outubro 01, 2013

................. PAULO COELHO: “MEUS LEITORES são INTELIGENTES”



ANTONIO NAHUD esteve com o escritor carioca PAULO COELHO em 2004, no Fórum das Culturas Barcelona. O diálogo entre eles, publicado à época no jornal A Tarde, é reproduzido aqui.

Ilustrações:
WILLIAM BLAKE


No início dos anos 1970, PAULO COELHO vivia o movimento hippie, perambulando pelo mundo em busca de uma suposta verdade esotérica. Com pouco dinheiro, loucuras na cabeça e canções em parceria com o mítico roqueiro Raul Seixas, ninguém daria um tostão por sua escrita. Trinta anos depois, aos 57 anos, a história é outra: figurinha carimbada na lista de best-sellers de dezenas de países, membro da Academia Brasileira de Letras, acumula prêmios e condecorações, além de viajar com requinte e assédio constante da mídia.

De passagem pela Espanha, ele é um dos 120 escritores convidados para o Fórum das Culturas Barcelona 2004. Ao lado do perseguido Salman Rushdie (“Versos Satânicos“) faz parte do debate “O Valor da Palavra“ (El Valor de la Paraula), organizado pelo Pen Club catalão.

paulo coelho

MUITOS ESTRANGEIROS PENSAM QUE VOCE É ESPANHOL. TALVEZ PORQUE ALGUNS DE SEUS LIVROS RETRATEM A ESPANHA.

Exato. Já me perguntaram algumas vezes. Fico feliz porque gosto da Espanha, falo muito sobre este país e tenho afinidade com ele, mas sou brasileiro e vejo o mundo como brasileiro. Vivi em Madri seis meses, depois de uma peregrinação à Santiago e foi uma temporada lúdica. Sou também apaixonado por touradas. Mas jamais perderei minha raíz, minha identidade brasileira.

MESMO INCOMODADO COM O REPÚDIO DE COLEGAS, INTELECTUAIS E CRÍTICOS BRASILEIROS.

Não me preocupo com eles. Estou pouco ligando para tais comentários. É uma atitude natural, afinal comecei a publicar aos quarenta anos e logo me tornei um grande êxito. Eles não se conformam com isso. Existe também o fator inveja. Mas não faço parte de nenhum grupo literário, tenho meus leitores e sou Paulo Coelho, um escritor best-seller com a ajuda de Deus. Sei também que nenhum sucesso é eterno. O essencial é não perder a naturalidade, porque o leitor não aceita fórmulas, não quer repetições. Eu escrevo sobre os temas que me preocupam e não sobre as coisas que os outros gostariam de ler. Meus leitores são inteligentes. Se eles encontrassem uma fórmula perpétua nos meus livros já teriam me abandonado. Eu me surpreendo com o que escrevo. Isso é que dá vida a minha escrita.

FICA MAGOADO QUANDO CLASSIFICADO COMO ESCRITOR DE LITERATURA ESOTÉRICA?

Claro. Os meus livros são diferentes desse tipo de literatura. Não brinco com a inocência das pessoas. Falo da magia de pessoas comuns, do cotidiano de todos nós. Meus personagens lutam e enfrentam provas iniciáticas para seguir vivendo. Tenho um estilo que busca a simplicidade, sendo direto sem ser superficial. Não desaprovo quem bebe, fuma ou se diverte. O chato é que as pessoas procuram situar o novo com um modelo conhecido. Já fui comparado à Castañeda, Gibran e Stephen King. Não tenho como evitar essas comparações. O que sei é que sou escritor.


O QUE PROCURA EXATAMENTE AO ESCREVER UM LIVRO?

Descobrir-me. Tenho uma inquietude e uma maneira de viver a vida que ao escrever passo a compreendê-la melhor.

EM 2000, NA FRANÇA, FOI CONDECORADO COMO CHEVALIER DE L`ORDRE NATIONAL DE LA LEGION D`HONNEUR. APRECIA SER HOMENAGEADO?

Seria hipocrisia dizer que não ligo para homenagens, mas a melhor homenagem é o leitor fiel. Todos os prêmios que recebi foram dados por eles.

SE SENTE VAIDOSO POR SER O AUTOR DE LÍNGUA PORTUGUESA MAIS LIDO EM TODO O MUNDO?

Sinto que é uma grande responsabilidade. Procuro, em todos os países que visito, falar um pouco dos escritores de língua portuguesa. No entanto, penso que a literatura lusófona está cada vez mais conhecida. O Nobel de Saramago contribuiu para essa divulgação.


CITE UM ESCRITOR BRASILEIRO QUE LEMBRA EM ENTREVISTAS E PALESTRAS FORA DO BRASIL.

Jorge Amado. Eu o admiro, sempre foi um dos meus escritores favoritos. Ele e o argentino Borges. Eu creio no que disse Borges, há somente quatro histórias para narrar: a de um homem e uma mulher, a luta pelo poder, o triângulo amoroso e viagens. Fico com a última, pois viajando se aprende a ser tolerante e aberto para todas as coisas deste vasto mundo.

O FÓRUM DAS CULTURAS BARCELONA APOSTA NA PAZ E NA SOLIDARIEDADE EM UM MUNDO MARCADO PELA GANANCIA E PELA VIOLÊNCIA. O QUE PENSA DESTE EVENTO?

É uma proposta positiva, que poderá trazer bons resultados. Vivemos em um mundo conduzido por padrões de condutas, padrões de qualidade, de beleza, de eficiência, de sabedoria. Acreditamos que existe um modelo para tudo e que seguindo tal modelo estaremos seguros. Não é verdade. O certo é que vivemos num mundo perigoso, mas também muito rico, que ainda permite que as pessoas se aproximem e troquem impressões. Creio que é preciso uma maior preocupação com a espiritualidade, pois esta preocupação leva à solidariedade e não ao egocentrismo, como muitos querem fazer crer.

VOCÊ ESTÁ RICO?

Dizem que sou o segundo escritor mais lido do mundo. Pode ser, mas a grande riqueza é ter meus livros publicados. Mas concordo que ganhar dinheiro com nossos sonhos é algo especial, que respeito.

ALÉM DE ESCREVER, MUITOS ESCRITORES TRABALHAM NOUTRAS ATIVIDADES PARA PAGAR SUAS CONTAS. NÃO É O SEU CASO. SE CONSIDERA UM PRIVILEGIADO?

Com certeza vivo um sonho, mas todo sonho implica desafios. E o sonho literário é um desafio permanente. Assim que terminar de conversar com você e seus colegas, irei para o computador terminar uma coluna para um jornal do Brasil e logo depois será a hora da minha palestra. Não é um desafio? Mesmo vivendo o nosso sonho, nada é fácil. Pode ter certeza.