junho 08, 2014

......................... INÊS de CASTRO, A RAINHA MORTA

o túmulo de inês de castro

Em 1340, a bela espanhola Inês de Castro muda-se para Portugal no séquito de D. Constança, noiva castelhana do príncipe D. Pedro, herdeiro de D. Afonso IV, rei de Portugal. Dama de linhagem fidalga, filha de um nobre guerreiro, era parente de D. Pedro, seu primo em segundo grau. De olhos brilhantes, rosto delicado e cabeleira abundante, a formosa moça atraiu imediatamente D. Pedro. A convivência cobiçada levou o Infante a uma paixão que não conseguia disfarçar. A saúde precária de D. Constança, além dos desgostos de uma vida amargurada, não permitiram que vivesse muito, morrendo de parto, logo a seguir ao nascimento da filha Maria, em 1345, ficando livre D. Pedro para cair publicamente nos braços de Inês.


A questão do romance adúltero entre D. Pedro e Dona Inês preocupava o velho soberano D. Afonso IV. Ele resolveu encontrar uma solução, obrigando a amante do filho a exilar-se em Albuquerque, na região entre Castela e Portugal. Frustram-se, no entanto, as intenções do rei. De fato, não separou os apaixonados, que se comunicavam por cartas levadas e trazidas secretamente. O amor de Pedro e Inês, longe de amortecer, tornou-se sólido e capaz de superar obstáculos e adversidades. Era tão ardente e profundo o sentimento do casal que D. Pedro, contra a ordem do pai, mandou trazer Dona Inês para Coimbra. Começava uma nova fase para os dois, finalmente juntos. O rei continha, apesar de tudo, o seu furor por tal desobediência. Ele não desejava entrar em guerra com o herdeiro, sabia como eram terríveis as contendas familiares e o desgosto que causaria a Dona Beatriz, sua mulher. A existência de D. Pedro e da linda Inês era feliz. Habitavam em Santa Clara, na margem esquerda do rio Mondego. Ali nasceram seus filhos: o primeiro chamou-se Afonso, em homenagem ao avô, mas morreu ainda criança; os outros, João, Diniz e Beatriz, sobreviveram.


Dez anos passados do falecimento de Dona Constança, os conselheiros da Corte ainda continuavam repetindo a D. Afonso IV que havia um grande perigo para o futuro do país se Dona Inês se tornasse rainha. Ela pertencia à nobre família dos ambiciosos Castros, que tinha pretensões ao trono castelhano. Poderia dar-se o caso de um filho de Dona Inês vir a ser rei, ainda que para tal fosse preciso matar o legítimo herdeiro do reino, D. Fernando, filho de D. Constança. Não era difícil imaginar que a família Castro pudesse tomar o poder nos dois estados ibéricos, pondo fim à independência portuguesa. O ano de 1355 ia testemunhar uma tragédia de sangue. O príncipe D. Pedro nem presumia o que estava para acontecer quando se despediu de Inês e seus filhos para caçar, a cavalo, pelos montes e florestas da Beira, com nobres e escudeiros. Por aqueles dias, D. Afonso IV reuniu os conselheiros de Estado Diogo Lopes Pacheco, Álvaro Gonçalves e Pero Coelho para decidir sobre o destino de Inês de Castro. No dia 7 de Janeiro, ao cair da noite, Inês de Castro foi surpreendida pela chegada do rei e dos conselheiros. Não houve lágrimas que impedissem a execução da vítima, degolada pelo machado do carrasco.


Ao tomar conhecimento da morte de Inês, D. Pedro arrebatou se revoltou. Seu temperamento intempestivo reagiu com a ferocidade de um tigre ferido. Chamou às armas nobreza e povo de sua confiança, levantou Trás-os-Montes e Douro pela sua causa e desafiou o rei, seu pai, para a guerra. Felizmente, a intervenção da rainha D. Beatriz conseguiu evitar o pior. Quando subiu ao trono, no ano de 1357, D. Pedro depressa esqueceu o perdão dado aos inimigos. O ódio fez com que atirasse os conselheiros no calabouço; escapou, por sorte, Diogo Lopes Pacheco, que fugiu a tempo para a França. A vingança consumou-se nos paços de Santarém. D. Pedro mandou amarrar as vítimas, cada uma a seu poste de suplício, enquanto os cozinheiros de corte preparavam um lauto banquete de cerimônia. O rei não poupou requintes de horror no castigo implacável. Mandou o carrasco arrancar o coração de um pelas costas e do outro pelo peito. Por fim, ainda teve coragem de arrancar com os dentes pedaços dos corações.


Preservando a memória de Inês de Castro, D. Pedro mandou esculpir dois túmulos, um para ela, outro para ele. Colocados lado a lado, tornariam-se os grandes expoentes da arte tumular medieval portuguesa. Os baixos relevos do túmulo de D. Inês representam cenas da vida de Jesus, da ressurreição e do juízo final. Sobre a tampa está esculpida a imagem de Inês, de corpo inteiro, com coroa na cabeça como se fora rainha. As esculturas do túmulo de D. Pedro representam cenas da vida dos dois apaixonados, desde a chegada de Inês a Portugal. Por sua ordem, os dois túmulos foram colocados dentro da igreja, à mão direita, na capela-mor do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em 1361, D. Pedro manda trasladar os restos mortais de D. Inês, do Mosteiro de Santa Clara ao Mosteiro de Alcobaça. Eles seguem em liteira de luxo, conduzida por cavaleiros, acompanhada por nobres, clérigos, burgueses e plebeus. Pelo caminho, muita gente com círios nas mãos. No Mosteiro, missas e solenidade para depositar os restos de Inês em túmulo. D. Pedro força os nobres a prestar vassalagem a D. Inês, obrigando-os as beijar a mão do cadáver apodrecido. Até nasceu a lenda de que o rei se desvairou a ponto de fazer coroar Inês. Ele nunca mais voltou a casar, morrendo em 1367. O seu corpo foi depositado no túmulo ao lado de Inês de Castro.


O amor de Pedro e Inês inspirou não apenas gerações de artistas portugueses, mas de todo o mundo. Foi tema de ópera na Itália, de zarzuela na Espanha, de romance e tragédia na França, de peças teatrais, poemas, pinturas, filmes, séries de TV etc. O poeta Luís de Camões foi um dos primeiros a celebrar a tragédia na epopéia Os Lusíadas. Victor Hugo, ainda adolescente, escreveu uma peça teatral sobre o tema. Encantado com Inês de Castro, desde que visitei pela primeira vez o Mosteiro de Alcobaça, li bastante sobre a sua vida. “De Noite, em Sonhos que Mentem”, um drama teatral em três atos, é a minha homenagem à trágica e sedutora espanhola.


ACENHEIRO, Cristovam Rodrigues. Coronyqua dos Reis de Portugal, tomo V. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1939.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Apres. de Emanuel Paulo Ramos, Porto: Porto, 2000.
SARAIVA, José Hermano. História Concisa de Portugal. 13ª ed. Mem Martins: Europa-América, 1989.
SCHEREMETA, Antônia Ariete et alii. Comparação do drama de Inês de Castro em Camões e em Garrett. In: Publicação semestral para a divulgação da Cultura Portuguesa, vol. 1, nº 6. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1972.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. 5ª ed. Lisboa: Verbo, 1995, vol. I.
SOUTO, José Correia do. Dicionário de História de Portugal, vol. V. Lisboa: Zairol, 1985.


VASCONCELOS, António de. Inês de Castro. 2ª ed. Barcelos: Cia. Ed. do Minho, 1933
Imagens: 
MOSTEIRO DE ALCOBAÇA (Portugal)


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