junho 21, 2019

..... MANOEL ONOFRE JR.: “LITERATURA é CONSOLAÇÃO”

 


Fotografias: MARCEL GAUTHEROT
(Paris, França. 1910 – 1996)


01
Quem é Manoel Onofre Jr.?

Não tenho perspectiva para me definir e dizer quem sou. Na verdade, sou o que os outros acham de mim.

02
Como se deu o contato inicial com a literatura?

Numa noite de Natal, quando eu tinha uns oito ou nove anos de idade, ganhei do meu pai uma nota, nem me lembro de quantos cruzeiros, com a qual comprei um livrinho infanto-juvenil, que li, ou melhor, “devorei”, encantado. Desde então a leitura, para mim, tem sido uma espécie de alimento. Com perdões pelo lugar-comum da expressão. Mas, só comecei a escrever quando, já adolescente, fundei um jornalzinho estudantil.

03
Escrever o ajuda a viver melhor?

Sim. Literatura é consolação.

04
Como se mobiliza para divulgar sua literatura Brasil afora ou isso pouco importa?

Divulgar meus próprios livros me deixaria contrafeito. Acho que a tarefa de promover e difundir a literatura cabe aos agentes literários, mas estes ainda não existem em nosso meio, tão carente de profissionalismo.

05
O que acha de teorias literárias? Elas de alguma forma lhe influenciam?

O que mais me interessa não é o que se escreve sobre literatura, mas, sim, a própria literatura.

06
Como você define a sua literatura?

Alguns estudos acadêmicos, isto é, universitários, têm qualificado os meus contos como obras regionalistas. Tudo bem. Acontece que o meu regionalismo não é um regionalismo buscado, artificial, mas, simplesmente, decorre do fato de eu ter larga vivência no sertão, vivência esta que se reflete, através da memória, em minha ficção.

07
Caso lhe fosse vedada a escrita, o que faria?

Não saberia o que fazer. Minha vida perderia o sentido.

08
A literatura vive um momento de ostracismo, o meio literário é injusto e excludente ou faltam bons escritores brasileiros?

Nunca se escreveu tanto aqui no Estado, notadamente em Natal e Mossoró. Uma enchente de livros inunda a província literária. Muito basculho em meio às águas turvas, mas, de vez em quando, surge alguma coisa boa.

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Como os escritores de sua geração têm reagido em relação aos problemas do Brasil?

Muitos se omitem, encastelados em suas torres de marfim.

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Escrever é uma vaidade ou uma necessidade em um mundo com tanta injustiça e miséria?

Uma necessidade. A propósito vale a pena citar Antônio Cândido: “Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo (…) parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”. (“Vários Escritos”, 1995).

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Qual o tema do seu primeiro livro?

Meu Sertão da infância em histórias e crônicas. Obra imatura.
manoel onofre júnior

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Como funciona a sua editoria na Revista da Academia?

Publicando ensaios, artigos, contos, crônicas e poemas dos acadêmicos, a Revista da ANRL também acolhe textos de outros elementos da comunidade literária. Fundada em 1951, a partir de janeiro de 2014 teve a sua circulação – trimestral – regularizada, sempre com a valiosa colaboração do escritor Thiago Gonzaga, seu editor, e o apoio do Presidente da Academia, escritor Diógenes da Cunha Lima.

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Você valoriza concursos e panelinhas literárias?       

Concursos, sim. Panelinhas, vade retro!

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Traduza seu mais recente livro.

“O Caçador de Jandaíras”, em terceira edição revista e aumentada, compõe-se de memórias esparsas entremeadas de histórias que ouvi quando era menino em Martins.

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Precisa ser reconhecido ou isso não é importante?

Câmara Cascudo dizia que todo artista é um doador de emoções. Artista da palavra, o escritor sente-se recompensado quando sabe que os livros de sua autoria estão sendo lidos com agrado. Parafraseando uma canção do repertório de Milton Nascimento, eu diria que escrever é comunhão. Se algo mais vier, além da satisfação de se doar – por exemplo, retribuição financeira – não passa de acessório.

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Quais os escritores e poetas brasileiros vivos que tocam a sua sensibilidade?

Rubem Fonseca (o romancista), Lygia Fagundes Telles (a contista), Dalton Trevisan.

17
O que está lendo no momento?

“Rua”, livro de contos de Miguel Torga. Excelente. Considero Miguel Torga o maior contista português em todos os tempos. Na literatura lusófona ele só encontra, à sua altura, Machado de Assis.

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Tem alguma espécie de ritual para escrever?

Primeiramente, faço quase sempre à mão, um esboço do texto, que retifico e emendo, depois reescrevo tudo à máquina.

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Em quais projetos literários está trabalhando e o que podemos esperar já para 2019?

Está na fase de revisão a segunda edição refundida do livro “Simplesmente Humanos”, que inclui perfis de numerosas figuras do meu convívio. Para o final do ano, pretendo reunir em livro diversos artigos de minha autoria, com interesse literário, já publicados em jornais e revistas.


CLIP

Uma frase literária:

“A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo” (Câmara Cascudo).

Uma cena de romance:

“Judas, o Obscuro”, criação imortal de Thomas Hardy, avista ao longe as luzes de Christminster, a cidade dos seus sonhos. “Lá, no fim da extensão dos campos, alguns pontos luminosos resplandeciam como topázios”, Judas “ficou mergulhado nessa contemplação”, até que aquelas imagens fascinantes “deixaram de brilhar, extinguindo-se, quase que de súbito, como velas que tivessem sido apagadas”. A cena, que se desdobra em requintada descrição, parece sintetizar o teor de melancolia e pessimismo que perpassa todo o romance.

Um verso:

“Recife pendurado nos meus olhos,
Eu beijo a tua noite nos meus sonhos
E planto o meu destino nos teus mares.”

Zila Mamede (Do soneto “Noturno do Recife”, in “Salinas”, 1958).

Uma palavra:

Atlântico.

Um título de livro:

“Rastejo”, de Humberto Hermenegildo de Araújo.

Um texto teatral:

“A Farsa da Boa Preguiça”, de Ariano Suassuna.

Um personagem:

Sam Weller, do romance “As Aventuras do Sr. Pick-Wick”, de Charles Dickens.

Um filme:

Dois: “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder, e “Pacto Sinistro”, de Alfred Hitchcock.

Música:

“Rhapsody in Blue”, de George Gershwin.

TV:

“Globo Repórter”, quando focaliza lugares exóticos.

Uma atriz:

Katharine Hepburn.

Um ator:

Marlon Brando.

Um diretor de cinema:

Billy Wilder.

Blogue:

Não tenho.

Um país:

Portugal.

Ídolo:

Nenhum.

Um momento feliz:

Quando acabo de escrever algo que me satisfaz.

Medo:

Às vezes.

Um assunto proibido:

Não há. É proibido proibir.


manoel onofre e thiago gonzaga