março 25, 2017

.................................................... INTERLÚDIO - 29 vezes MORVAN



Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
GUIMARÃES ROSA
Grande Sertão: Veredas

Ilustrações:
ANDY GOLDSWORTHY
(Reino Unido. 26 de julho, 1956)

A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui
PAULO LEMINSKI

ouvindo MOZART


No período mais próximo da morte dele, vi muito pouco MORVAN. Que era uma pessoa que eu via todos os dias. Então senti desconforto, parecendo que poderia ou deveria ter feito alguma coisa, ter estado perto de algum modo. Quando soube do seu falecimento fui arrebatado por sentimentos de amor, saudade, desmantelo e compaixão. Lembrei-me do nosso projeto-sonho-lúdico, planejado detalhadamente e adiado duas ou três vezes, de acompanhar o Velho Chico da nascente ao mar, ou vice-versa. Ele fotografando, eu descrevendo no papel o que via n'alma. Sem exagero, chorei dias seu óbito cruel e inesperado. 

Quase nove meses se passaram. Enfrento os desafios e dinâmicas do destino. O passado enterrado, e vez ou outra brotando da terra fértil uma plantinha desconhecida de flor azul. Ela habita esse texto, multiplicando-se em rabiscos, reflexões escritas em folhas soltas ou em objetos, notas a lápis em livros, e-mails recebidos dele, duas cartas, muitas fotografias. O mineiro MORVAN amava fotografar. E mais ainda, reinventar a imagem, quebrando padrões. Nossos retratos levam ao caminho do coração. Leitor atento de Clarice Lispector e Fernando Pessoa, ele também escrevia dádivas (e dúvidas). 

Errar é humano, sabemos, mas amar, valorizar e perdoar também. A dor passa. A saudade acalma. A decepção ensina. Doida e lúcida, a vida continua. Nesse tributo, antologia emocionada do pensamento morvaniano. Ele se foi aos 29 anos de idade. Selecionei 29 fragmentos de gritos e sussurros escritos sensivelmente por ele. Conhecimento é o tecido do espírito. Confira essa bonita, densa e atormentada aventura intimista.


01
Acho que esse texto já é ultrapassado, como se o tempo contasse para ele como conta para os efemerópteros, aqueles insetinhos poéticos que te falei, que tem apenas algumas horas de esplendor numa noite para revelar seu total sentido. Mas segue-se ele; soando a palavras apressadas e sujas, póstumas do momento.

02
Me angustiam os vermes, esses mesmo, os reais, e outros, os mentais, cuja matéria são as ideias amorfas, ainda larvais e sôfregas por tudo que ainda não se sabe ao certo, que não adquiriram forma delimitada e tão pouco a leveza flutuante tão almejada.

03
Antonio meu raro, sua vida tem tantas facetas e tu és tão transparente, polido e vivo que encheria de inveja o mais belo dos cristais, sua rareza é de diamante bruto, a qual apenas olhos líricos e atentos identificariam as magníficas iridescências que emites despretenso de seu íntimo. Quero-te meu raro, como almeja o ourives a rocha doirada talvez longínqua e profunda que jamais encontrará... longe demais de seu alcance...


04
Sou confuso e sabes, como pode um homem ter coisas tão belas e cruéis dentro de si, simbióticas e caóticas na profusão de tudo acontecendo contíguo?

05
Sou livre, e canto a liberdade e a verdade. Amo a natureza e suas intrincâncias e místicas, de seu estudo tenho feito ofício e me encho de adoração e respeito mais que milenar por todas estas criaturas.

06
É tudo uma questão de adaptação e evolução... mas, quanto aos seres gente, a que realmente se deve adaptar? O que é mesmo evoluir?

07
As vezes não me sinto bem em alguns ambientes, me mantenho ali erguido mas perdendo, é como que drenado em energia pelo que não sei o que é, uma asfixia...


08
Acontece que acabo de aqui aterrissar e estou tão aberto ao mundo que me embrenho incauto por tantos lugares, e temo não saber a hora de voltar, retroceder com o mínimo de danos possível a meu solitário e protegido interior. Âncoras não tenho e tanto menos espinhos, exploro universos que me mantive bastante distante e até combatia, preconceituoso em diversos momentos mas acreditando numa coerência ideologicamente delimitada.

09
Como são engraçados e irônicos os eventos da vida... já pousaram joaninhas em meus braços, borboletas já aceitaram os meus dedos ...os beija-flores nunca, mas pousarão um dia.

10
Me sobressalto mais uma vez contigo, a atenção intermitente que tens comigo e a doçura com que tratou essa minha causa tão aversiva, tudo me cativa. Pois afinal, encontrei alguém que pelo relevo suntuoso e as vezes drástico da vida, também coleciona dejetos, coisas valorosas do ínfimo, uma rosa, uma rocha, uma casca, uma brisa, um abraço.


11
Há tanto por se dizer, mas eu tenho uma enorme queda por alcançar a nobreza elucidante que podem certos silêncios.     

12
Uma verborragia breve, sobre a crueza da vida que não brinca.

13
Eu preciso escrever que... Eu não sou enganado por deuses. Eu sou um santo macabro, solitário no altar de minha total descrença. Me amaldiçoo usando rosas brancas. Me perfumo de morte para viver meu não-tempo.

14
Crio eu por martírio deliberado as minhas próprias e pantanosas incompreensões. Decidi pela deriva.


15
Cresço como um ficus na lama do obscuro e lanço raízes tênues em todas direções. Não me fixo, me sustento [ou houve um tempo]. Rogo meu próprio milagre. A esperança que me sustenta, reside nas partes mais tenras de manhãs excepcionais.

16
Minha consciência não é do tipo que permite paixões não decididas. Meu controle é tão frio que queima.

17
Divago. Devagar. Tão restrito e cativo é a novidade insuspeitada de meu triste trajeto.

18
Fui honrado com tal íntima visão, numa noite vagabundo com você olhando constelações na mata escura... sentados no alto de uma montanha na Chapada Diamantina, Bahia... deixei de te contar quando falávamos de cigarras, vagalumes  e meteoritos.       

Com enorme apreço.


19
Não tenho a vocação do beija-flor, esse dom de viver só de beleza. Só queria é que ele me aceitasse - como disse uma vez -, e pousasse mesmo que por um segundo em meu dedo... talvez eu não seja tão inocente e puro quanto cobra seu rigoroso juízo, ou talvez, por nunca estar no estado de bem-estar furta-cor que os atrai.

20
Queria o ato falho de dizer teu nome no lugar do meu. Queria me cobrir como uma pálpebra e simplesmente girar o meu espírito para o jamais visto. Quero ser ridículo com todas minhas forças. Quero te em paz... Imanto-te de todo bem do mundo.

21
Tô com sono, meio delirante. Seu poema me lembrou das fotos que tirei no jardim, há muito tempo, quando um beija-flor apareceu lá morto, tão colorido que era uma incoerência.

22
Pessoas muito diferentes só se cumprimentam. O mais importante é estar bem com seu interior e manter o critério da verdade. Só eles podem gerar frutos humanos e verdadeiros. Tenho meu lado obscuro, mas quero criar apenas coisas que, de alguma forma, iluminem e/ou proporcionem positivamente as consciências.


23
O ser humano é uma criatura sinestésica com um potencial enorme e diverso de criar metáforas e alegorias ao seu entorno. Todo ser é, em diferentes níveis, capaz de modificar o mundo e a si próprio de formas que os recorrentes juízos de valor maniqueísta não conseguem abarcar. Prefiro o status dialético de complexidade, seus maiores argumentos e calibrações.

24
Peço desculpas pela minha falta de eternidades. Desculpe também a solidez de minha solidão [cheia de pontos fracos inatingidos]. Desculpe enfim, estas ideias jorrando feito sangue duma cabeça decapitada.

25
Me desculpe, mas me utilizei de uma bebida e de cigarros para te escrever, às vezes me travo devido suposto rigor gramatical e demasiado crítico que talvez analise minhas palavras, padeço e emudeço, como eclipsado por sua cultura e vivência... é essa juventude miserável e ansiosa. Só sei que SEMPRE há saídas, umas mais e outras menos honrosas. Tyler D. mesmo diz, em Fight Club, que “Losing all hope was freedom”... e Hesse no Tratado do Lobo de Estepe, delata “que é mais nobre e belo deixar-se abater pela vida do que por sua própria mão”.


26
No mais, sigo tentando preencher com boas vivências os meus dias, circulando em poucos espaços e ao lado de meus poucos “colegas”, consciente que não tenho amigos em Natal. Te ____. Não consegui descobrir sua palavra. Talvez haja tempo. Amar é para os ordinários.   

27
No poema “Se te queres matar”, Pessoa indaga: “De que te serve o teu mundo interior que desconheces? / Talvez, matando-te, o conheças finalmente. / Talvez, acabando, comece...”. Estou muito abatido e triste, essa semana foi um teste de resistência. Preciso suportar o peso de minha solidão; reaprender a estar comigo e me enfrentar; mastigar na boca sangrenta, as velhas sinas e carmas. Não vou elaborar maiores pensamentos, não é o momento. Sonho com uma placidez entre nós.
Que resistamos a tudo isso.

Um abraço doce e eterno,
meu caro  e adorado Antonio

28
Mas me pego pensando... Talvez nossas línguas pudessem nos desatar. Talvez antes que terminasse de dizer, minha boca fosse a tua. Talvez imediatamente antes de falares noite, eu já balbuciasse m-i-n-ú-s-c-u-l-a-s-e-s-t-r-e-l-a-s... E não há mais o que dizer... Repito: não há mais o que me dizer. Não tenho um apontamento para uma redenção mais nobre [ou coisa-outra-qualquer].

29
Que os pássaros e os fungos se fartem dos frutos que não soubemos enxergar. Foi uma linda lua-de-mel. Prefiro me despedir assim. Não quero que me veja chorando. Obrigado. Muito mesmo. Querido e raro Antonio.

POEMAS para MORVAN
(resgatados em e-mails)

01
Há quase sempre
uma voz a murmurar
oculta noutra voz.

Há na realidade azulada
uma saudade medonha
um viver-desvivendo.

Há nas constelações íntimas
o sol e o infinito
fagulhas do sem nome.

Há o tempo no meu corpo
recordando e apagando.
Esta tarde reparei.

02
Pernoita em mim. E se por acaso me vem à memória, ama-me na conexão encantada, no aroma cálido da cumplicidade. Escalo a gratidão aveludada, respirando o perfume queimado das estrelas. Noite ainda, seu corpo ausente se instala vagaroso no meu ser-silêncio, enquanto envelheço na nômade solidão das aves.

03
colibris sobrevoam
fartos cabelos
coração e arte.

pousando em ti
te voam, e do jeito deles
poemados
na ordem mais natural.

cristalino diante do inusitado
transformado em colibri azulado
habita meu jardim florido.

desenho de morvan para antonio

FRASES de RIOBALDO
(selecionadas e interpretadas por Morvan - 
aniversário 2013 de Antonio Nahud)

Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.

O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui. Não fui! – porque não sou, não quero ser.

Eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruím, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! (...) Este mundo é muito misturado ...

A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho.

 Tudo que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito.

Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.

Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece.

morvan fotografado por antonio nahud - 2014

E vou-me embora
Por um mau vento
Que me leva
Sem rumo, lento,
Tal como leve
Folha morta
PAUL VERLAINE



março 07, 2017

............. A FLOR ESMAGADA do SEXO: POESIA ERÓTICA



Pela noite eu vou e a encontro no escuro,
Agarro-a pelas ancas e o cu lhe furo.
(do Folclore da Calábria - séc. XIX)

Ilustrações:
JAROSŁAW JAŚNIKOWSKI
(Polônia. 1976)


Desde a Grécia Antiga, o sexo inspira poesia. E POESIA ERÓTICA é um desafio maravilhoso. A sensualidade à flor da palavra é a sua chave, dinamizando a nossa consciência literária. Entra-se num terreno surpreendente, e isso se deve ao mistério que envolve Eros. Poemas eróticos inquietam, pois revelam a face mais secreta e despojada do poeta. São versos geralmente repletos de vida e volúpia, onde o autor mergulha no mais íntimo ao mesmo tempo em que se expõe, desbravando o corpo enquanto busca, na fluidez e lubricidade da linguagem, a própria nudez do seu bel-prazer.

Mesmo nos períodos de forte repressão, como na Idade Média europeia, houve significativa manifestação lírica-erótica falada e escrita. Já a literatura brasileira atravessou os séculos com raras ousadias eróticas. Os nossos poetas que se aventuraram a tratar de sexo, quase sempre o fizeram às escondidas, apelando para pseudônimos. O mineiro Carlos Drummond de Andrade, talvez o mais popular poeta brasileiro, escreveu POEMAS ERÓTICOS em meado dos anos setenta, optando por guardá-los em segredo, confiando a seus herdeiros a tarefa de publicá-los após sua morte. Assim aconteceu, surgindo em 1992 o livro de puro gozo “O Amor Natural”.


“É raríssimo encontrar um autor que nunca tenha experimentado a linguagem erótica. A diferença é que a maioria apenas tangencia o tema. Poucos são os que se tornam notórios pornógrafos”, afirma a pesquisadora Eliane Robert de Moraes, autora da “Antologia da Poesia Erótica Brasileira” (2015). Na literatura tupiniquim, por baixo do pano, há obras excitantes como “O Álbum da Rapaziada”, de Francisco M. Barreto, do início do século XIX, ou as “Cantáridas” (1933), POEMAS ERÓTICOS-satíricos produzidos pelos escritores capixabas Paulo Vellozo, Jayme Santos Neves e Guilherme Santos Neves, nos quais predominam o deboche e o homossexualismo. Só em 1985 estes poemas foram reunidos em livro.

Quando vemos que hoje o acesso ao erótico ou ao pornô é muito comum podemos nos perguntar: o que resta à poesia, em termos de abordagem do erotismo? Depois de vagar pelos recônditos libidinosos de Hilda Hilst, de ler textos de Georges Bataille e POEMAS ERÓTICOS de diversos brasileiros, dos primeiros sonetos sacanas do “Boca do Inferno” Gregório de Matos, até os mais recentes, cuspidos das gavetas de Nei Leandro de Castro, percebi que apesar de uma certa banalização do sexo, a produção hoje em dia é muito diversificada.  

E aqui proponho o erotismo de 45 poetas, acrescentando mais uma peça ao nosso mosaico de leitura. Mostram o poder do erotismo, da fertilidade e da liberdade sexual como inspiração. O sexo está nas palavras, na língua. O poema é então esse espaço de desfrute, de jogo e sedução. A seleção pessoal se justifica retratando o erotismo lírico através dos tempos. Resultou numa experiência extraordinária. Encontra-se nestes versos o êxtase poético de autores que, ao mergulharem fundo em suas próprias sensações, desnudam também o ledor, que se vê frente a frente com suas contradições ao pensar na fronteira entre o erótico e o pornográfico, o sexo e o amor. Boa leitura.


DA BÍBLIA aos BRASILEIROS

01
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.

SALOMÃO
(Israel. 1010 a. C. – 931 a. C.)

02
Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

SAFO
(Grécia. 630 a. C. - ?)     

03
Estendida sobre o leito, Dóris, de róseas nádegas,
me fez imortal na sua carne em flor.

FILODEMO
(Jordânia. 110 a. C. – 36 a. C.)

04
Para não veres meu emblema viril,
apartas a vista, como o pudor exige:
sem dúvida porque o que temes olhar,
anseias por recebe-lo em tuas entranhas.

SUETONIO
(Itália. 88 a. C. – 54 a. C.)

05
Uni meus lábios aos doces lábios de Antígona
e a carne possuiu a carne. Do resto nada digo:
dele somente a lâmpada foi testemunha.

AUTOMÉDON
(Grécia. 63 a. C. – 14 d. C.)

06
Ficou em pé, sem roupa, ali diante dos meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!

OVÍDIO
(Itália. 43 a. C. – 18 d. C.)

07
A tua pica é tão grande quanto o teu nariz, Papilo,
Tanto que a podes cheirar quando rija.

MARCO VALÉRIO MARCIAL
(Espanha. 38 a. C. – 104 d. C.)



08
Ah, seus braços, seus olhos que me endoidecem,
ah, seu andar estudado, e os beijos de língua incomparáveis

MARCO ARGENTÁRIO
(Itália. 27 a. C. – 14 d. C.)

09
E vós tomai, do não assaz caralho,
O animo pronto; baixai a vossa cona,
Enquanto enfio fundo o meu caralho.

PEDÂNIO DIOSCÓRIDES
(Turquia. 40 d. C. – 90 d. C.)

10
A carnadura das nádegas redondas palpitava,
mais ondulosa e mais fluída do que a água.

RUFINO
(Grécia. Séc. II d.C.)

11
Louvo a bailarina da Ásia que com seus gestos lascivos
suavemente ondula desde a ponta dos dedos.

PIETRO ARETINO
(Itália. 1492 - 1556)

12
Quem te vê, que tentação
De conter dentro da mão
E comprimir-te e apalpar-te.

CLÉMENT MAROT
(França. 1496 - 1544)

13
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes.

JOHN DONNE
(Inglaterra. 1572 – 1671)

14
A volúpia e os desejos são
O que a alma possui de mais raro.

JEAN DE LA FONTAINE
(França. 1621 - 1695)



15
O cono é fortaleza
O caralho é capitão
Os culhões são bombardeiros
O pentelho é o murrão

GREGÓRIO DE MATOS
(Bahia. 1636 - 1696)

16
Palpava um Barnabita irmã Colette
Por trás do parlatório, em desajeito.
A freirinha queixou-se: Nem se mete
Assim. Melhor seria estar num leito.

JEAN-BAPTISTE ROUSSEAU
(França. 1671 – 1741)

17
O bom mineiro tão robusto
Que em negro buraco, sem susto,
Penetra e fura sem cansaço,
Até acabar-se, ficar lasso,
Louvado seja!

CHRISTOPH MARTIN WIELAND
(Alemanha. 1733 – 1813)

18
Gosto de moças, mas muito mais de rapazes:
Satisfaço o rapaz, e ele me serve de moça.

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE
(Alemanha. 1749 - 1832)

19
Quanta vergonha... Vai-te... Queres mais?
O que tiveste não te satisfaz?

TOMÁS DE IRIARTE
(Espanha. 1750 - 1791)

20
Que esfregações, gemidos, desbaratos!
Que arremessos a seco, numa enfiada!

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI
(Itália. 1791 - 1863)

21
Em templo tão estreito,
Vá com jeito
Teu dedo em sua gana,
E a membrana
Só rompa, do hímen teu,
O himeneu.



THÉOPHILE GAUTIER
(França. 1811 – 1872)

22
Sem pejo o homem que eu gosto sabe e confessa as delícias do sexo.

WALT WHITMAN
(EUA. 1819 - 1892)

23
Encontrarás, sobre dois belos seios pontudos,
Dois grandes medalhões de bronze,
E sob o ventre liso, macio como veludo,
Amorenado como bronze.

CHARLES BAUDELAIRE
(França. 1821 – 1867)

24
E essas nádegas ainda, lua de dois
Quartos, alegre e misteriosa, em que depois
Irei alojar os meus sonhos de poeta.

PAUL VERLAINE
(França. 1844 - 1896)

25
Sobe... – e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril! – prossegue.
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios.

CASTRO ALVES
(Bahia. 1847 – 1871)

26
Franzida e obscura como um ilhós violeta,
Ela respira, humilde, entre a relva rociada
Inda do amor que desce a branda rampa das
Alvas nádegas até o coração da greta.

ARTHUR RIMBAUD
(França. 1854 – 1891)

27
Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

OLAVO BILAC      
(Rio de Janeiro. 1865 – 1918)

28
“Estou com pressa”, diz. “Eu quero vaselina”.
Gentil, o boticário indaga do cliente
Impaciente
A que uso se destina.
“Eu por mim recomendo sempre a boricada.”
E o cliente, a bufar: “Mas que papagaiada!
Pouco me importa qual, pois é para enrabar!”

GUILLAUME APOLLINAIRE
(França. 1880 – 1918)



29
a indecência no cérebro se torna obscena, viciosa,
a putaria no cérebro se torna sifilítica
e a sodomia no cérebro se torna uma missão,
tudo, vício, missão, insanamente mórbido.

D. H. LAWRENCE
(Inglaterra. 1885 – 1930)

30
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

FLORBELA ESPANCA
(Portugal. 1894 – 1930)

31
Nunca te foram ao cu
Nem nas perninhas, aposto!
Mas um homem como tu,
Lavadinho, todo nu, gosto!

ANTÓNIO BOTTO
(Portugal. 1897 – 1959)

32
Na boca ainda o sabor do outro homem
Ela é forçada a dar-me tesão viva
Com essa boca a rir para mim lasciva
Outro caralho ainda no frio abdómen!

BERTOLT BRECHT 
(Alemanha. 1898 – 1956)

33
Num impudor de estátua ou de vencida,
coxas abertas, sem defesa... nua
ante a minha vigília, a noite, e a lua,
ela, agora, descansa, adormecida.

JOSÉ RÉGIO
(Portugal. 1901 - 1969)

34
Ela arreganha dentes largos
De longe. Na mata do cabelo
Se abre toda, chupante
Boca de mina amanteigada
Quente. A puta quente.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(Minas Gerais. 1902 – 1987)

35
sob os coqueiros elegantes, junto ao mar e à lua,
há uma vida contínua de calças e falinhas,
um rumor de meias de seda acariciadas,
e seios femininos a brilhar como dois olhos.

PABLO NERUDA
(Chile. 1904 – 1973)

36
acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber,
caralho atormentado na escuridão, atacando,
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e trêmulos,
coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra

ALLEN GINSBERG
(EUA. 1926 – 1997)



37
O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios
E uma língua de agulha, de fogo, de molusco
Empapou-se de mel nos refolhos robustos.
Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios

HILDA HILST
(São Paulo. 1930 – 2004)

38
  beija-te
   a boca em flor
   e por baixo
      com seu esporão
          te fende te fode

           e se fundem
           no gozo

FERREIRA GULLAR
(Maranhão. 1930 – 2016)

39
Teu mamilo é um pênis,
minha boca vulva
onde escorre o leite
que tu me ejaculas.

ROBERTO PIVA
(São Paulo. 1937 – 2010)

40
Dá, minha senhora,
tua rija teta,
teu poeta implora
com a boca seca
a boca boceta
doida de Pandora.

ILDÁSIO TAVARES
(Bahia. 1940 – 2010)

41
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
– carpe diem! –
fora da zona da página?

WALY SALOMÃO
(Bahia. 1943 – 2003)

42
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

PAULO LEMINSKI
          (Curitiba. 1944 – 1989)     
     

43
A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

BRÁULIO TAVARES
(Paraíba. 1950)

44
Segundo especialistas, a chupeta
depende da atitude do chupado:
se o pau recebe tudo, acomodado,
ou fode a boca feito uma boceta.

GLAUCO MATTOSO
(São Paulo. 1951)

45
Acorrentados pelo coito
sussurram desconexos
desenham fios invisíveis
em peles suadas campos de dálias.

ANTONIO NAHUD
(Bahia. 1972)

FONTE
“O Erotismo” (L&PM, 1987), de Georges Bataille; “O Erotismo” (Rocco, 1988), de Francesco Alberoni; “Erotismo e Poesia: dos Gregos aos Surrealistas” (Companhia das Letras, 1990), seleção de José Paulo Paes; e “Antologia da Poesia Erótica Brasileira” (Ateliê Editorial, 2015), de Eliane Robert de Moraes.