Cyro de Mattos possui uma personalidade
vigorosa e original, a condição humana dos personagens
que surgem do seu conhecimento e da sua emoção
nada tem de artificialismo... O autor de Os Brabos
pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos homens,
entre sombras e abismos.
JORGE AMADO
(1912 – 2001. Itabuna / Bahia)
vigorosa e original, a condição humana dos personagens
que surgem do seu conhecimento e da sua emoção
nada tem de artificialismo... O autor de Os Brabos
pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos homens,
entre sombras e abismos.
JORGE AMADO
(1912 – 2001. Itabuna / Bahia)
Em Cyro de Mattos sente-se sem esforço
a vontade de escrever e a paixão de escrever.
Por isso, seus contos trazem a marca
das coisas sofridas, pensadas,
remoídas, cristalizadas.
HÉLIO PÓLVORA
(1928 – 2015. Itabuna / Bahia)
a vontade de escrever e a paixão de escrever.
Por isso, seus contos trazem a marca
das coisas sofridas, pensadas,
remoídas, cristalizadas.
HÉLIO PÓLVORA
(1928 – 2015. Itabuna / Bahia)
Ilustrações:
PITÁGORAS LOPES
(1964. Goiânia / Goiás)
PITÁGORAS LOPES
(1964. Goiânia / Goiás)
Esta entrevista é a continuação de um projeto pessoal de resgate da história e literatura do Sul da Bahia, minha região natal. Eu escrevi a CYRO de MATTOS (1939. Itabuna / Bahia) pedindo permissão para entrevistá-lo e ele respondeu imediatamente com atenção e cortesia. Tentando evitar perguntas irrelevantes, recebi confissões contundentes sobre vida literária, prêmios e traduções, permitindo voos transparentes quanto decididos em opinião acerca de sua trajetória, seus livros e seus contemporâneos. Conheço pessoalmente o escritor desde os anos 80. É um homem alto, calvo, de fala um tanto nervosa. Amigo de juventude do meu pai, Antônio, e do meu tio-padrinho, Gervásio, advogados como ele. Nascemos na mesma cidade. Li boa parte da sua literatura na época em que morava na Bahia. Apreciei contos de “Os Brabos” e, mais adiante, “Canto a Nossa Senhora das Matas”, e ensaios de “As Criações de Adonias Filho”. Para esta conversa, li um dos seus trabalhos mais recentes, “Infância com Bicho e Pesadelo & Outras Histórias”, de 2023, prêmio literário Casa das Américas.
Contista, poeta, romancista, ensaísta, cronista, o escritor despontou para a literatura brasileira na década de 60. Atraído pela força e pelo encanto da palavra escrita, publicou mais de setenta livros no Brasil, além de outros em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos, Rússia e Dinamarca. Advogado aposentado, jornalista com passagem na imprensa do Rio de Janeiro, é casado com a professora Mariza, pai de três filhos, avô de seis netos. Membro das Academias de Letras da Bahia, Ilhéus e Itabuna. Com amabilidade e uma verve cuidadosa, que dá às suas declarações nuances de sentido nostálgico e histórico, iluminando a literatura e o jornalismo grapiúnas, o escritor de “Duas Narrativas Rústicas” sinalizou coisas importantes, disposto a dizer aquilo que pensa sobre criação literária e acontecimentos. Confira nossa conversação.
01
Quem é o escritor Cyro de Mattos?
Uma pessoa simples, vive para a família, sua esposa Mariza, suas bases importantes, seus filhos e netos. Tem grande paixão pelos livros. Nasceu em Itabuna, cidade no Sul da Bahia, em 31 de janeiro de 1939. Seus pais, Augusto Mattos e Josefina Pereira de Mattos, são de origens humildes.
02
Como surgiu a vocação literária? Seria possível um resumo da sua trajetória?
Minhas primeiras leituras foram as revistas em quadrinhos, eram chamadas pelos meninos daquela época de gibi e guri. Foi aí que conheci meus heróis inesquecíveis: Batman, Capitão Marvel, Super-Homem, Homem Aranha, O Fantasma, Mandrake, Homem Submarino e Tocha Humana. No Cine Itabuna, uma tela mágica seduziu-me com heróis incríveis, Tarzan, Flash Gordon, Dick Tracy, Buck Jones, Durango Kid, Os Três Mosqueteiros, mais o encanto dos desenhos de Walt Disney, o riso com Oscarito e Grande Otelo, O Gordo e O Magro. Quando li “O Escaravelho de Ouro” e “O Fantasma da Rua Morgue”, histórias de Edgar Allan Poe, “David Coperfield”, de Charles Dickens, “Reinações de Narizinho” e “As Aventuras de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, perguntei como é que podia sair tanta coisa da cabeça de uma pessoa. Penso que desse imaginário cativante, que começou na infância, está o embrião do futuro escritor. Nas bibliotecas dos colégios em Salvador aprofundei minhas leituras com Cervantes, Shakespeare, Camões, Dante Alighieri, Homero, Ovídio, Voltaire, Artur Schopenhauer, Rousseau, Balzac, Gustave Flaubert, Tolstói, Dostoievski, Eça de Queiroz, Augusto dos Anjos e Machado de Assis, entre outros autores magistrais. Depois, em minhas visitas frequentes à Livraria Civilização Brasileira, passei a ler os brasileiros Adonias Filho, Jorge Amado, Lúcio Cardoso, Autran Dourado, Cornélio Penna, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Drummond, Cecilia Meireles, Manuel Bandeira e os estrangeiros Sartre, Camus, Kafka, William Faulkner, Ray Bradbury, James Joyce, Scott Fitzgerald, Henry James, Herman Hesse, Fernando Pessoa e outros autores magistrais. Lia tudo que caía em minhas mãos durante os dez anos que vivi em Salvador. Em 1960 escrevi meu primeiro conto “A Corrida”, foi aprovado pelo editor do “Jornal da Bahia”, que era João Ubaldo Ribeiro, e publicado no suplemento desse jornal. Daí para cá nunca parei de escrever, minha corrida tem sido numa estrada a essa altura comprida. São mais de 65 anos de literatura. Minha obra é constituída de 71 livros, de diversos gêneros. Reconhecida com prêmios no Brasil, México, Portugal, Itália e Cuba. Distinguida com a Medalha Zumbi dos Palmares, da Câmara de Vereadores de Salvador, e a Comenda Dois de Julho da Assembleia Estadual da Bahia. Recebi também o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Estadual de Santa Cruz, Sul da Bahia.
03
A literatura foi opção, destino ou necessidade?
As três coisas. Primeiro foi o leitor, depois o escritor. O que era hábito no início para auscultar a vida tornou-se uma necessidade essencial e, em certa altura de minha vida, de crise existencial aguda, socorreu-me para que eu não sucumbisse. A literatura não muda o mundo, transforma as pessoas. Não resolve os problemas políticos, sociais e econômicos, mas é fundamental como o amanhecer. Sem ela é impossível viver. Essa é minha vida no ar, a de sonhar e a de beijar. No azul meu canto, no azul meu encanto, sem o azul no caos desencanto. Posso ser um grão no deserto onde tudo arrisco, mas sem a literatura a vida não tem graça, não há o riso, a lágrima, o beijo, a planta parindo a flor, o braço ao abraço, o epitáfio, o sentido ante o enigma do mundo.
04
Se nasce escritor ou se torna escritor?
A leitura que ia fazendo de bons autores foram me dando medidas para conhecer o ofício. Não se faz literatura só com inspiração, a transpiração é essencial, como um processo de experimentação em que entra o aprendizado de forma e fundo com a sua carga criativa. O resultado devolve ao ser humano o que é dele próprio, a razão e a emoção. Enuncia com múltiplas vozes o testemunho crítico de seu tempo, expressa no texto o que se quer dizer da vida com as suas questões, descobertas e sustos esplêndidos. Algo vai mexendo na alma, dentro com as nossas dores, fora com as do mundo. Faz sofrer, também dá prazer, diverte. Quer saber escrever? Leia os grandes autores. O prazer da leitura provoca a vocação, oxigena a compulsão com os sentimentos de mundo. Acrescento que nessa transpiração, para ter conhecimento do que faço com afinco e de como os outros autores escrevem enredos, criam personagens, versos que marcam, sempre gostei de ler os teóricos e críticos de literatura. Com eles obtive o instrumental teórico necessário para ler bem uma obra literária e escrever com segurança, sem palpites ou impressões do achismo, uma resenha ou crítica.
05
O cronista Rubem Braga manteve durante muitos anos, na revista “Manchete”, uma seção intitulada “A Poesia é Necessária”. Depois, numa crônica, ele conta que houve mudança na direção da revista e foi informado de que a poesia não era mais necessária. E hoje, no século XXI, a poesia é necessária?
Sim, angústia e sonho são inerentes ao ser humano, crença e incerteza. A poesia afasta nossos medos, equilibra-nos entre vazios e em tudo aquilo que faz parte de nossas circunstâncias críticas como experiência da existência. A poesia está em tudo, à espera de ser descoberta. Possui uma linguagem tão dela para dizer o indizível, uma atitude própria e profunda para negar todo o peso terrestre que carregamos diante do inexorável. É a única linguagem que usa a palavra mítica, simuladora da vida, tomada emprestada ao sonho. E o faz com tamanha argúcia e largueza, que nos dá a sensação de ser a mais abrangente de todas para auscultar a existência em sua totalidade. Dizer do mundo em seus caminhos e descaminhos, inaugurar sentidos, penetrar com sabedoria na problemática existencial do indivíduo.
06
Como é o seu método com a prosa? Escreve diariamente ou quando dá vontade? Escreve e reescreve?
Antes dos tempos eletrônicos, escrevia, apagava deslizes e revisava. De uns tempos para cá com o avanço da tecnologia, digito e aproveito quase tudo, faço pequenas correções. Agora mesmo acabo de escrever o romance “Senhora Eleonora” em quatro meses, se fosse antes seria em mais de um ano. É um romance mediano, de quase duzentas páginas, em que procuro desconstruir o modelo matrimonial imposto pelo machismo e preconceitos numa cidade imaginária, que serve de espaço para os conflitos e atritos das cotidianas relações familiares.
07
Nasceu em Itabuna, nossa cidade. O que guarda no coração da sua vivência nela?
Minha infância como expressão do sonho e liberdade. Aprendi a nadar no rio Cachoeira, mergulhar e pescar com os amigos, cada um querendo ser herói naqueles ventos afoitos, do prazer e ilusão. Mal a manhã despertava, a aurora acenava para novas aventuras pelos campinhos de futebol improvisados nos terrenos baldios e na beira do rio. Itabuna está dentro de mim com a primeira gravata, a primeira namorada, a primeira hóstia consagrada, o primeiro São João, o primeiro Natal, as festas elegantes do Grapiúna Tênis Clube, a procissão da Sexta-Feira da Paixão. Como nos disse Adonias Filho, é preciso ter vivido muito para saber que para onde você for levará consigo a sua cidade com as suas lembranças. Os filmes de bangue-bangue exibidos no único cinema, frequentado pela garotada, o apito do trem como uma coisa viva, os burros transportando cacau seco pela avenida do comércio, passistas em andadura sob uma música de metal, os sonhos no Ginásio Divina Providência, as partidas da seleção amadora de futebol no Campo da Desportiva, enfim, os pais, os parentes, os amigos, os bichos de estimação e tudo o mais que desaparece um dia para sempre, infelizmente.
08
Alguém escrevia na sua família? Havia incentivo literário em casa?
Minha mãe contava história para o menino voar, dormir e sonhar. Quanto mais contava, mais ele gostava, e não se cansava. Meu pai queria que eu fosse advogado, escritor não põe comida no prato, ele dizia. Ficou decepcionado quando o filho vendeu o escritório de advocacia e foi para o Rio de Janeiro fazer jornalismo e, ao mesmo tempo, exercer uma carreira literária. Ressalte-se que o pai queria o melhor para o filho, como iletrado, que aprendeu a competir com as duras lições da vida, não podia pensar diferente. O melhor para ele era ser advogado ou médico, só assim o filho seria gente, teria prestígio e ganharia a vida com mais facilidade.
09
Na sua juventude, fez parte de algum círculo literário na região grapiúna? Realizaram algum projeto cultural?
Em Salvador fiz parte da Geração Revista da Bahia, ao lado de Carlos Falck, Ildásio Tavares, Alberto Silva, Adelmo Oliveira, Olney São Paulo, Oleone Coelho Fontes, Sonia Coutinho, Maria da Conceição Paranhos, Ricardo Cruz e Fernando Batinga. Em Itabuna dirigi a Primeira Jogralesca da Cidade, encenada no Teatrinho ABC, apresentando poemas de Mário de Andrade, Joaquim Cardoso, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Raul Bopp e Florisvaldo Mattos, interpretados por Roberto Junquilho, Chiquinho Briglia, Gonzales e Kfoury. Como diretor do Centro de Cultura Adonias Filho e Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, apesar de verbas insuficientes, produzimos eventos relevantes. No CCAF lembro a Semana da Consciência Negra, Retrospectiva do Artista Walter Moreira, exposição de pintura por mulheres de Itabuna e apoio a grupos e teatro. Na FICC destaque para o Dia do Índio, com apresentação do toré pelos pataxós na praça Camacã, Natal para Todos, apresentação da Orquestra Sinfônica da Bahia, ampliação do Festival Firmino Rocha, criação de oficinas, Monumento da Saga Grapiúna, renovação do acervo da Biblioteca Plínio de Almeida, com aquisição na Fundação da Biblioteca Nacional de dois mil volumes de obras importantes, além de mobiliário novo, lançamento da obra de Plínio de Almeida, Florisvaldo Mattos e autores emergentes, exibição do Circo Vox Populi, um braço do Circo Soleil, DVDs “Saudosa Desportiva, Gloriosa Seleção”, “Ferradas, Um Berço Amado”, “Itabuna, a História Contada”.
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cyro de mattos e adonias filho |
Como conciliava sua vida de advogado com a literatura?
Foi difícil. A advocacia foi um bom aprendizado de vida, as bases da sobrevivência, com ela criei meus filhos, correspondi às necessidades materiais da família. Literatura sempre foi minha paixão. Em 1966 fui para o Rio, estava me dando muito bem na metrópole, como jornalista e escritor, mas tive que retornar à terra natal para resolver problemas em família. Já estava casado e com dois filhos pequenos. Como fui ficando a contragosto na terra natal, sem solução para problemas agudos em família, o tempo passava e não retornava para o Rio, sentia-me ameaçado de perder o sonho de ser escritor. Endividado, sem emprego, perdi o que tinha no Rio como redator dos “Diários Associados”, voltei a advogar em Itabuna para sobreviver. A advocacia não conciliava com a literatura, são atividades diferentes, a primeira absorvia a segunda, tinha medo que estivesse dando adeus às leituras e escritos literários. Fui morar em uma fazendinha na região de Ferradas, sem energia elétrica e água encanada. Foram tempos duros, mas sobrevivi aos momentos críticos na difícil lei da vida. Advoguei mais de cinquenta anos em Itabuna e cidades vizinhas. Consegui não sei como, nesse momento crítico de minha vida, ser advogado e escrever livros em prosa e verso. Foi assim que com muito esforço fui advogado e aos trancos me tornei escritor, bem ou mal, debatendo-me entre incertezas e angústias. Nunca deixei de me refugiar na cidadela do meu sonho literário do qual nunca me separei.
11
Meu pai Antônio e meu tio paterno e padrinho, Gervásio Santos, que incentivou bastante minha trajetória como escritor, eram seus amigos. Como surgiu a amizade de vocês?
Morávamos na mesma rua, meu pai era amigo de Seu Bispo, o seu avô. Eram homens de origens humilde, iletrados, lutaram muito para sustentar os filhos nos estudos. Tonho, seu pai, foi meu contemporâneo no Ginásio Divina Providência, Era um jovem muito bom de papo, sorridente, dando a entender que estava de bem com a vida. Foi meu goleiro na seleção de futebol do ginásio. Gervásio viajava comigo em meu fusca para acompanharmos a seleção de Itabuna nas partidas do Campeonato Intermunicipal quando o jogo era na casa do adversário. Ele gostava de apostar em nossa seleção, ganhava sempre. Fui parceiro dele na boêmia, nem sempre, não tinha fôlego para acompanhá-lo, o homem era fogo, mandava nas noites da cidade.
12
Como foi o primeiro livro? Como aconteceu o processo criativo? Tardou muitos anos para finalizá-lo?
Risquei de minha bibliografia meus dois primeiros livros, envelheceram cedo. Considero minha estreia “Os Brabos”, quatro narrativas de ficção escritas quando morava com Mariza e os dois filhos André e Josefina numa fazendinha da região de Ferradas, em condições precárias. Escrevi as quatro narrativas de “Os Brabos” à luz de lampião. Foi muito sofrido, mas valeu, o livro deu-me por unanimidade o Prêmio Nacional de Ficção Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras. Publicado pela Editora Civilização Brasileira, uma das maiores na época, lançou-me no circuito nacional das letras. Alceu Amoroso Lima, relator do certame, observou em seu parecer: “Extraordinária capacidade de dar aos aspectos mais típicos da realidade nacional, em estilo impregnado da nossa fala brasileira, a revelação de um escritor visceralmente nosso...admirável ficcionista.”
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Poderia falar um pouco da sua vida em família?
Houve divergências em fase difícil, mas ficamos
reunidos com base no amor e crença nos valores cristãos. Minha união com Mariza
já dura 60 anos. Ela é minha sustentação, batia na máquina de datilografia meus
livros, apontava alguns deslizes, sempre ajudou como a minha primeira leitora.
Quando escrevo, na madrugada de um homem só, em silêncio conversando com outras
vozes, ela diz: “Cyro, ainda está no computador a essa hora? Venha dormir, meu
amor.” Deu-me três filhos e seis netos, todos eles maravilhosos. Inspirado em
nossa união física e espiritual publiquei o pequeno livro “Vinte e Um Poemas de
Amor”, com ilustrações belíssimas da desenhista baiana Edsoleda Santos. Esse
livro foi também publicado em Portugal pela editora Palimage. Teve lançamento
na Casa da Escrita da Universidade de Coimbra.
Portentosa, nomes como os de Jorge Amado, Adonias Filho, Hélio Pólvora, Jorge Medauar, Sosígenes Costa, Florisvaldo Matos, Sonia Coutinho, Jorge Araújo, Elvira Foeppel, Telmo Padilha, Ildásio Tavares, Marcos Santarrita, Euclides Neto, Ricardo Cruz e Valdelice Pinheiro engrandecem qualquer boa literatura. Outros autores estão chegando para dar andamento ao legado desse conjunto de escritores. Apesar de cometer o pecado da omissão, cito Heloísa Prazeres, Pilligra, Margarida Fahel, Antonio Nahud, Marco Luedy, Gustavo Felicíssimo, Ruy Póvoas, Heitor Brasileiro e Pawlo Cidade.
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Teve uma temporada morando fora de Itabuna. Como foi?
Vivi um período de cinco anos no Rio de Janeiro, a partir de 1966. Lá, atuei como redator de “O Jornal” e “Jornal do Comércio”, dos “Diários Associados”. Fui colaborador do “Jornal do Escritor”, de José Louzeiro, redator da “Revista do Turismo” e de “Posto de Serviço”, editadas por Fernando Leite Mendes e Sebastião Nery. Publiquei no “Suplemento do Livro” do “Jornal do Brasil”, editado por Assis Brasil, revistas “Cadernos Brasileiros”, de José Valadares, “Leitura”, de Barbosa Melo, e “A Cigarra”, editada por Herberto Sales e José Cândido de Carvalho. Nesse tempo conheci os escritores Adonias Filho, Herberto Sales, José Cândido de Carvalho, Nélida Piñon, Assis Brasil. Estreitei a amizade com Hélio Pólvora e Sonia Coutinho. Foi um período muito rico em minha vida de jornalista e escritor iniciante, tempo de saudosas lembranças.
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Durante algum tempo atuou no jornalismo grapiúna. Trabalhou em algum jornal? Teve colunas fixas?
Atuei no jornalismo local durante grande parte de minha vida, como colaborador com textos, crônicas, contos e poemas. Assinei a coluna “O Aprendiz de Cultura” no jornal “SB Informações e Negócios”, de Hélio Nunes e Nelito Carvalho. Fiz no ambiente de jornal amizade com Célio Nunes e Roberto Junquilho, bons redatores, e o cronista Manoel Lins. Assinei durante anos uma crônica semanal para o “Diário Bahia”. Colaborei também no jornal “Agora”, de José Adervan, e “Cacau/Letras”, editado por Hélio Pólvora. Hoje colaboro, quinzenalmente, com textos de assunto diverso no jornal “A Região”.
17
E a experiência como diretor da F.I.C.C.? Foi satisfatória?
Não em muitos aspectos. Não tive autonomia para
formar uma equipe como desejava. A verba destinada à FICC pelo Executivo
Municipal mal dava para pagar os funcionários. Não tive apoio em certas
demandas cujos direitos reivindiquei porque pertenciam à instituição. Fiquei
por lá quase três anos, engolindo cobras e lagartos, principalmente por parte de
jornalistas tendenciosos, que se julgavam donos da cultura local. Apesar de tudo, com funcionários leais,
dedicados e competentes, realizamos eventos culturais.
Saudável com a Academia de Letras da Bahia e de Ilhéus. Com a Academia de Letras de Itabuna, da qual sou membro fundador e atual Presidente de Honra, tenho momentos de encanto e desencanto. Por estar mais perto dessa instituição, que ajudei a fundar e crescer, talvez, a convivência às vezes não seja fácil. Procuro dar às três entidades o que posso de mim, buscando sempre contribuir para a afirmação e valorização de cada uma, apoiado na ética, cumprindo suas finalidades estatutárias.
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Qual é a importância do estilo literário?
O romancista e crítico Assis Brasil me disse certa vez que o estilo salva o escritor. Quando se fala em Guimarães Rosa logo vem à mente a sua marca na escrita com o canto e plumagem das palavras, em José J. Veiga a impressão digital está na simplicidade para fazer do fantástico uma experiência real, em Jorge Amado vem à tona a sensualidade de sua linguagem, espontânea, fraterna com os excluídos, em nível da fala coloquial. Já em Adonias Filho temos um narrador de estilo elíptico, poético, sempre denso e dramático. Assim cada escritor se expõe com a sua expressão digital para dizer do mundo e dá permanência à sua criação.
20
O que pensa do vácuo entre um livro e outro? Qual o sentimento neste espaço de tempo?
Porque estou aposentado, de uns anos para cá tenho escrito mais, não sinto esse vácuo. Em certa fase de minha vida, quando fui advogado, e o tempo para escrever literatura ficava absorvido pela profissão que exercia, senti esse vácuo feito de angústias e sonhos. Hoje, embora com o tempo curto, o corpo reclamando com a idade avançada, aproveito o máximo para prosseguir na jornada. Sinto que está chegando a hora de parar. Se escrevo morro, se não escrevo, morro também, disse Gabriel García Márquez. Adianto que ainda temos quinze livros inéditos. Isso me preocupa, publicar um livro de literatura no Brasil sempre foi difícil, hoje pior ainda, temos mais autores do que leitores, as livrarias desapareceram, as revistas e os suplementos literários, vivemos os tempos da linguagem visual, instantânea e consumista. Quando partir para os domínios de João Terrão como vai ser para que nossos livros inéditos sejam publicados? Meus filhos têm outra visão de mundo, embora Josefina, defensora pública na Comarca de Conquista, goste muito de ler.
21
Os seus livros tiveram a repercussão merecida? Qual o seu preferido?
Receberam prêmios relevantes no Brasil e exterior, são adotados na escola e universidade, alguns sofrem reedições, outros estão esgotados. São adquiridos pelos programas de governo para distribuição nos colégios e espaços de cultura. O pequeno livro “Vinte Poemas do Rio” foi indicado para o vestibular da UESC durante três anos, vendeu cerca de vinte mil exemplares. Entre meus livros preferidos cito “Os Brabos”, “O Menino Camelô”, infantil, “Cancioneiro do Cacau”, “Os Ventos Gemedores”, “Infância com Bicho e Pesadelo e Outras Histórias”, “Vinte e Um Poemas de Amor”, sem esquecer os três pequenos volumes inspirados no rio Cachoeira. É difícil escolher um. Fico contente por ser traduzido por excelentes tradutores. Alegre como autor Ilustrado por Juarez Paraíso, Santi Scaldaferri e Calazans Neto. Que mais posso querer? O tempo julgue.
22
Gostaria de falar de algumas situações que o deixam desolado e, por outro lado, de situações que, eventualmente, o deixam animado?
Ao nosso ver, o problema não é de esquerda nem de direita. É do próprio homem, que ainda não se desgarrou do tempo da caverna, tornou-se estranho à natureza. Vem escrevendo sua história às avessas, mais para urubu do que para sabiá. Há milênios não aprendeu a amar os outros. Vamos escutar os passarinhos, não há remédio melhor. Sustentar esse planeta, a morada de todos nós, com a leveza de ser na sua canção azul. Bom mesmo é o homem ter criado as artes, as ciências e os esportes.
23
Como é que encara a morte?
Digo como meu personagem do conto “Sina”, do livro “Os Recuados”, “só sei quem nos botou aqui em cima, deve saber tirar ainda melhor.”
24
Qual o seu livro mais recente. O que diz dele?
“A Mulher que Virou Beija-flor e Outras Crônicas” é o meu sexto livro no gênero. A capa é do genial Juarez Paraíso, muito bonita, e o prefácio é do jornalista e cronista Henrique Fendrich, editor da revista “Rubem”, na qual só publica cronistas, eu sou um deles, quinzenalmente. Como nos anteriores, nesse livro recente entra minha infância como expressão do sonho e liberdade, se faz presente com as pegadas da ternura. Nos textos de diversos assuntos, entre o jornalismo e a literatura, há sempre um certo lirismo que vem do que vejo e sinto, mexe comigo através de seres e coisas, como resultado de uma experiência de vida. Os críticos acham que sou um cronista da memória, vinculado à minha cidade, mas não se pode deixar de considerar que também faço incursões na cidade moderna, onde falo de amigos que já se foram para o outro lado, de momentos flagrados nas pessoas velhas com a sua poesia e fala cheia de afetividade. Nesse tom com afeto é como meu novo livro de crônicas apresenta-se, procuro trazer com ternura as marcas dos outros que escrevi no gênero.
25
O que anda escrevendo?
Acabei de escrever um romance que acontece numa cidade imaginária, onde mulheres sucumbem pelas vilezas machistas de uma união matrimonial montada para preservar a identidade familiar e a expansão do patrimônio. Pobres mulheres, utilizadas como objeto, ao prazer do chefe, como servas da cama e mesa. De destinos tramados para a humilhação, uso e abuso, no palco da passividade acobertadas de tristeza e melancolia. Escrevi durante quatro meses, em transe, quase não dormir no diálogo dolorido com essas mulheres, de triste sina, triste final. Estão no mundo como sofredoras resignadas do ver, entrelaçadas por conduta impiedosa. Juntas se tornam pelo destino como protagonistas do romance negativo da vida.
26
Concluindo, lembrarei alguns escritores e poetas grapiúnas. Se possível, resuma em poucas linhas algo sobre cada um. O que desejar. Importância literária, momentos de amizade etc.
FLORISVALDO MATTOS
(1932. Uruçuca / Bahia)
(1932. Uruçuca / Bahia)
Meu amigo e patrício. Poeta de minha admiração. De
lastro clássico, versos extensos. De
estro enorme, no épico, histórico, solidariedade social, evocativo do campo com
fatura lapidar. Desde o início, o bardo
de Água Preta une o eu lírico ao artesão da palavra com os instrumentos do
sonho, sonoridades e metáforas incandescentes de esperança resultando no
discurso vigoroso, encanta a quem lê.
HÉLIO PÓLVORA
(1928 – 2015. Itabuna / Bahia)
(1928 – 2015. Itabuna / Bahia)
Meu conterrâneo, deu-me o prazer de ser o primeiro
crítico que se debruçou sobre um livro de nossa autoria, foi muito generoso,
não precisava tanto. É visível que a vocação desse contista tende para as intenções
de recolher e transformar na arte genuína as impressões que a vida propõe nos
momentos habitados por vozes vertiginosas. Seu conto “Os Galos da Aurora” é um
primor da prosa de ficção curta. Bastava que escrevesse as quatros narrativas
antológicas de “Mar de Azov” para ter seu lugar assegurado na literatura
moderna brasileira.
JORGE AMADO
(1912 – 2001. Itabuna / Bahia)
(1912 – 2001. Itabuna / Bahia)
Homem de coração bom. Mantivemos uma boa relação
de amizade. Também nascido em terras de
Itabuna. Escritor grandão, de linguagem sensual, despretensiosa, em sua maneira
fraternal de conceber o mundo. Para ele é mais importante o conteúdo, muitas
vezes interligado na trama, do que a palavra com a qual a vida é recriada.
Construtor de personagens que ficam para sempre. Faz pensar e ao mesmo tempo
rir sua mensagem de esperança, muitas vezes de fraternidade, vozes cheias de liberdade
na escrita irreverente.
JORGE MEDAUAR
(1918 – 2003. Uruçuca / Bahia)
(1918 – 2003. Uruçuca / Bahia)
Também foi poeta, esse contista de Água Preta, de
estilo simples, cheio de humanidade ingênua em suas histórias que prendem, desenhadas
como flagrantes da vida diária na cidade pequena. Criou seu feudo literário recheado
dos costumes de seu tempo, como antes fez Sherwood Anderson com os contos que acontecem
na imaginária Winesburg, Ohio, cidadezinha industrial no Meio-Oeste dos Estados
Unidos, em 1919. Esse escritor de sangue árabe reveste-se de uma prosa gostosa
de escutar, ler no bilhete, carta, notícia do jornal. Aparentemente fácil, nos seus contos há muita observação da
vida documentada com sensibilidade.
SONIA COUTINHO
(1939 – 2013. Itabuna / Bahia)
(1939 – 2013. Itabuna / Bahia)
Nascida em Itabuna, cedo mudou-se com a família
para Salvador. Viveu no Rio de Janeiro onde exerceu o jornalismo e a tradução
para sobreviver. Na traiçoeira invenção da vida, os fados não lhe permitiram
que desfrutasse do lado azul da canção. Ficcionista de solidão em família, de
atritos e conflitos, pungentes, doloridos. Um momento singular da ficção
brasileira, ao nível de Clarice Lispector e Lígia Fagundes Telles.
SOSÍGENES COSTA
(1901 – 1968. Belmonte / Bahia)
(1901 – 1968. Belmonte / Bahia)
Poeta nascido em Belmonte, que lhe inspirou “Iararana”,
seu mito nativista. Quando viveu em
Ilhéus, viu a cidade como um búfalo fosfóreo, inventou uma sereia que se despiu
do mito, depois de ter lido Marx e Freud, e deu uma festa no mar. Poeta de
signos irregulares, mesclado nas vertentes barroca, parnasiana, simbolista,
modernista e popular. De tardia repercussão nas letras brasileiras. Desenhou a
flor do cacau toda orvalhada e moça. Mostrou que na lira não habitam somente versos
malditos, também existem as flores, os pavões de audição colorida, fazendo a
vida rútila e festiva.
TELMO PADILHA
(1930 – 1997. Itabuna / Bahia)
(1930 – 1997. Itabuna / Bahia)
Nascido em Ferradas, distrito de Itabuna, onde
também nasceu Jorge Amado. Em seu “Voo
Absoluto” há uma difícil travessia, exposta aos olhos como impossível de
aceitar. Seu discurso aprofunda-se nos temas impregnados de perda, fuga, medo,
solidão e morte. Em “Provação”, livro póstumo, o clima lírico do eu sereno está
impossibilitado de acolher a adversidade da vida armada pelo fato estúpido,
inexplicável, da derradeira verdade. A
tragédia que ceifou o filho amado vem ao debate através do eu reflexivo,
lamento em grito, em que a palavra aflora intensa na dor, emerge das silabas
feridas na alma em delírio, do coração que sangra, e não tem cura. Um livro que
merece uma edição digna de um poeta verdadeiro.
VALDELICE PINHEIRO
(1929 – 1993. Itabuna / Bahia)
(1929 – 1993. Itabuna / Bahia)
Outra poeta nascida em Itabuna. Seus poemas bem
construídos integram-se no repertório valoroso da poesia produzida na Bahia.
Atestam que, se a melhor poesia produzida no Brasil hoje está no Nordeste, como
foi lembrado pelo tradutor e poeta Ivan Junqueira, acontece principalmente na
Bahia. E, entre os baianos, Valdelice Soares Pinheiro tem sua voz, sua
impressão digital, seu talento, sua ideia imaginada com precisão e saber, que
se inscreve em patamar de afirmativo nível literário.
A OBRA de CYRO de MATTOS
FICÇÃO
Os BRABOS (1979)
DUAS NARRATIVAS RÚSTICAS (1985)
Os RECUADOS (1988)
NATAL das CRIANÇAS NEGRAS (2011)
BERRO de FOGO e OUTRAS HISTÓRIAS (2013)
Os VENTOS GEMEDORES (2015)
O VELHO e o VELHO RIO (2016)
TODO o PESO TERRESTRE (2015)
FISSURAS e RUPTURAS: VERDADES (2017)
HISTÓRIAS de ENCANTO e ESPANTO (2019)
PEQUENOS CORAÇÕES (2020)
NADA ERA MELHOR (2020)
INFÂNCIA com BICHO e PESADELO
FICÇÃO
Os BRABOS (1979)
DUAS NARRATIVAS RÚSTICAS (1985)
Os RECUADOS (1988)
NATAL das CRIANÇAS NEGRAS (2011)
BERRO de FOGO e OUTRAS HISTÓRIAS (2013)
Os VENTOS GEMEDORES (2015)
O VELHO e o VELHO RIO (2016)
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PEQUENOS CORAÇÕES (2020)
NADA ERA MELHOR (2020)
INFÂNCIA com BICHO e PESADELO
e OUTRAS HISTÓRIAS (2021)
REPÚBLICA PINAPÁ do PIRIPICADO (2022)
HISTÓRIAS BRASILEIRAS (2023)
REPÚBLICA PINAPÁ do PIRIPICADO (2022)
HISTÓRIAS BRASILEIRAS (2023)
Do
MENINO se FEZ o HOMEM (2024)
CRÔNICA
O MAR na RUA CHILE (1999)
ALMA MAIS QUETUDO (2006)
O VELHO CAMPO da DESPORTIVA (2010)
Um GRAPIÚNA em FRANKFURT (2013)
GABRIEL GARCÍA
MÁRQUEZ e OUTRAS CRÔNICAS (2021)
A MULHER QUE VIROU BEIJA-FLOR
e OUTRAS CRÔNICAS (2025)
POESIA
CANTIGA GRAPIÚNA (1981)
No LADO AZUL da CANÇÃO (1984)
A MULHER QUE VIROU BEIJA-FLOR
e OUTRAS CRÔNICAS (2025)
POESIA
CANTIGA GRAPIÚNA (1981)
No LADO AZUL da CANÇÃO (1984)
LAVRADOR INVENTIVO (1984)
VIAGRÁRIA (1988)
CANCIONEIRO do CACAU (2002)
Os ENGANOS CATIVANTES (2002)
VINTE POEMAS do RIO (2003)
CANTO a NOSSA SENHORA das MATAS /
GESANG auf UNSELE LIEBE FRAU
von DEN WÄLDERN (2004)
De CACAU e ÁGUA / Of CACAO and WATER (2006)
POEMAS ESCOLHIDOS / POESIE SCELTE (2007)
VINTE e um POEMAS de AMOR (2011)
ECOLÓGICO (2013)
ONDE ESTOU e SOU / DONDE ESTOY Y SOY (2013)
A CASA VERDE e OUTROS POEMAS (2014)
POEMAS de TERREIRO e ORIXÁS (2019)
POEMAS IBERO-AMERICANOS (2020)
O DISCURSO do RIO (2020)
DEVOTO do CAMPO (2020)
GUITARRA de SALAMANCA (2022)
ÁGUAS de MEU RIO (2022)
CAPANGA de SONETOS (2023)
ZURUBUBURANA (202
ENSAIO
A ANOTAÇÃO e a ESCRITA (2016)
As CRIAÇÕES de ADONIAS FILHO (2017)
PROSA e POESIA no SUL da BAHIA (2020)
KAFKA, FAULKNER, BORGES e
OUTRAS SOLIDÕES IMAGINADAS (2021)
Os SABERES nas NARRATIVAS de JORGE AMADO (2022)
OLHARES do LEITOR (2024)
TEXTOS DISPERSOS
AQUELA FACULDADE, PROSA e VERSO (2007)
A ESTRADA das LETRAS (2017)
LITERATURA INFANTOJUVENIL
O MENINO CAMELÔ (1991)
PALHAÇO BOM de BRIGA (1993)
O CIRCO do CACARECO (1998)
HISTÓRIAS do MUNDO QUE se FOI (1997)
O GOLEIRO LELETA e OUTRAS FASCINANTES
HISTÓRIAS de FUTEBOL (2005)
O MENINO e o BOI do MENINO (2007)
O MENINO e o TRIO ELÉTRICO (2007)
RODA da INFÂNCIA (2009)
LOROTAS, CARETAS e PIRUETAS (2011)
O QUE EU VI POR AÍ (2014)
ORATÓRIO de NATAL (2014)
O CIRCO no QUINTAL (2014)
MINHA TURMA AGORA DORME (2015)
MINHA FEIRA TUDO TEM COMO ONDA VAI VEM (2015)
A POESIA é um MAR, VENHA COMIGO NAVEGAR (2022)
EXISTE BICHO BOBO? (2022)
RESPONDA CERTO se FOR ESPERTO (2022)
TIQUINHO de TERNURA (2022)
A POESIA de CALÇA CURTA (2022)
O MUNDO é uma CRIANÇA
De CACAU e ÁGUA / Of CACAO and WATER (2006)
POEMAS ESCOLHIDOS / POESIE SCELTE (2007)
VINTE e um POEMAS de AMOR (2011)
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ONDE ESTOU e SOU / DONDE ESTOY Y SOY (2013)
A CASA VERDE e OUTROS POEMAS (2014)
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POEMAS IBERO-AMERICANOS (2020)
O DISCURSO do RIO (2020)
DEVOTO do CAMPO (2020)
GUITARRA de SALAMANCA (2022)
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A ANOTAÇÃO e a ESCRITA (2016)
As CRIAÇÕES de ADONIAS FILHO (2017)
PROSA e POESIA no SUL da BAHIA (2020)
KAFKA, FAULKNER, BORGES e
OUTRAS SOLIDÕES IMAGINADAS (2021)
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HISTÓRIAS do MUNDO QUE se FOI (1997)
O GOLEIRO LELETA e OUTRAS FASCINANTES
HISTÓRIAS de FUTEBOL (2005)
O MENINO e o BOI do MENINO (2007)
O MENINO e o TRIO ELÉTRICO (2007)
RODA da INFÂNCIA (2009)
LOROTAS, CARETAS e PIRUETAS (2011)
O QUE EU VI POR AÍ (2014)
ORATÓRIO de NATAL (2014)
O CIRCO no QUINTAL (2014)
MINHA TURMA AGORA DORME (2015)
MINHA FEIRA TUDO TEM COMO ONDA VAI VEM (2015)
A POESIA é um MAR, VENHA COMIGO NAVEGAR (2022)
EXISTE BICHO BOBO? (2022)
RESPONDA CERTO se FOR ESPERTO (2022)
TIQUINHO de TERNURA (2022)
A POESIA de CALÇA CURTA (2022)
O MUNDO é uma CRIANÇA
conto de Cyro de Mattos
- Seu nome?
- Diacuí.
- Casada?
- Sem homem.
- Idade?
- Sei não.
- Vive de quê?
- Vender pente, espelhinho e outras coisas miúdas.
- Quantos filhos?
- Oito com Dianuri.
- Os outros vivem com você?
- Estão por aí espalhados pelo mundo.
- Quando foi que comprou o querosene?
- Pela tarde. Tinha ido comprar um pouco de sal e café na barraca de Pedro Mineiro.
Foi aí que eu vi a lata de querosene lá no canto e me lembrei de Dianuri.
- Você não sabia que o fogo podia pegar rápido nos barracos vizinhos? - o delegado pergunta, observando que a feira ia virar cinza em pouco tempo, se o povo todo não chega depressa com as latas cheias d’água.
- Só queria botar fogo nele.
Sensação de mal-estar percorre os cantos da sala pequena.
Murmúrios saem das pessoas que se apertam na porta, janela e do lado de fora.
O delegado recua um pouco na cadeira.
Passa o lenço na testa.
- Quem dava dinheiro pra ele beber?
- O povo daqui mesmo da feira.
- Você não sabia que ele era seu filho?
Uma careta desenha-se no rosto da mulherzinha, puxa os olhos e se forma de maneira sofrida.
- Eu não agüentava mais. Ele só chegava em casa bêbado. Parecia um bicho. Não tinha dia que não fosse achar ele dormindo na sarjeta.
Pára novamente, faz um esforço e continua.
- Tinha vez que ele batia com a cabeça na porta, falava pra ele mesmo: bicho feio, bicho imundo, bicho besta, camacã que não presta pra viver na cidade.
“Lugar de índio é no meio da sua gente, lá no mato”, repetia, soluçando.
A mulherzinha pára mais uma vez, aperta as mãos pequenas, respira fundo. Toma fôlego.
- Ele era meu filho... mas na hora, seu delegado, só fiquei pedindo que o fogo queimasse logo ele de uma vez.
O delegado manda que leve a mulherzinha para cubículo nos fundos da delegacia, que serve como cela.
Opiniões desencontradas saem agora da pequena multidão no lado de fora. Vozes confusas comentam sobre a confissão que Diacuí havia acabado de fazer ao delegado. No meio da multidão, um homem velho nada diz sobre a confissão da mulherzinha.
Permaneceu calado durante todo o interrogatório em que Diacuí havia sido submetida. Sua expressão de rancor é a de quem acabou de provar o lado amargo da vida ligado ao amor em toda a sua extensão. Ele mora num barraco vizinho ao de Diacuí.
Conhece a dor que a mulherzinha carregava no peito, drama que vinha sendo sustentado por ela em ombros tão pequenos. Ela via o filho bêbado todos os dias e nada podia fazer para afastá-lo da vida infeliz que levava. Pobre diabo que andava pelas ruas da cidade sem rumo, falando bobagens pela boca que nunca parava.
O mormaço do dia envolve a sala vazia nesse instante.
Luz do céu vidra a manhã lá fora, reverbera sobre as coisas na feira.
A mulherzinha transpira tremores misturados com cinzas. Há suspiros fundos, profundos, no cubículo quase sem luz. Minutos passam num ritmo que fere quando ela começa a lembrar o que tinha de ser. Até que chega essa brisa para envolvê-la, trazendo certo alívio no peito que não pára de gemer. A brisa permanece no rosto sob a pele enrugada, em carícia de lenço. Nos olhinhos de sagüi, que piscam nervosos. Vermelhos e úmidos.
O SUL da
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