agosto 28, 2016

.......................... A SUNTUOSA HISTÓRIA de TAMARA


Beldade emancipada, moderna e sedutora. Majestosa nas noitadas parisienses, hollywoodianas e nova-iorquinas, sua vida e sua obra circulam entre mansões, hotéis de luxo e automóveis conversíveis. Bissexualidade assumida publicamente. Casos apaixonados com amigas, aristocratas, modelos, atrizes e desconhecidos. Tudo com muita classe, camuflando o abuso de cocaína, as dificuldades na relação com a filha única, a depressão, e, por fim, a solidão que também é notória em sua arte.

Se ela não se encaixa nos padrões convencionais da sua época, hoje teria todos os atributos admirados de uma celebridade da sociedade descartável. Em 1922, já morando em Paris, faz sua primeira exposição, e sua trajetória artística se amplia com inúmeras outras nos anos que se seguem, na França e em diversos países da Europa, e posteriormente nos Estados Unidos da América. A artista polonesa TAMARA DE LEMPICKA (1898 - 1980) ocupa posição privilegiada no contexto dos anos 1920: pinta membros da nobreza europeia e socialites, é amada e cobiçada por homens e mulheres, vestida por Paul Poiret e Coco Chanel, aluna de Maurice Denis e André Lhote, diva inspiradora de Greta Garbo, parceira de Jean Cocteau em noitadas, frequentadora íntima da Jet set elegante.

tamara em 1928
Ela faz de si uma representação icônica, demarcando os elementos principais que habitam o seu universo: arte, reconhecimento social, riqueza e luxo. Notável e memorável pintora da Art Déco (*), imprime extravagância aos seus famosos retratos, expressando erotismo em grande parte da sua obra refinada. Fascinada pelo corpo humano, ressalta a beleza em volumes carnais, utilizando sensatamente a luz em suave geometria.

(*) Expressão de origem francesa, Art Déco é abreviação de “arts décoratifs”, um estilo que afetou a arquitetura, o design e as artes plásticas no início do século 20. Edifícios, esculturas, joias, luminárias, móveis, tudo geometrizado e luminoso.

Nascida Maria Gurwik-Górska, perto de Varsóvia, em uma família abastada da Polônia, estuda em colégio interno na Suíça e tem uma infância privilegiada ao conhecer cidades e museus de diferentes países da Europa. Em 1916, casa-se com o advogado rico e bonitão Tadeusz Lempicki, que conhece em uma de suas estadias na cidade russa de San Petersburgo, em um baile de máscaras, resultando no nascimento da filha Kizette, em 1920. O casamento persiste até 1928. Durante os anos do matrimônio, TAMARA DE LEMPICKA relaciona-se com diferentes amantes, incluindo um príncipe, dois marqueses e o Barão Raoul Kuffner, com quem se casa após a morte da esposa dele.

Ainda na Rússia, em plena Revolução, Tadeusz é preso pelas forças bolcheviques, mas ela, influente, consegue libertar o marido. Fogem para Paris onde se estabelecem em Montparnasse, sem recursos financeiros. Ela adota o nome Tamara e vai estudar pintura. Ousada e inteligente, pronta para renascer, a artista termina por alçar uma vida suntuosa, de fama e fortuna. O primeiro passo foi brilhar na boemia vanguardista parisiense. “La Belle Polonaise”, como chamada, paradigma da mulher avançada e fina, fazendo a apologia à joie de vivre, ao consumismo, ao conforto, ao luxo. Transforma-se numa verdadeira diva, tanto que, pegando carona em seu sucesso, a empresa Revlon, fabricante de cosméticos, dedica-lhe uma marca de batom. 

tamara nos anos 20
Resolvendo pintar para pagar as contas, dedica-se mais seriamente à pintura por intermédio de André Lhote, com quem tem aulas. Tendo assim, como base, o cubismo, em que se alia o vanguardismo do cubismo com os motivos mais acadêmicos, sua obra assenta no rótulo de Art Déco, marcada pelo pós-cubismo no seguimento de Pablo Picasso e Georges Braque, e pelo neoclassicismo adaptando Ingres. No entanto, a artista vai mais além, ao atribuir uma grande intensidade psicológica e física às suas personagens, ao expor de forma crua e fria, os sentimentos e emoções daqueles que retrata e que são um reflexo dela própria. Por fim, depois de anos de dureza e aprendizado, ela conquista a esnobe sociedade parisiense na “Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes”, em 1925. Deslumbra com seu estilo peculiar, num notório sucesso profissional.

Cheia de vitalidade e louca por dinheiro, TAMARA DE LEMPICKA, uma das rainhas dos loucos anos 1920, frequenta inúmeras festas, cuida da filha única, apanha do marido, e pinta diariamente. Além disso, anda na farra com gente de prestígio: o escritor italiano Gabriele D’Anunzzio, que faz tudo para se deitar com ela; Gertrude Stein, Léger, Salvador Dalí, Marinetti – o conhecido “Auto-retrato no Bugatti Verde”, de 1925, é uma homenagem ao Futurismo -, André Gide, Jean Cocteau e um longo e espetacular etcétera.

Vive muitos anos ao lado do primeiro marido. Cansado do matrimônio fracassado, ele a abandona em 1929. Ela mergulha numa crise profunda, mas em 1933 volta a casar-se, desta vez com o rico Barão Raoul Kuffner, húngaro de origem judia como ela, o que lhe dá um título e muito dinheiro. Com a ameaça da Segunda Guerra Mundial, mudam-se para a América do Norte, onde a imagem da pintora extravagante se esvai, dando lugar à fama da elegante e divertida Baronesa TAMARA DE LEMPICKA-KUFFNER. As festas inacreditáveis que dão em Nova York contam com convidados do naipe de Greta Garbo, Tyrone Power, Joan Crawford, Orson Welles, Rita Hayworth, entre outros.

tamara em 1948
Abusada, a artista se define como “a primeira mulher que pinta bem em toda a história da arte”. Explica o seu êxito mediante uma pintura que, segundo ela, é atraente e concisa: “O meu objetivo é criar um estilo novo, cores claras e luminosas, desvendar a elegância dos meus modelos.” Nos anos 1950 sua arte perde o interesse dos ricos e famosos. Sem êxito, tenta o abstracionismo e o design de interiores. Na década de 1960, ao enviuvar, muda-se primeiro para o Texas e depois para Cuernavaca, no México. Em 1980, ela morre durante o sono, sendo que Kizette satisfaz o último desejo da mãe ao transportar as suas cinzas num helicóptero e espalhá-las no vulcão Popocatépetl. 

Trinta e seis anos passados, TAMARA DE LEMPICKA sobrevive na coleção particular de admiradores - como a cantora Madonna e o ator Jack Nicholson -, em álbuns de luxo e retrospectivas. Em sua obra, a mulher aparece ora feminina, ora masculinizada, mas sempre forte. A sua paixão pelas tintas fortes e de cores iluminadas, expõe de forma crua e fria, os sentimentos e emoções, extravagância e sensualidade. Reflexo dela própria, uma personalidade amante dos excessos.

 
 
 
 

 
 

agosto 14, 2016

......... ANTONIO NAHUD: UMA INEGOCIÁVEL INDEPENDÊNCIA



por THIAGO GONZAGA

Ilustrações:
VICTOR FOTA

Retratos de Antonio Nahud:
MORVAN FRANÇA


A entrevista que aqui se publica, realizada originalmente em março de 2016 e parte dela estampada no “Substantivo Plural”, é de autoria do pesquisador potiguar Thiago Gonzaga, editor da revista da Academia Norte-riograndense de Letras (ao lado do escritor Manoel Onofre Jr.) e do blog “101 Livros do RN”. Autor de vários livros sobre escritores, entre eles, “Impressões Digitais – Volume 3”, lançado em 2015, e do projeto “Caravana de Escritores Potiguares”.

Esta conversa é apenas a origem de uma obra maior, culminando em livro de entrevistas. “Cinzas e Diamantes” agradece a Thiago Gonzaga a oportunidade desta pré-publicação. É importante que as palavras – e as imagens – de um escritor cheguem a um público cada vez mais diversificado. Aqui está o meu pensamento através do interlocutor certo, um estudioso conhecedor deste “cigano” nascido na Bahia.

antonio nahud
Este grapiúna descobriu a literatura cedo. Começou adolescente no jornal “Cacau/Letras”, editado pelo escritor Hélio Pólvora, e seguiu publicando contos e poemas nas revistas “Exu” (Bahia), “New Wave” (EUA), “Go” (Espanha) e “V_Ludo”(Portugal). Editou o jornal “Narciso” e a revista “Ícone”. Publicou doze livros, entre eles, “Ficar Aqui Sem Ser Ouvido Por Ninguém”, em Portugal. Participou de inúmeras antologias de contos e poemas. A mais recente será lançada no próximo mês, “Os Sete Pecados Capitais”, coordenada pelo jornalista e escritor cearense Cássio Cavalcante. Seu conto “Noites de Ninguém aborda a luxúria.

Nasceu para colocar o pé na estrada. Morou no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Madri, Barcelona, Paris, Sintra, Lisboa, Londres, Ilha de Graciosa (Açores). Tem diversas matérias publicadas na “Folha de S Paulo”, “O Tempo” (MG), “A Tarde” (BA), “Tribuna do Norte” (RN), “Jornal de Hoje” (RN), “Jornal de Sintra” e “Diário de Notícias”, de Lisboa. Escreveu para as revistas “Simples?” e “Profashional”, de São Paulo, e “Continente Multicultural”, de Pernambuco. Repórter da rede Manchete durante dois anos. Apresentou e dirigiu o programa “Fina Estampa”, na TV Itabuna. Gosta de ir ao cinema, ler, fotografar, tomar banho de rio, cozinhar.

Entrevistou a atriz francesa Isabelle Huppert (“Folha de S Paulo”, “Ilustrada”), o diretor dinamarquês Lars von Trier (“Simples”), o escritor português Antonio Lobo Antunes (“A Tarde”), entre dezenas de outras personalidades. Trabalha atualmente no romance “Homem Sem Caminho”. Admira Bruce Chatwin, Paul Bowles, Henry Miller, John Fante, Karen Blixen, Raymond Carver, Virgínia Woolf.

Edita dois blogues, “O Falcão Maltês – Uma Viagem Apaixonada Pela História do Cinema” e este “Cinzas e Diamantes – Panorama do Pensamento Artístico”. Sua escrita se desdobra em ensaios, palpites e pitacos sobre o viver e o sobreviver; o amar e o errar; sobre a teimosia em ser romântico, sobre o amor pela literatura e pelo cinema, um agradecimento por tudo que ganhou da vida, e o sabor de celebrar a majestosa natureza.

Ao mesmo tempo, o jogo com a ficção é o jogo com o documental. Uma tessitura literária urdida na vertigem da realidade. Tudo, até certo ponto, parece pensado e planejado para que uma grande revelação aconteça. É de uma independência estimulante. Não há como oprimi-lo. Não há nada na literatura de ANTONIO NAHUD que não traduza uma qualquer forma de desafio. Confira a entrevista.

Antonio Nahud, onde você nasceu? Conte-nos um pouco da sua infância e juventude.

Nasci no sul da Bahia, na fazenda de cacau da família, a Bela Vista, nas terras-do-sem-fim de Jorge Amado, cercada por cidades de porte médio, perfeitas para fábulas de David Lynch. Montava cavalo, falava com bichos e árvores, nadava no rio Cachoeira, garimpava a Mata Atlântica, colecionava recortes de jornais-revistas, contava estrelas, via assombrações. Menino estranho, aproximei-me da psique das ideias por meio dos livros. Aos treze anos, tímido, leitor apaixonado, surgiu o desejo de viajar. Talvez porque o desejo de viajar é também o desejo de saber. A possibilidade de viajar desde cedo ampliou vozes e visões na mente acesa.

Quais foram as suas primeiras leituras literárias?

O primeiro livro lido, talvez “As Mil e uma Noites”. Aos oito, nove anos, esses contos de formosura delirante me pareciam sublimes. Nessa época, mergulhei nas páginas benditas de Monteiro Lobato e Sir Walter Scott. Aos doze, treze anos, a vez de Jorge Amado, Adonias Filho, Victor Hugo. A seguir Dostoievski, F. Scott Fitzgerald, Faulkner, Thomas Mann, Kafka, Hemingway. A inglesa Virgínia Woolf, o alemão Hermann Hesse e o mineiro Autran Dourado foram os primeiros escritores que me tocaram profundamente. Resultando num chamado literário.



E seus primeiros escritos, falavam sobre o que?

Felizmente o que escrevi antes dos dezoito anos desapareceu num incêndio. Eu inventava contos góticos. Histórias macabras, alucinantes, desesperadas, de arrepiar. Influenciado por clássicos cinematográficos vistos na TV e lendas rurais. Aos quinze anos, escrevi um quase romance, “Vidas em Tempestade”. Mais de cem páginas à mão, em cadernos finos colados um no outro. Narrava aventuras de jovem milionária perseguida por padrasto maléfico, ambicioso. Raptada e abandonada numa ilha selvagem, supostamente deserta, ela conhece uma espécie de xamã. Apaixonam-se. Ao adquirir poderes paranormais com o amado, divide-se entre o amor redentor e a revanche final. Era muito ruim.

Conte-nos da sua experiência de morar em outras cidades, e até em outros países?  De que forma isto contribuiu para a sua formação?

A distância me incentivou a escrever. O fato de estar longe do Brasil, longe da Bahia, permitiu-me escrever com mais liberdade e vontade. A escrita passou a nascer de uma falta, de uma ausência. Passei a maior parte da vida mudando de cidade ou país. Aos dezesseis anos fui estudar em Salvador. Aos dezoito anos, tranquei o curso e passei um ano no Rio de Janeiro, na malandragem. Foi maravilhoso. Conheci o escritor argentino Manuel Puig, de “O Beijo da Mulher Aranha”. Íamos juntos assistir clássicos na cinemateca do MAM. Também frequentava os apartamentos dos poetas Antônio Cícero e Waly Salomão. De volta a Salvador, comecei a publicar em suplementos literários. Morei em São Paulo em 1990 e 1991. Trabalhava como assistente do editor Pedro Paulo de Senna Madureira na Editora Siciliano. Na Paulicéia, conheci muitos escritores, de Lygia Fagundes Telles a Caio Fernando Abreu. Em 1994 aceitei um convite de uma companhia de teatro para trabalhar na Galícia, Espanha. De lá, passei longas temporadas na Inglaterra, Portugal, França.

Foi nesse período que começou seu amor pelo cinema?

Possivelmente nasci amando cinema. Meu pai, advogado intelectual, fascinado por filmes de guerra, western e aventura; minha mãe, comédias românticas e melodramas hollywoodianos. Nossa casa grande, decadente e movimentada, tinha pelo menos umas dez pessoas circulando, entre familiares e agregados. Havia também muitos animais e fantasmas no sotão. Na hora da sessão de cinema na TV, meu pai ordenava que não se podia dar um pio, e assim acontecia. Eu e meus cinco irmãos meninos, em silêncio, olhos pregados na telinha. Assistimos “Rebeldia Indomável”, estrelado por Paul Newman; “Os Doze Condenados”, “Os Girassóis da Rússia”. Aos doze fui com um tio a um cinema de arte ver “Amarcord”, de Fellini. Paixão à primeira vista. Nunca mais abandonei o cinema. É uma âncora de sobrevivência.

Cite-nos alguns dos seus filmes preferidos.

Meu apetite cinematográfico é versátil. Tenho fases de identificação por determinados gêneros, países, cineastas ou atores/atrizes. Posso garantir que Ingmar Bergman é o diretor favorito. Filmes? São tantos. “Rocco e seus Irmãos”, de Luchino Visconti; “A Marca da Maldade”, de Orson Welles; “Fausto”, de Murnau; “A Noite”, de Antonioni; “O Sol por Testemunha”, de René Clement; “Rastros de Ódio”, de Orson Welles; “O Segredo das Joias”, de Huston; o brasileiro “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade; “As Troianas”, de Cacoyannis. E tem mais outros tantos.

Além do cinema e da literatura, que outra arte desperta seu interesse?

As artes plásticas me encantam. Antes de escrever, tentei ser pintor, fiz exposições e vendi algumas telas. Ao visitar o Masp pela primeira vez, percebi que não tinha talento, nunca mais voltando a pintar. Amo também música, dança, teatro. Vi extraordinárias companhias teatrais em distintos países. Visitei emblemáticos museus inúmeras vezes. Passava tardes e mais tardes no British Museum no ano em que morei em Londres. Em casa ouço música o tempo todo, principalmente jazz, bossa-nova, erudita.


E como surgiu o seu amor pelo teatro? Você inclusive já escreveu várias peças, correto?

Atores e diretores me interessam. Ao estudar em Salvador assistia a quase todas as peças em cartaz, graças à gentileza de amigos, profissionais de teatro. No Rio e em São Paulo eu vivia no teatro. Encontrei Plínio Marcos, maltrapilho, vendendo seus livros na porta de casas de espetáculo. Na Europa, vi peças sem entender o idioma. Em francês, Isabelle Adjani fazendo “A Dama das Camélias”. Em alemão, Hannah Schygulla, e em italiano, Giorgio Albertazzi num monólogo adaptado de “Memórias de Adriano”, de Yourcenar. Escrevo teatro desde sempre. Poucos textos encenados, duas vezes no sul da Bahia e mais uma em Sintra, Portugal. Atores-diretores opinam que são peças complexas, cinematográficas, polêmicas, esquisitas, difíceis de montar. Um dia faço como Beckett, fundo uma pequena companhia e apresento ao público as tais peças “complexas”.

Nahud, organizou um livro onde entrevista muitas celebridades internacionais, fale-nos de como se deu a construção dessa obra.

De 1994 a 2006 vivi na Europa, com intervalo em 2003 trabalhando na Petrobras em Salvador, passando alguns meses em Natal. Correspondente dos jornais “A Tarde”, “Folha de S. Paulo” e “O Tempo”, de Minas. Colaborava com inúmeras publicações no Brasil, Portugal e Espanha. Circulava em festivais e outras premiações de cinema, bienais literárias, estreias de filmes com a participação do elenco e apresentações de artistas brasileiros. Ao passar essa primeira temporada em Natal, fui entrevistado, conheci gente interessante e terminei convidado por uma editora local, A. S. Editores, para publicar um livro de entrevistas. Tudo rápido. Não houve tempo para qualquer dedicação. O lançamento de “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo”, numa galeria em Petrópolis, foi sucesso. Vendi mais de 300 exemplares.

Você publicou quantos livros até o momento, algum preferido?

Todas as publicações foram inusitadas, nada convencionais. Nunca mandei originais para editoras de peso. Sempre surgem convites alternativos. Publiquei nove livros no Brasil e três em Portugal. Geralmente esqueço os livros publicados. Agarro-me ao mais recente projeto literário. No entanto, de todos eles, talvez prefira “Se Um Viajante numa Espanha de Lorca – Crônicas de Costumes, Quase Fábulas, Delírios, Carmen, Dom Quixote e Alguma Inquietude” (2005), livro de crônicas, publicado pela editora Pé de Página, de Coimbra. Ele resultou de observações solitárias, íntimas e sinceras em inúmeros países, do Marrocos a Itália, da Grécia a Espanha. Livro corajoso, onde me revelo à flor da pele. Lançado em várias cidades portuguesas. A edição se esgotou em poucos meses e não circulou no Brasil. Ficaria feliz em vê-lo publicado por aqui.

Você recebeu o Troféu Cultura - RN em 2013, com o livro de contos "Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano", ficou feliz com o resultado do livro?

O mundo não deveria incentivar fronteiras. Sou como os índios ou os ciganos, cujo território em que vivem não é limitado, documentado, comercializado. A noção de terra sem fronteiras se apresenta na literatura de viagens. “Pequenas Histórias” fala do mundo, principalmente do mundo interior. É uma antologia de contos escritos ao longo da vida, muitos deles publicados em jornais e revistas. No livro, está o meu conto mais antigo, “Fúria”, e também contos mais atuais que gosto apaixonadamente, outros nem tanto. Parece comigo, além de escrevê-lo, defini a ilustração da capa, papel, acompanhei de perto a diagramação. Ele teve lançamentos concorridos em várias capitais nordestinas, mas a distribuição capenga exilou o livro.

Fale-nos um pouco da sua amizade com os poetas Hilda Hilst e Diógenes da Cunha Lima.

Compartilhei as pérolas do pensamento lúcido e singular de Hilda. Durante dois anos passei os finais de semana na sua casa gótica em Campinas. Acompanhei a feitura de “Do Amor”. Era uma senhora extraordinária. Culta, genial, irreverente, e também amarga, desencantada. Professor Diogenes, homem soberbamente inteligente, um enriquecedor manual de sabedoria, um monumento literário potiguar. A admiração que sinto por ele excede a mera recordação de fatos relevantes de uma vida, para se tornar, a partir de reflexões, o reconhecimento de um coração adorável e de um talento acima de qualquer suspeita, um autor lustroso a ser celebrado no futuro.


Para Nahud qual o melhor momento para escrever? Como acontece o seu método de criação? Escrever é uma atividade solitária?

Escrever é uma atividade íntima. Tomo notas no cotidiano. Notas nem sempre utilizadas. Para escrever, isolo-me. Somente eu, fundo musical e, às vezes, algum vinho tinto. Prefiro escrever à noite. Sou bicho noturno, da raça das corujas. Não tenho um método preciso. Posso passar diversas noites trabalhando num projeto literário e, repentinamente, deixá-lo de lado para me dedicar durante dias a textos específicos para blogues. Constantemente escrevo. No trabalho, na rua, em casa. Houve época em que acordava no meio da noite para anotar sonhos, outra em que após o ato sexual esboçava impressões num bloco. Cultivo “Diários” que cobrem cerca de quinze anos de vida. Às vezes penso que sou máquina de palavras.

O que você lê na atualidade?  Quais são suas principais influencias literárias?

Fui um dedicado leitor a vida toda. Atualmente leio pouco. Praticamente releio. Tenho preferido biografias, história, filosofia, livros que tratam do universo cinematográfico. Este ano li o italiano Alessandro Baricco – que entrevistei em Milão; “Catarina Paraguaçu – A Mãe do Brasil”, de Tasso Franco; e “Rincões dos Frutos de Ouro”, de Sabóia Ribeiro. Na fila para os próximos meses, Marguerite Yourcenar e Paul Bowles. Tive (tenho) influências de autores completamente distintos na sua forma de escrever: Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Hesse, Whitman, Hilda, Rilke, Tolstoi, Fitzgerald, Ítalo Calvino. Também fui marcado pelo imaginário homossexual de James Baldwin, André Gide, Jean Genet, Yukio Mishima e Christopher Isherwood.

Em sua opinião o que falta para o escritor potiguar romper com os muros provincianos?

O escritor potiguar é reservado, talvez inseguro. Mesmo entre amigos escritores, ele age timidamente. Longe deste insensato mundo, o seu trabalho é o seu castelo sem portas, cercado por um fosso hostil. Diferente de outros estados nordestinos, onde geralmente os escritores se exibem, se rebolam, agrupam-se, planejam estratégias de sobrevivência, derrubam fronteiras. Moro em Natal há seis anos, fiz diversas tentativas para me aproximar dos escritores locais. Gentis, coisa e tal, mas não passam daí. A confiança, generosidade, incentivo, parceria e braços abertos do professor Diogenes são atitudes raras. Eu admiro profundamente sua boa educação. Se os escritores potiguares utilizassem o método existencial cintilante e afável do professor há muito a literatura local teria atravessado fronteiras. Sob a minha ótica, falta aproximação, interesse no outro, trabalhos em conjunto, movimentos literários solidários.

Como é sua relação com as mídias sociais em tempo de internet? Ela, de alguma forma, ajuda na divulgação do trabalho do autor?

Positiva. Meu penúltimo livro, “Confissões”, após lançamentos, circulou apenas nas livrarias de Natal. Ainda assim, esgotou-se graças às redes sociais. Divulgador de mim mesmo, tenho dois blogues atualizados semanalmente há cerca de seis anos. Recebo visitantes de todo o mundo. Colaboro com diversas publicações on-lines. Por fim, o facebook me dá um substancioso retorno literário.

Você tem acompanhando a literatura potiguar contemporânea?  O que tem lido? Qual a sua opinião sobre nossos escritores?

Passei um bom tempo descobrindo a literatura potiguar. Conheci muita gente boa. François Silvestre, Myriam Coeli, Oswaldo Lamartine, Marize Castro, Iracema Macedo, Iaperi Araújo, Paulo de Tarso, Luíz Fernando Guimarães, Francisco Ivan, Nei Leandro. Ano passado li Câmara Cascudo, amando seus pequenos perfis biográficos; a biografia de Newton Navarro por Sheyla Azevedo; “Carla Lescaut”, do amigo Cefas Carvalho; Lívio Oliveira. Considero que a literatura potiguar tem personalidade própria. É uma boa literatura.


A poesia potiguar tem uma tradição de ter sempre bons nomes publicando poesia. Na atualidade você enxerga isso também?

O Rio Grande do Norte é terra de poetas, assim como a Bahia é de prosadores. Confesso não conhecer o trabalho da maioria dos poetas locais. Como o tempo é curto, leio preferencialmente amigos ou conhecidos potiguares. Gosto dos jovens Yuri Ícaro e Augusto B. Medeiros. Gosto da poesia de Myriam Coeli e de Paulo de Tarso, talvez o maior talento poético potiguar vivo. Gosto de Iracema Macedo e Marize Castro. Gosto da poética “enamorada do viver” do professor Diogenes. Gosto de Dorian Gray e Luiz Carlos Guimarães. O Rio Grande do Norte não pode se queixar, conta com poetas expressivos. Na prosa, nem tanto, contam-se nos dedos.

Quais seus escritores preferidos, dentro da literatura local e nacional?

Não tenho escritores favoritos. Sou mutante em paixões literárias. Posso dizer que admiro François Silvestre, Câmara Cascudo, professor Diogenes e Eulício Farias de Lacerda. Na Bahia, terra minha, considero Jorge Amado, Hélio Pólvora, Jorge Emílio Medauar e Adonias Filho escritores extraordinários. Comecei com Hélio, no extinto jornal “Cacau/Letras”, e lembro-me honrado dessa oportunidade. Gosto da poética de Ferreira Gullar, Waly Salomão, Antonio Cícero, Hilda Hilst, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Leminski, Sosígenes Costa, Jorge de Lima. Na prosa, Lúcio Cardoso, Clarice, Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Autran Dourado, Graciliano, Murilo Rubião, Milton Hatoum. Nunca me esqueci de uma frase que o mineiro Lúcio costumava dizer: “O que ocultamos, é o que importa, é o que somos”.

Em qual vertente literária você se realiza mais escrevendo?

Fico entre conto, crônica e dramaturgia. Alcancei bons momentos nesses gêneros. Com a poesia não tenho identificação satisfatória, estivemos algumas vezes em combate. A cada três poemas que escrevo, dois estão condenados às chamas. Quase um ritual literário.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?

A construção de um universo mágico que me emocione e, consequentemente, emocione o leitor. Transformar a literatura num oceano de prazer. Não é fácil. Exigente, faço questão que o texto ou o poema me comova. É a minha principal preocupação. Acredito que a única responsabilidade do escritor é para com sua arte. Ele deve ser amado se é um bom escritor. Faulkner dizia que qualquer tragédia de Eurípedes vale mais do que punhados de boas intenções.

Quais os planos literários para o futuro?

Ando encalhado num romance há alguns anos, “Homem Sem Caminho”, versão moderna da pequena narrativa clássica “Carmen”, de Merimée. Passei um verão inteiro na Andaluzia visitando os lugares citados no livro, enquanto lia e relia a história. Está praticamente pronto, é uma questão de ajustes. Pretendo concluí-lo rapidamente e pela primeira vez na minha história enviar para apreciação de sólidas editoras. É obra polêmica, protagonizada por um casal homossexual. Fala de imigração ilegal, prostituição, entidades espirituais.

Quem é a escritor Antonio Nahud?

Uma figura fascinada por diversas coisas, desde paisagens geográficas a fábulas imateriais, vivendo nessa intensa troca de sensações para continuar pulsando. Não é um coração excitado por ambições, sua vida não é um show ordinário, por uma questão de temperamento não desfruta do descartável. Tampouco é escritor humorado; é coração que denuncia, protesta, chora, questiona. De acordo com o mestre William Faulkner, um escritor precisa de três coisas: experiência, observação e imaginação. Sendo que duas delas podem suprir a falta da outra. Creio que o escritor Antonio Nahud tem tudo isso.