
 
Alguma vez uma mulher com esse humor foi cortejada? Alguma vez uma mulher com esse humor foi vencida? Eu a terei; mas não vou mantê-la por muito tempo. Ela já esqueceu aquele corajoso príncipe, Eduardo, seu senhor, a quem eu, há cerca de três meses, apunhalei com raiva em Tewksbury? Fidalgo mais galante e mais gentil, fruto duma natureza generosa, jovem, animoso, sábio, e sem dúvida qualquer de régia estirpe, não pode o vasto mundo de novo engendrar. Porém, ela aceita baixar a vista sobre mim, que colhi a dourada primavera deste doce Príncipe e que a tornei viúva em doloroso leito? Sobre mim, que inteiro não igualo metade de Eduardo? Sobre mim, que coxeio e sou assim disforme? O meu ducado contra um mísero vintém, tenho, todo este tempo, medido mal minha pessoa! Eu mesmo sou um homem maravilhoso e adequado.
 

A LISTA COMPLETA das PEÇAS de SHAKESPEARE

Uma questão controversa em relação à bibliografia de WILLIAM SHAKESPEARE é se realmente foi o autor de todas as peças atribuídas ao seu nome. No século 19, vários historiadores literários popularizaram a chamada “teoria anti-stratfordiana”, que sustentava que muitas de suas peças eram na verdade obra de Francis Bacon, Christopher Marlowe ou possivelmente de um grupo de dramaturgos. Os estudiosos subsequentes, no entanto, rejeitaram esta teoria, e o consenso atual é que escreveu, de fato, todas as peças que levam o seu nome. No entanto, há fortes evidências de que algumas das peças foram colaborações. Em 2016, estudiosos realizaram uma análise das três partes de “Henrique VI e chegaram à conclusão de que inclui trechos de Christopher Marlowe. As edições futuras da peça publicada pela Oxford University Press darão crédito a Marlowe como coautor. Outra peça, “Os Dois Nobres Parentes”, foi co-escrita com John Fletcher, que também trabalhou com SHAKESPEARE na peça perdida “Cardenio”. Alguns estudiosos acreditam que o bardo também pode ter colaborado com George Peele, dramaturgo e poeta inglês; George Wilkins, dramaturgo inglês; e Thomas Middleton, autor de sucesso de inúmeras obras teatrais, incluindo comédias e tragédias. A ordem exata das suas peças é difícil de provar – e, portanto, frequentemente contestada. As datas listadas abaixo são baseadas no consenso geral de quando foram apresentadas pela primeira vez.
 

HENRIQUE VI, Parte 1
(Henry VI Part I, 1589 – 1590)
 
HENRIQUE VI, Parte 2
(Henry VI Part II, 1590 – 1591)
 
HENRIQUE VI, Parte 3
(Henry VI Part III, 1590 – 1591)
 
RICARDO III
(Richard III, 1592 – 1593)
 
A COMÉDIA dos ERROS
(The Comedy of Errors, 1592 – 1593)
 
TITO ANDRÔNICO
(Titus Andronicus, 1593 – 1594)
 
A MEGERA DOMADA
(The Taming of the Shrew, 1593 – 1594)
 
Os DOIS CAVALHEIROS de VERONA
(The Two Gentlemen of Verona, 1594 – 1595)
 
TRABALHOS de AMORES PERDIDOS
(Love’s Labour’s Lost, 1594 – 1595)
 
ROMEU e JULIETA
(Romeo and Juliet, 1594 – 1595)
 
RICARDO II
(Richard II, 1595 – 1596)
 
SONHO de uma NOITE de VERÃO
(A Midsummer Night’s Dream, 1595 – 1596)
 
EDUARDO III
(Edward III, 1596)
 
REI JOÃO
(King John, 1596 – 1597)
 
O MERCADOR de VENEZA
(The Merchant of Venice, 1596 – 1597)
 
HENRIQUE IV, Parte 1
(Henry IV Part I, 1597 – 1598)
 
HENRIQUE IV, Parte 2
(Henry IV Part II, 1597 – 1598)
 
MUITO BARULHO por NADA
(Much Ado About Nothing, 1598 – 1599)
 
HENRIQUE V
(Henry V, 1598 – 1599)
 

JÚLIO CÉSAR
(Julius Caesar, 1599 – 1600)      
 
COMO GOSTAIS
(As You Like It, 1599 – 1600)
 
NOITE de REIS
(Twelfth Night, 1599 – 1600)
 
HAMLET
(Hamlet, 1600 – 1601)
 
As ALEGRES COMADRES de WINDSOR
(The Merry Wives of Windsor, 1600 – 1601)
 
TRÓILO e CRÉSSIDA
(Troilus and Cressida, 1601 – 1602)
 
BEM ESTÁ o QUE BEM ACABA
(All’s Well That Ends Well, 1602 – 1603)
 
MEDIDA por MEDIDA
(Measure for Measure, 1604 – 1605)
 
OTELO, o MOURO de VENEZA
(Othello, 1604 – 1605)
 
REI LEAR
(King Lear, 1605 – 1606)
 
MACBETH
(Macbeth, 1605 – 1606)
 
ANTÔNIO e CLEÓPATRA
(Antony and Cleopatra, 1606 – 1607)
 
CORIOLANO
(Coriolanus, 1607 – 1608)
 
TÍMON de ATENAS
(Timon of Athens, 1607 – 1608)
 
PÉRICLES, PRÍNCIPE de TIRO
(Pericles, 1608 – 1609)
 
CIMBELINO
(Cymbeline, 1609 – 1610)
 
CONTO do INVERNO
(The Winter’s Tale, 1610 – 1611)
 
A TEMPESTADE
(The Tempest, 1611 – 1612)
 
HENRIQUE VIII
(Henry VIII, 1612 – 1613)
 
Os DOIS NOBRES PARENTES
(The Two Noble Kinsmen, 1612 – 1613)
 
ricardo III (1890), de edwin austin abbey
FONTES
Reflexões Shakespearianas (2005)
de Barbara Heliodora;
Shakespeare - a Invenção do Humano (1998)
de Harold Bloom;
A Tragédia Shakesperiana (1904)
de A. C. Bradley.

lady macbeth (1892), de franz von lenbach
macbeth (1810), de johann heinrich fussli


2 comentários:

Lurdinha Teles disse...

Deu um banho de competência em tudo que fez. Revolucionou a literatura. Sou muito pequena para dizer qualquer coisa sobre ele, mesmo lendo essa grande texto.
Só aplaudo.

Saddock Albuquerque disse...

Gostei muito de seus comentários sobre aspectos da obra de Shakespeare. Você é um cinéfilo de verdade, tem um olhar que vai além da fenomenologia do cinema: a arte.
E falo do cinéfilo, por oportuno, por ter lido outros temas antigos...