Claude
Lévi-Strauss diz que o odor e a audição são os sentidos mais próximos da alma.
As fotos de MIGUEL RIO BRANCO concedem à visão a mesma proximidade e
imediatismo que deveriam ser privilégios dos sons e das fragrâncias. Suas
imagens exalam, secretam, inebriam, exsudam, tresandam – de maneira instantânea
e fulminante. São palpáveis e degustáveis. Sua sensualidade é visceral,
ardente, desconcertante. Daí a pertinência de sua citação do antropólogo:
“Antes de mais nada, penso no Brasil como um perfume queimado.” A
fotografia brasileira tem dois grandes coloristas: Miguel Rio Branco e Walter
Firmo. Firmo é lírico, Miguel Rio Branco é trágico. Firmo é impressionista,
Miguel Rio Branco é expressionista. Firmo tem a jovialidade do chorinho. MIGUEL
RIO BRANCO, o dilaceramento e a pungência estridente do tango – mas com urucum
e tintura de pau-brasil na veia. Eis o que diz Sebastião Salgado sobre ele: “Capta a umidade das cores tropicais do Brasil, a fera luz que
transfigura rosas, verdes e azuis. Ele entra no espírito da cor, penetrando seu
âmago como nenhum outro fotógrafo de hoje que trabalha com a cor. Talvez se
beneficie do fato de ser também artista plástico e cineasta: usa a cor como um
pintor e a luz como quem faz cinema.”
Suas
fotos evocam Goya e Francis Bacon. Personagens em carne viva, pesadelos
grotescos, penumbras espanholas. Uma geografia física e humana que se endente
de Sevilha, Paris, Bilbao a Salvador, Rio, Marabá, passando por Havana e a Nova
Iorque dos chicanos e dos mendigos do Bowery. Ele trabalha muito com marginais.
Suas naturezas mortas são também marginais: tatuagens, cicatrizes, mutilações,
inscrições pungentes, ladrilhos rachados, paredes violetas, remendos, couros furados. MIGUEL RIO BRANCO é a luz de seu
país sofrido, com iemanjás nas prateleiras. Suas fotos tendem às vezes à
abstração e lembram a aniagem de Burri, as garrafas de Morandi, os violetas
exaltados de Yves Klein, as prisões sombrias de Piranesi e a arte bruta de
Dubuffet. Sua passagem por um matadouro nos remete a Rembrandt e a Soutine.
“Entre os Olhos o Deserto” (1997), uma de
suas instalações, foi feita com três projeções nas quais mais de 400 imagens se sucedem. A variedade de
tempos e a combinação de imagens criam um ritmo hipnótico, acentuado por fusões
e sobreposições. Realizada em 1996, no “In-Site”, uma exposição bienal que
ocorria na fronteira entre México e Estados Unidos, a obra trata da aproximação
de dois gêneros clássicos da fotografia: o retrato e a paisagem. De um lado,
retratos de olhos, de outro, registros do deserto e da fronteira, cenas urbanas
e de ruínas, todos locais carregados de nostalgia. A trilha sonora combina
canções populares norte-americanas com a música “Gymnopédie n.1”, de Erik Satie
(1866 - 1925). Em
instalações criadas na década de 1990, exibe projeções fotográficas juntamente
com recortes de jornais, cacos de espelhos ou retalhos de tecido. O espectador
percorre assim um mundo em fragmentos, composto por imagens dramáticas.
Utilizando recursos como transparências, justaposições, cortes e colagens, MIGUEL
RIO BRANCO cria situações de continuidade e descontinuidade. Para alguns
críticos, sua produção situa-se no limite entre arte, fotografia e cinema.
O
escritor João Antônio, que trabalhou com ele na série dedicada à Academia de
Boxe Santa Rosa, na Lapa, disse: “Suas fotos não são populistas. São cruéis,
mas equilibradas por uma autêntica candura.” E no ensaio de David Levi Strauss,
que abre um de seus livros, a propósito da sua poesia trágica: “Ela se
concentra em dois pontos essenciais – a coragem e a inelutabilidade da derrota.
Isso é representado pelas imagens, mais do que ilustrado por elas.” Essas
imagens são originais, inéditas, nunca dão a sensação de déjà vu. A obra de MIGUEL RIO BRANCO provoca sensações fortes de
erotismo, dor, desolação, isolamento, perda, nostalgia, saudade, ardência, mas
sem usar adjetivos visuais. Ele é um poeta das coisas cabralinas, das texturas
– da pele morena e mameluca – da mancha de sangue como um toque rubro de Goeldi
no mundo sombrio.
BRASILEIRO do MUNDO
Filho
de diplomata, 68 anos, nasceu na Espanha, onde morou até os três anos. O
detalhe geográfico, entretanto, não o impede de se considerar um brasileiro
acima de tudo. Brasileiro do mundo: morou na Suíça, EUA, Portugal e Argentina. Um
dos mais destacados fotógrafos brasileiros do cenário contemporâneo, sua
carreira profissional começou em 1964 com uma exposição de pintura em Berna,
Suíça. Em 1966, estudou no New York Institute of Photography e em 1968 na
Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro. No início dos anos
1970, trabalhou como fotógrafo e dirigiu filmes experimentais. Em 1972, começou
a expor seus trabalhos de fotografia e continuou a dirigir curtas e longa metragens durante os nove anos seguintes. Dentre seus
curtas-metragens, “A Jaula” (1969) e “Apaga-te Sésamo”
(1985). Dentre seus longas-metragens podemos citar “Revólver de Brinquedo”
(1971) e “Dayse das Almas deste Mundo” (1991).
Desde
1980 é correspondente da Magnum Photos. Entre os seus prêmios de fotografia, o
Grande Prêmio da Primeira Trienal de Fotografia do MAM de São Paulo (1980) e o
Prix Kodak de la Critique Photographique, Paris (1982). Participou de mostras
renomadas e exposições individuais ao redor de todo o mundo. Sua obra figura
entre as principais coleções de arte, dentre as quais a do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro (MAM); Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP); Centro
George Pompidou, Paris; San Francisco Museum of Modern Art; Stedelijk Museum,
Amsterdam; Museum of Photographic Arts of San Diego; Metropolitan Museum of New
York etc. As fotografias de MIGUEL RIO BRANCO foram publicadas em inúmeras revistas
de prestígio: Stern, National Geographic, Geo, Aperture, Photo Magazine, Europeo,
Paseante etc.
Seu
trabalho sempre teve um acentuado aspecto experimentalista. Entrelaçando
fotografia artística e documental, construiu sua identidade na busca pessoal
por criar recortes da realidade ricos em poesia. Logo que começou a mostrar
suas fotos, destacou-se pela predileção por cores saturadas e pelo alto
contraste de suas imagens preto e branco. Conhecido principalmente por seu trabalho com a cor, explora
em suas fotos os contrastes cromáticos, a diluição dos contornos, os jogos de
espelhamentos e as diversas texturas, criando atmosferas por meio do uso da cor
e da luz. A passagem do tempo, a violência, a sensualidade e a morte são temas constantes.
Na série “Pelourinho” (1979), MIGUEL RIO BRANCO fotografa o Maciel, parte mais
antiga do bairro do Pelourinho, em Salvador, Bahia, local bastante degradado,
ligado à prostituição. Retrata pessoas com rostos na penumbra, marcados
por cicatrizes e também se interessa por casas arruinadas. Capta o
que resta de dignidade nas situações cotidianas do local, em ambientes cercados
pela violência e pela solidão.
Ele
também é conhecido por suas fortes opiniões. Num recente Paraty em Foco,
mostrou uma visão desmistificada acerca da função social do fotojornalismo: “A
fotografia humanitária que vai mudar o mundo é um blefe. Ela funciona por um
tempo, e não vai atingir muitas pessoas. Além disso, a questão da imagem está
absolutamente deturpada. Vivemos em um mundo em que tudo é marketing”,
analisou. Além disso, afirmou que a fotografia se liga a realidades que nem
sempre se quer ter contato e discorreu sobre os momentos em que sentiu
frustração: “Depois de um certo tempo, você não usa a fotografia para mostrar o
mundo. Usa a fotografia para mostrar você”. Quanto à fotografia brasileira, MIGUEL
RIO BRANCO diz: “Temos muita gente interessante, como Sebastião Salgado e Mário
Cravo. O que precisamos é de pessoas mais abertas a uma linguagem pessoal,
menos dependentes do mercado.” É autor dos livros “Dulce Sudor Amargo” (1985),
“Nakta” (1996), “Miguel Rio Branco”, “Silent Book” (1997) e “Entre os Olhos, o
Deserto” (2001).
4 comentários:
Adorei!
Lindo demais!
Gostei muito da materia e do trabalho do artista
este texto é ótimo!
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