fevereiro 16, 2012

.............................. A HORA e a VEZ de SAM SPADE


ENTREVISTANDO ANTONIO NAHUD
JORNAL DE HOJE 
(Natal, RN)
14 de Fevereiro de 2012

por Rafael Amaral

Blogueiro e apaixonado pela sétima arte, o jornalista e escritor Antonio Nahud, autor de oito livros e, durante alguns anos, correspondente de diversos veículos de comunicação na Europa, onde foi viver em 1994, apesar de não se considerar um crítico de cinema, não perde tempo quando o assunto é opinar. Solta o verbo em seu blog, cujo título faz clara homenagem ao cinema clássico: “O Falcão Maltês – Uma Viagem Pessoal Pela História do Cinema”. Conhecido por seus leitores como Sam Spade, o personagem de Humphrey Bogart no filme noir clássico que intitula o blog, Antonio edita esta revista cinéfila com absoluto sucesso, com leitores de diversos países e matérias elogiadas.

“Muitos filmes considerados clássicos hoje, fundamentais para a história do cinema, foram produzidos com finalidade comercial em primeiro lugar”, ele afirma. Antonio vive hoje em Natal, no Rio Grande do Norte e finaliza um livro de contos que será lançado ainda este ano, “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano”. Abaixo, a entrevista completa:

Seu blog, “O Falcão Maltês”, já apresenta, de cara, uma homenagem ao cinema clássico, em um filme não apenas grande, mas um divisor de águas. Como nasceu a paixão pelo cinema clássico e por que escolheu este filme de título para seu blog?

Sou fascinado por filmes, de ontem e de hoje. Vejo com o mesmo prazer um bom filme mudo da década de 20 ou o mais recente Martin Scorsese. Vou e volto no tempo cinematográfico com facilidade e sem traumas. Porém, não nego que o noir é o gênero que mais me atrai, assim, para mim, nesse momento vigoroso da década de 40 o cinema se destaca, trazendo ecos do passado e influenciando filmes futuros. “O Falcão Maltês” não é o meu noir favorito, mas – como muita gente – considero-o o “pai” do gênero. Uma noite, assistindo-o pela terceira ou quarta vez, tomei algumas anotações e tive vontade de compartilhá-las publicamente. Assim surgiu o blog em outubro de 2010.

Com a internet, o público chega mais facilmente aos filmes antigos, antes esquecidos?

Com certeza. Vejo um verdadeiro tráfico cinéfilo clássico na net. Troca-se impressões, descobre-se artistas esquecidos, valoriza-se identificações, indica-se onde encontrar determinados filmes raros. Conheço cinéfilos com menos de 20 anos completamente seduzidos pelo universo do cinema clássico. E muitas vezes dão show de competência em seus blogs.

Em uma entrevista em seu blog, você diz que, entre os piores filmes que viu no ano passado, está o “Além da Vida”, e, entre os melhores, “A Árvore da Vida”. Às suas maneiras, são filmes religiosos, sobre a abordagem da vida após da morte, talvez. O cinema é uma maneira de trazer o homem para perto de certa espiritualidade? Não acha que, com mais simplicidade e narrativa linear, “Além da Vida” consegue melhor o seu propósito de comover e se aproximar do público?

Não disse que “Além da Vida” é detestável. Clint Eastwood jamais seria desprezível. Como tenho uma certa aversão a shoppings, só vou ao cinema depois de uma triagem rigorosa, ou seja, para ver filmes que já tenha alguma afinidade indispensável. Dentre esses, que já fazem parte de uma “categoria especial” no meu universo de cinéfilo, em 2011, Além da Vida não me empolgou o suficiente. Mas tem um bom roteiro e Eastwood domina um tema delicado com habilidade. “A Árvore da Vida” é outra coisa, uma obra complexa, hermética, poética, difícil, está além de seu tempo.

Você faz parte daquele grupo de cinéfilos que, entre os dez melhores filmes que viu na vida, todos são antigos, em geral em preto e branco?

Vixe… Deixe-me pensar um pouquinho… Creio que todos os dez melhores filmes que vi na vida são antigos. No máximo essa lista chegaria a “Gritos de Sussurros”, de Bergman, ou “Um Dia Muito Especial”, de Ettore Scola, nos anos 1970. Mas nem todos são em preto e branco. “Cantando na Chuva”, por exemplo, é um espetáculo de cores.

Entre as grandes figuras conhecidas que entrevistou, como Carlos Saura e Bernardo Bertolucci, lembra de alguma particularidade, algo despercebido pelos fãs, que lhe marcou?

A grande maioria de minhas entrevistas foi feita em coletivas, festivais de cinema, lançamentos cinematográficos. Tudo muito superficial, muito profissional e com o tempo cronometrado. Mas me surpreendi muitas vezes. Por exemplo, com a afeição de Bertolucci pelo cinema brasileiro, o bom humor de Woody Allen, a inteligência de Isabelle Huppert, o esnobismo de Catherine Deneuve, a densidade espiritual de Irene Papas, a informalidade de Almodóvar, a sensualidade intacta e a simplicidade de Sophia Loren, a beleza sedutora de Ewan McGregor, a magreza assustadora de Penélope Cruz, o tipo amigável de Javier Bardem, a exuberância de Stefania Sandrelli etc.

Como seu blog faz referência a um filme noir, não posso deixar de perguntar: qual o maior anti-herói do cinema? Não vale o Sam Spade… (risos)

Gosto muito do George Eastman de Montgomery Clift em “Um Lugar ao Sol”, de George Stevens. Ele é ambicioso, infiel, alpinista social e um assassino involuntário, mas não deixamos de nos apaixonar por ele, torcendo para que supere essas deficiências de caráter e fique com a linda mocinha Liz Taylor no final da fita.

Qual o maior medo de um cinéfilo: ficar cego ou perder a memória?

Cruz credo. O que responder? Posso dizer que algumas vezes pensei como seria torturante viver sob o domínio da cegueira. Quase tudo que amo exige o olhar, a visão. Já perder a memória seria uma lástima, mas acontecendo, de nada lembraríamos, não haveria saudades ou conflitos. A cegueira se impõe. Você está com a mente acesa, e também proibida para muitos prazeres. Deve ser terrível. Lembro do escritor argentino Jorge Luís Borges, um cinéfilo que perdeu a visão. Felizmente ele passou o resto da vida recordando detalhes preciosos dos filmes que viu. Não é o meu caso. Minha memória não é tão detalhista. Estou sempre revendo filmes para recordar-me de certos aspectos.

E, quando a memória vai lá no fundo do baú, qual imagem ela resgata, qual aquela que lhe marca, que faz toda a diferença em sua vida?

Não sou felliniano. Dos mestres italianos, é o que menos me atrai. Mas quando vou lá ao comecinho da paixão cinéfila, o filme que surge é “Amarcord”, de 1974, que vi nos anos 80, em um cinema de arte. Ele marcou minha adolescência, mudou minha vida intelectual e me fez compreender que o cinema me ajudaria a não sucumbir às desilusões do cotidiano. Portando, a partir de “Amarcord”, assim como a Mia Farrow de “A Rosa Púrpura do Cairo”, o cinema tornou-se vital para mim. Inclusive, em momentos de crise, desabafo assistindo filmes, e muitas vezes me revigoro, partindo de novo à luta com renovada disposição.