setembro 27, 2015

............................................. SOB o OLHAR de UM JOVEM POETA



Ilustrações:
IBERÊ CAMARGO


Nasceu no Rio Grande do Norte, em Natal , no ano de 1985. Poeta, AUGUSTO B. MEDEIROS participou da coletânea “Libertárias Saudações”, publicação do Coletivo Nenhures. Foi um dos nomes selecionados para publicação vinculada ao prêmio Luís Carlos Guimarães, da Fundação José Augusto. Uma coletânea que conta com dezoito poetas, três primeiros lugares e outros quinze contemplados com menção honrosa.

Desenhista, sua arte, marcada por traços minimalistas - em grafite, preto e branco -, reflete sobre a condição humana. São desenhos que também abordam temas históricos, talvez influenciados pela formação acadêmica do autor em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O artista realizou duas exposições individuais em 2015, ambas intituladas “Rabisco Noir”, homenageando o emblemático cinema noir da década de 1940.

Confira o pensamento do poeta-desenhista.


Augusto, qual foi o primeiro livro de poesias que você leu? Lembra-se do impacto que teve? 

Não lembro o primeiro, mas o contato com poesias iniciou cedo. Meu avô materno escrevia poesias, no entanto seus textos eram mais voltados para temáticas do espiritismo. Acostumei-me a vê-lo escrever em sua Smith-Corona anos 1950 que conservo até hoje. Ele possuía uma biblioteca bem interessante, foi através dele que descobri a poesia romântica de Augusto dos Anjos, por exemplo. Curiosamente, o gênero poesia não era o que eu mais apreciava. Gostava de ler, mas comecei a me desinteressar pelas fórmulas mais tradicionais, as rimas, as métricas. Passei a preferir a prosa, me identificava mais, parecia algo mais livre. A poesia que eu conhecia era algo mais preso a regras. Essa visão só veio a mudar anos depois, quando descobri as vertentes mais transgressoras e fluidas da poesia, como os concretos, o poema-processo e até mesmo a poesia da contracultura, que acabaram me aproximando do gênero.

Quando, exatamente, sentiu vocação para a literatura?

Eu não sei ao certo se tenho uma “vocação”, sou apenas um aprendiz, um iniciante. Mas a questão é que sempre gostei de escrever, sempre busquei meios de expressar minhas inquietações diante desta suposta realidade que nos cerca. Foi assim com o desenho, e vem sendo assim também com a poesia. Eu já escrevi muitas coisas, mas rasguei e apaguei dos computadores. Os poemas foram os escritos que decidi guardar, que olhei e me enxerguei neles, entende? Foram também os primeiros que eu decidi mostrar. Mudando de assunto, mas ainda falando sobre poesia, este ano aconteceu algo muito interessante comigo, tive uma grata surpresa ao descobrir poemas do meu pai. Durante uma mudança, minha mãe encontrou um pequeno calhamaço de textos de autoria dele e com a letra dele. Foi uma surpresa, pois quando meu pai morreu eu tinha apenas 13 anos, nunca imaginei que ele escrevesse poemas. O primeiro que eu li me identifiquei muito, era um poema bem pessoal, existencialista. A poesia me conectou ao meu pai em um tempo e em um espaço diferente.
  

Sua poesia é um retrato, transmutado, evidentemente, da sua própria persona ou é fruto exclusivo da imaginação? 

Eu posso utilizar a imaginação, sempre utilizamos, mas minha poesia é muito da minha personalidade. Elas são muito pessoais. Meus versos são impulsionados pelos efeitos causados pelo meu cotidiano e pelas sensações que experimento, seja por coisas simples, que poderiam ser banais, mas nunca são, seja pelos sentimentos mais importantes que julgo ter pelas pessoas ou pela vida. A imaginação surge por vezes quando me coloco no lugar de outra pessoa para escrever, quando tento me imaginar em outro ser, mas sou ainda eu, meu olhar, minha carga.

Seu cenário é Natal, onde sempre viveu. Acredita que a ambientação é importante para o escritor? Se mudasse de cidade sua poesia seria diferente?

Creio que a ambientação é importante, mas não é fundamental. Acredito que seu eu vivesse em outra cidade teria outras vivências, claro, porém julgo os elementos que estão em meus textos como pessoais, e por isso, universais. Escrevo sobre minha ansiedade, sobre meus sentimentos, sobre a incerteza em relação ao futuro, sobre um presente hostil, sobre o avesso das aparências, e esses aspectos podemos encontrar em todo ser e em qualquer cidade. Natal está nos meus textos por estar em mim, mas meus textos não devem obediência a Natal.
  

Tem gente que diz que a literatura deve se voltar para o regionalismo, traduzir o espaço natal do escritor. O que pensa?

É muito difícil falar hoje em aspectos regionais. Hoje somos de todo lugar. A própria noção de espaço é bem abrangente, não se restringe mais a fronteiras fisicamente estabelecidas. Compreendemos que os espaços são construções humanas e não elementos naturais delimitados por clima ou qualquer outra coisa. É o homem que elabora a noção de recorte espacial e dá a ele um rosto. É o homem que conecta e mistura espaços. Meus textos falam mais sobre o homem do que sobre o espaço, do que sobre um único espaço natal ou região.

A poesia parece ser o seu gênero favorito. Por que? Não se sente à vontade escrevendo prosa?

A poesia me agrada pela carga de sentimento que é lançada, muitas vezes, com poucas palavras, pelo corte dos versos, que não se cortam efetivamente. Gosto muito da prosa, quem sabe um dia eu não escreva algo do tipo. Hoje não me vejo escrevendo prosa. Muito menos alguma narrativa que exija uma continuação de dias e meses na concentração de certo núcleo de personagens. Por enquanto, a poesia e suas possibilidades me deixam satisfeito.
  

Quanto tempo leva escrevendo-reescrevendo um poema? Qual o seu processo de escrita? Como constrói um poema?

Tudo varia bastante. Alguns nascem em um segundo, os textos praticamente se apresentam como uma visão. Vejo e digo...é isto! É o que quero dizer! E não importa o local, tenho que escrever logo. Outras vezes a criação se estende para alguns dias, não muitos, semanas. São poemas que surgem em partes, verso a verso, assim vou montando-os como quebra-cabeças, claro que neles não existem peças que se encaixam perfeitamente, mas fecho quando a composição fica ao meu agrado, pelo menos naquele dia.

Como os seus versos nascem? Através de uma palavra, uma sensação, uma imagem ou de uma situação?

Gosto da ideia de imagem! Sim, uma imagem ecoada por uma situação, ou mesmo uma palavra, mas gosto da ideia de imagem! São como cenas de filmes ou peças teatrais. Nelas eu represento, encontro pessoas, os lugares, os objetos, o meu próprio corpo e os sentimentos que envolvem tudo.


Escreve com qual objetivo?

Busco apenas expressar os meus incômodos em relação à existência. Sinto-me bem escrevendo e acreditando que alguém vai ler, é como em um confessionário, me alivio ao contar.

Algum poeta o influenciou?

Palavras me influenciam, sejam elas em prosa, em verso, cantadas ou não. O existencialismo da prosa de Clarice Lispector é sempre uma inspiração. Os textos de Jack Kerouac, sejam em prosa ou haikai, posso dizer que me encantam muitíssimo, principalmente em relação ao olhar que lança para a nossa sociedade ocidental tão marcada pela técnica, pelo capitalismo e que condena modos alternativos de viver e de comportamento. Além do olhar sobre o que está às margens, a escrita de Kerouac tem ritmo, é algo visceral e frenético. Fascina-me a associação que fez entre a estrada e a vida.  Também me inspiram a música de Bob Dylan, muito influenciado por Kerouac, a música de Nina Simone, sua voz intensa e pesada, as composições de Blues com suas vozes melancólicas e letras que contam sobre dores, desventuras, fazem, de certa forma, um elogio ao perdedor. Posso incluir também poetas como Leminski, Chacal e Moacy Cirne. Diferentes tempos e formatos, poesias que me inspiram.
  

Como traçaria um perfil da literatura potiguar? Troca impressões literárias com escritores locais?

Não sou capacitado para elaborar um perfil, mas em Natal, assim como em outros locais, existem grupos mais ligados a uma poesia conservadora em termos de formato, e outros grupos mais experimentais. A existência desses grupos é refletida também nos meios que utilizam para fazer circular sua arte. Em Natal além das editoras e da publicação em livros, existem editoras que produzem volumes como zines. Também é possível fazer circular a poesia de forma independente ou através de iniciativas de coletivos. Acerca da troca com escritores locais, faço muito, seja por meio dos diferentes saraus que ocorrem na cidade como também nos caminhos subterrâneos das redes sociais. Sim, por trás da superfície de banalidades e culto a imagem, tão comumente associados a esses veículos, existe uma teia de trocas poéticas nessas redes. Natal possui uma cena jovem muito rica em termos de poesia, aí eu me incluo. É possível se deleitar nas leituras e se inspirar cada vez mais.

Você desenha, e seus desenhos são precisos e sedutores. Fale sobre eles.

Sim, assim como a poesia os meus desenhos são necessidade para mim. Os desenhos vieram primeiro. É clichê falar que se faz algo desde a infância, mas honestamente é o que lembro que gostava mais de fazer. Após anos, afastado dos contornos, voltei a desenhar, comecei a guardar, acumular, por sugestão de amigos busquei meios para expor. Foi a Galeria do IFRN que primeiramente me abriu as portas. A exposição teve uma boa repercussão por parte dos visitantes e também dos amigos que já conheciam o meu trabalho. Também este ano tive a oportunidade de mostrar meus desenhos na Livraria Nobel Salgado Filho. Atualmente preparo uma nova exposição que terá como tema o circo, diferente da anterior, a Rabisco Noir, com tema e estética inspirada no meu cotidiano, como também no Cinema Noir. A nova exposição se chamará Circo Reverso e ainda não possui data. Ambas tem em comum uma preocupação com o lado mais escuro da existência humana. Meus trabalhos podem ser vistos através da minha página no facebook, Garabatos por Augusto B. Medeiros.

augusto b. medeiros
Vale a pena escrever, ser artista?

Vale! Não em relação ao dinheiro, mas não é o intuito da minha arte servir como ganho financeiro. Sou professor de História e gosto muito da profissão que escolhi. Faço arte por necessidade de fazê-la, por isso tem valido a pena. Eu vendo meus quadros, publicações, gosto quando alguém se identifica e se agrada e quer levar, cobro por isso, pois para produzir eu tenho meus custos. Evidente, que os artistas também pagam suas contas, sendo necessário que sejam valorizados também financeiramente, mas minha arte não é feita visando agradar um possível comprador, não é feita para agradar as expectativas de alguém.  É como costumo dizer, não é apenas traço, é pedaço de mim, ou seja, não são apenas linhas ou palavras, é algo mais profundo.


POEMAS de AUGUSTO B. MEDEIROS

BABY

Quantos frascos de perfume, Baby?
Quanto esforço
Para disfarçar o mau cheiro de sua dor
Nestes hard times
Não reclame!
Não lamente ou se decepcione!
Se você já sabe
Sobre sua cidade Natal
Ela já te renegou
Até sua grana já acabou
Então se vista com seu corpo
E com o charme que lhe restou
Junto com as artimanhas bandidas
Que você sempre ocultou
Mas você sabe que tem
Todos tem, Baby

BAGUNÇA OXIGÊNIO

Quando arrumei a gaveta
Eu queria cada coisa em seu lugar
E fui alinhando
E me alinhando
Desejo imaturo
Ação impossível
De sustentar
Qualquer ordem
Todo dia é panela, mesa e prato
É meia e sapato
É gente
É desconforto sem fim
Sou eu apertado
Em minha bagunça oxigênio...

DOMINGO

Só hoje para ser feliz
Este domingo
Em minhas mãos
Linda estátua a ser dedilhada
E por isso saber
Ele já rompeu a cortina como saudade
Ele já nasceu com a culpa
Por eu não saber fingir a velocidade
De cada instante
Domingo por um triz

ENCOSTO

Anteontem
Estavas de costas
Te vi
Aos meus olhos
E eu quis
O seu lugar
No mundo
O seu vazio
Existencial
O seu suor imundo
E respirar
Teu bafo nasal
O que me prende
Vai bem além do teu corpo
Quero mais que pegar!
Encosto!

PAREDE

Era uma vez....
Um prego torto
Em minha parede
E não era conto ou metáfora
Era fisicamente eu, a parede, e o prego
Ecoando
Em minha cabeça a marteladas
Eu era refém da repetição das pancadas
Mas era possível ser diferente
Não muito longe dali
Diziam existir almas livres, soltas, flutuantes
Desapegadas de expectativas, pregos, paredes e martelos
Mas não! Eu não era um deles!
Eu pertencia aos cantos laterais das paredes
Da espécie dos que se fixam
Tortos


augusto b. medeiros

setembro 20, 2015

........................ CLARICIANAS: no CORAÇÃO das COISAS


Dizia o mineiro Guimarães Rosa que se lê CLARICE LISPECTOR (1920 - 1977) “para a vida, para viver”. Ao mesmo tempo em que ousava desvelar as profundezas de sua alma em escritos, ela costumava evitar declarações íntimas nas entrevistas que concedia, tendo afirmado mais de uma vez que jamais escreveria uma autobiografia. Parecia Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf. Autora de uma escrita estranha, de uma narrativa de uma beleza que dói.

Escreveu romances, crônicas, histórias infantis, contos. Indagou as questões da condição humana, como o amor, o nascimento, a morte, o desejo, a vida, o ato de escrever, o silêncio, a indignação. Como bem descreve Caetano Veloso ao falar sobre o sentimento que a sua leitura provoca: “perfeitos momentos da literatura brasileira moderna, perfeitos momentos da vida nas palavras, perfeitos momentos.”

Lembro-me quando comecei a ler CLARICE LISPECTOR. Pensei: ninguém escreve como ela. Literatura aberta e multifacetada que permite plurais interpretações. De origem ucraniana, a escritora estreou aos 23 anos, em 1943, com o premiado romance “Perto do Coração Selvagem”. Na busca pela melhor forma de escrever sobre os assuntos que lhe interessavam, utilizou recursos como o fluxo de consciência, e criou uma sintaxe peculiar e inovadora.

Sua obra figura entre as mais importantes da narrativa literária brasileira e universal. Influenciada por autores como Franz Kafka, James Joyce e Virginia Woolf, deixa transbordar intimismo visceral e possui dimensão filosófica que atrai psicanalistas, críticos, filósofos e outros leitores. Autora dos clássicos “A Paixão Segundo G.H.” (1964) e “A Hora da Estrela” (1977), entre outros.


Nos últimos anos de vida estava bastante fraca. Andava anotando coisas em pedacinhos de papel, cheques, guardanapos e até mesmo maços de cigarros. Sofrera muito com as sequelas do incêndio que quase lhe custara a mão com que escrevia. Faleceu aos 57 anos, em 1977. Ao contrário do que acontece com muitos escritores, seus livros não foram esquecidos e seguem por aí, sendo reeditados e fascinando leitores em todo o mundo.

Livros e mais livros analisam sua escrita, e seu pensamento visceral. Frases, textos e trechos de sua intensa produção circulam pela Internet. CLARICE LISPECTOR ainda está viva, pois, como ela disse, “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever”. No entanto, devido ao seu caráter multifacetário e seu universo de olhares, formatos e interpretações, há muito fragmento e citação dela mal utilizados. Ela está sendo mal lida, lida em pedaços, numa esnobação involuntária aos seus livros complexos.

A escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continua sendo um mistério para seus admiradores, ainda que textos confessionais possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade.


CLARICIANAS

“Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.”
— em “Água Viva”.

“Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.”
— em “Aprendendo a Viver”.

“Sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também alguma recompensa.”
- em preambulo de entrevista com Pablo Neruda, 1966.

foto de analu prestes
“O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.”
— em “Água Viva”.

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. […] Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”
— em “Aprendendo a Viver”.

“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.”
— em “Aprendendo a Viver”.

foto de analu prestes
 “Sou tão misteriosa que não me entendo.”
— em “Aprendendo a Viver”.

“É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Ou neve, que é muda, mas deixa rastro – tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve.”
— em “Onde Estivestes de Noite”.

“Assim a falta de desejo dava silêncio ao coração do homem. Procurou a sua própria fome: mas era o silêncio quem lhe respondia. Ele estava experimentando o que era pior que tudo: não querer mais. O primeiro momento foi muito ruim, mal calculou ele que não querer era tantas vezes a forma mais desesperada de querer.”
- em “A Maçã no Escuro”.


“Não tenho medo nem das chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas. Pois eu também sou o escuro da noite.”
— em “A Hora da Estrela”.

“É preciso parar. Estou com saudades de mim. Ando pouco recolhida, atendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu? Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim – enfim, mas que medo – de mim mesma.”
- em “A Descoberta do Mundo”.

“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.”
— em “A Descoberta do Mundo”.


“Não ter nenhum segredo - e no entanto manter o enigma”
- em “Onde Estivestes de Noite”.

“De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é.”
— em “Um Sopro de Vida”.

“Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.”
— em carta a uma amiga, 1947.

foto de analu prestes
“Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só.”
— em “A Hora da Estrela”.

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”
— em “A Paixão Segundo G.H”.

“É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.”
— em “A Paixão Segundo G.H”.

foto de analu prestes
“Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior.”
- em “A Paixão segundo G.H”.

“O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte.”
- em trecho da crônica “O Nascimento do Prazer”.

“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.
— em “Perto do Coração Selvagem”.


“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.”
— em “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”.

“Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.”
— em “Aprendendo a Viver”.

“E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.”
— em “A Hora da Estrela”.


“Não quero a meia-luz, não quero a cara benfeita, não quero o expressivo. Quero o inexpressivo. Quero o inumano dentro da pessoa; não, não é perigoso, pois de qualquer modo a pessoa é humana, não é preciso lutar por isso: querer ser humano me soa bonito demais.”
- em “A Paixão Segundo G.H”.

“É sempre assim que acontece – quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer.”
- em “A Maçã no Escuro”.

“Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.”
— último bilhete, escrito no hospital da Lagoa, Rio de Janeiro, em 7.12.1977.

foto de analu prestes
OBRA DE CLARICE LISPECTOR

ROMANCE

PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM. 1944.
O LUSTRE. 1946.
A CIDADE SITIADA. 1949.
A MAÇÃ NO ESCURO. 1961.
A PAIXÃO SEGUNDO G.H. 1964.
UMA APRENDIZAGEM OU LIVRO DOS PRAZERES. 1969.
ÁGUA VIVA. 1973.
A HORA DA ESTRELA. 1977.
UM SOPRO DE VIDA. 1978.

CONTOS

ALGUNS CONTOS. 1952.
MISTÉRIO EM SÃO CRISTÓVÃO. 1952.
LAÇOS DE FAMÍLIA. 1960.
A LEGIÃO ESTRANGEIRA. 1964.
FELICIDADE CLANDESTINA. 1971.
A IMITAÇÃO DA ROSA. 1973.
A VIA CRUCIS DO CORPO. 1974.
ONDE ESTIVESTES DE NOITE? 1974.
A BELA E A FERA. [Publicação Póstuma]1979.

INFANTO-JUVENIL

O MISTÉRIO DO COELHO PENSANTE. UMA ESTÓRIA POLICIAL PARA CRIANÇAS. 1967.
A MULHER QUE MATOU OS PEIXES. DESENHOS DE CARLOS SCLIAR. 1968.
A VIDA ÍNTIMA DE LAURA. 1974.
QUASE DE VERDADE. [Publicação Póstuma], 1978.
COMO NASCERAM AS ESTRELAS. [Publicação Póstuma], 1987.

foto de analu prestes
CORRESPONDÊNCIA

CARTAS PERTO DO CORAÇÃO / FERNANDO SABINO, CLARICE LISPECTOR. [Organização Fernando Sabino]. 2001.
CORRESPONDÊNCIA - CLARICE LISPECTOR. [organização Teresa Cristina Montero]. 2002.

CRÔNICA

VISÃO DO ESPLENDOR. Impressões Leves. 1975.
PARA NÃO ESQUECER. [Publicação Póstuma] 1978.
A DESCOBERTA DO MUNDO. [Publicação Póstuma]. 1984.

ENTREVISTA

DE CORPO INTEIRO. 1975.
A ÚLTIMA ENTREVISTA DE CLARICE LISPECTOR. 1992.