janeiro 08, 2015

............................... MIGUEL RIO BRANCO: no ESPÍRITO da COR


 
 
 
Claude Lévi-Strauss diz que o odor e a audição são os sentidos mais próximos da alma. As fotos de MIGUEL RIO BRANCO concedem à visão a mesma proximidade e imediatismo que deveriam ser privilégios dos sons e das fragrâncias. Suas imagens exalam, secretam, inebriam, exsudam, tresandam – de maneira instantânea e fulminante. São palpáveis e degustáveis. Sua sensualidade é visceral, ardente, desconcertante. Daí a pertinência de sua citação do antropólogo: “Antes de mais nada, penso no Brasil como um perfume queimado.” A fotografia brasileira tem dois grandes coloristas: Miguel Rio Branco e Walter Firmo. Firmo é lírico, Miguel Rio Branco é trágico. Firmo é impressionista, Miguel Rio Branco é expressionista. Firmo tem a jovialidade do chorinho. MIGUEL RIO BRANCO, o dilaceramento e a pungência estridente do tango – mas com urucum e tintura de pau-brasil na veia. Eis o que diz Sebastião Salgado sobre ele: “Capta a umidade das cores tropicais do Brasil, a fera luz que transfigura rosas, verdes e azuis. Ele entra no espírito da cor, penetrando seu âmago como nenhum outro fotógrafo de hoje que trabalha com a cor. Talvez se beneficie do fato de ser também artista plástico e cineasta: usa a cor como um pintor e a luz como quem faz cinema.”


Suas fotos evocam Goya e Francis Bacon. Personagens em carne viva, pesadelos grotescos, penumbras espanholas. Uma geografia física e humana que se endente de Sevilha, Paris, Bilbao a Salvador, Rio, Marabá, passando por Havana e a Nova Iorque dos chicanos e dos mendigos do Bowery. Ele trabalha muito com marginais. Suas naturezas mortas são também marginais: tatuagens, cicatrizes, mutilações, inscrições pungentes, ladrilhos rachados, paredes violetas, remendos, couros furados. MIGUEL RIO BRANCO é a luz de seu país sofrido, com iemanjás nas prateleiras. Suas fotos tendem às vezes à abstração e lembram a aniagem de Burri, as garrafas de Morandi, os violetas exaltados de Yves Klein, as prisões sombrias de Piranesi e a arte bruta de Dubuffet. Sua passagem por um matadouro nos remete a Rembrandt e a Soutine.


“Entre os Olhos o Deserto” (1997), uma de suas instalações, foi feita com três projeções nas quais mais de 400 imagens se sucedem. A variedade de tempos e a combinação de imagens criam um ritmo hipnótico, acentuado por fusões e sobreposições. Realizada em 1996, no “In-Site”, uma exposição bienal que ocorria na fronteira entre México e Estados Unidos, a obra trata da aproximação de dois gêneros clássicos da fotografia: o retrato e a paisagem. De um lado, retratos de olhos, de outro, registros do deserto e da fronteira, cenas urbanas e de ruínas, todos locais carregados de nostalgia. A trilha sonora combina canções populares norte-americanas com a música “Gymnopédie n.1”, de Erik Satie (1866 - 1925). Em instalações criadas na década de 1990, exibe projeções fotográficas juntamente com recortes de jornais, cacos de espelhos ou retalhos de tecido. O espectador percorre assim um mundo em fragmentos, composto por imagens dramáticas. Utilizando recursos como transparências, justaposições, cortes e colagens, MIGUEL RIO BRANCO cria situações de continuidade e descontinuidade. Para alguns críticos, sua produção situa-se no limite entre arte, fotografia e cinema.


O escritor João Antônio, que trabalhou com ele na série dedicada à Academia de Boxe Santa Rosa, na Lapa, disse: “Suas fotos não são populistas. São cruéis, mas equilibradas por uma autêntica candura.” E no ensaio de David Levi Strauss, que abre um de seus livros, a propósito da sua poesia trágica: “Ela se concentra em dois pontos essenciais – a coragem e a inelutabilidade da derrota. Isso é representado pelas imagens, mais do que ilustrado por elas.” Essas imagens são originais, inéditas, nunca dão a sensação de déjà vu. A obra de MIGUEL RIO BRANCO provoca sensações fortes de erotismo, dor, desolação, isolamento, perda, nostalgia, saudade, ardência, mas sem usar adjetivos visuais. Ele é um poeta das coisas cabralinas, das texturas – da pele morena e mameluca – da mancha de sangue como um toque rubro de Goeldi no mundo sombrio.

miguel rio branco
BRASILEIRO do MUNDO

Filho de diplomata, 68 anos, nasceu na Espanha, onde morou até os três anos. O detalhe geográfico, entretanto, não o impede de se considerar um brasileiro acima de tudo. Brasileiro do mundo: morou na Suíça, EUA, Portugal e Argentina. Um dos mais destacados fotógrafos brasileiros do cenário contemporâneo, sua carreira profissional começou em 1964 com uma exposição de pintura em Berna, Suíça. Em 1966, estudou no New York Institute of Photography e em 1968 na Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro. No início dos anos 1970, trabalhou como fotógrafo e dirigiu filmes experimentais. Em 1972, começou a expor seus trabalhos de fotografia e continuou a dirigir curtas e longa metragens durante os nove anos seguintes. Dentre seus curtas-metragens, “A Jaula” (1969) e “Apaga-te Sésamo” (1985). Dentre seus longas-metragens podemos citar “Revólver de Brinquedo” (1971) e “Dayse das Almas deste Mundo” (1991).

Desde 1980 é correspondente da Magnum Photos. Entre os seus prêmios de fotografia, o Grande Prêmio da Primeira Trienal de Fotografia do MAM de São Paulo (1980) e o Prix Kodak de la Critique Photographique, Paris (1982). Participou de mostras renomadas e exposições individuais ao redor de todo o mundo. Sua obra figura entre as principais coleções de arte, dentre as quais a do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM); Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP); Centro George Pompidou, Paris; San Francisco Museum of Modern Art; Stedelijk Museum, Amsterdam; Museum of Photographic Arts of San Diego; Metropolitan Museum of New York etc. As fotografias de MIGUEL RIO BRANCO foram publicadas em inúmeras revistas de prestígio: Stern, National Geographic, Geo, Aperture, Photo Magazine, Europeo, Paseante etc.


Seu trabalho sempre teve um acentuado aspecto experimentalista. Entrelaçando fotografia artística e documental, construiu sua identidade na busca pessoal por criar recortes da realidade ricos em poesia. Logo que começou a mostrar suas fotos, destacou-se pela predileção por cores saturadas e pelo alto contraste de suas imagens preto e branco. Conhecido principalmente por seu trabalho com a cor, explora em suas fotos os contrastes cromáticos, a diluição dos contornos, os jogos de espelhamentos e as diversas texturas, criando atmosferas por meio do uso da cor e da luz. A passagem do tempo, a violência, a sensualidade e a morte são temas constantes. Na série “Pelourinho” (1979), MIGUEL RIO BRANCO fotografa o Maciel, parte mais antiga do bairro do Pelourinho, em Salvador, Bahia, local bastante degradado, ligado à prostituição. Retrata pessoas com rostos na penumbra, marcados por cicatrizes e também se interessa por casas arruinadas. Capta o que resta de dignidade nas situações cotidianas do local, em ambientes cercados pela violência e pela solidão.

Ele também é conhecido por suas fortes opiniões. Num recente Paraty em Foco, mostrou uma visão desmistificada acerca da função social do fotojornalismo: “A fotografia humanitária que vai mudar o mundo é um blefe. Ela funciona por um tempo, e não vai atingir muitas pessoas. Além disso, a questão da imagem está absolutamente deturpada. Vivemos em um mundo em que tudo é marketing”, analisou. Além disso, afirmou que a fotografia se liga a realidades que nem sempre se quer ter contato e discorreu sobre os momentos em que sentiu frustração: “Depois de um certo tempo, você não usa a fotografia para mostrar o mundo. Usa a fotografia para mostrar você”. Quanto à fotografia brasileira, MIGUEL RIO BRANCO diz: “Temos muita gente interessante, como Sebastião Salgado e Mário Cravo. O que precisamos é de pessoas mais abertas a uma linguagem pessoal, menos dependentes do mercado.” É autor dos livros “Dulce Sudor Amargo” (1985), “Nakta” (1996), “Miguel Rio Branco”, “Silent Book” (1997) e “Entre os Olhos, o Deserto” (2001).


4 comentários:

Sonia Figueiredo disse...

Adorei!

Bel Saffe disse...

Lindo demais!

Flôr Kepah disse...

Gostei muito da materia e do trabalho do artista

Lenir Zardo disse...

este texto é ótimo!