agosto 15, 2021

................................................................................... Os VIVOS e os MORTOS

 

“A solidão é perigosa e viciante. Quando você se dá conta da paz que existe nela, não quer mais lidar com as pessoas.” CARL GUSTAV JUNG (Kesswil, Suíça. 1875 – 1961)
 
Ilustrações: ADOLPH GOTTLIEB (Nova Iorque, EUA. 1903 – 1974)
 
 
Durante três longos anos lutei contra uma desconfortável melancolia. Sonâmbulo, atirado num poço escuro, indiferente a tudo, nada me parecia real. Neste luto fecundo, compreendi que a experiência de ser vítima de uma traição, perturba, desassossega, envelhece. Felizmente, renasci amparado na religiosidade, na política, na arte. Uma resiliência costurada aos pedaços, longe do contexto social vigente. Amante da vida, suavizei densamente, muito além do mecanismo do sistema. Tornei-me adepto de virtudes, das coisas simples. Expulsei sem dó a vaidade, vícios, o erotismo exacerbado, a competição profissional, entre outras mazelas. Distante de ambições toscas, aprendi incontáveis formas de ternura.
 
Viver me parece importante, mas necessito distanciamento da alienação da sociedade tupiniquim. Se fosse noutros séculos, moraria numa floresta, feito o Robert Redford de “Mais Forte que a Vingança” (1972), mas não há como ser infinito e solitário nesse mundo globalizado. Sem lágrimas ou sofrimento, sem amargura ou rancor, e consciente que me tornei um excêntrico, ergui um formoso castelo no invisível. Recebo nele raras visitas e me considero em paz com o amado cão Puck. Cuido, estudo, pesquiso, produzo. Vejo os incríveis filmes da história do cinema, danço, cozinho, escrevo, viajo na rica biblioteca. Uma vida simpática. Se o Senhor lá de cima aprovar, seria maravilhoso mais uns vinte ou trinta anos nesse ritmo.


Não me considero idoso, talvez conserve um certo frescor do passado. Conheci o mundo, casei-me algumas vezes, fui um farrista devasso, vi centenas de shows e peças de teatro, estive em museus e festivais de cinema consagrados, mas não incentivo nostalgias. Confesso que perdi as ilusões: não sinto saudosismo, nem carências afetivas. Coroado pelo afeto de uma família generosa que mora longe, dedico-me honestamente ao sagrado, resolvendo com o divino os erros cometidos, joelhos no chão, e seguindo avante. Antigos relacionamentos sociais, que foram importantes, revelaram-se terríveis quando assumi uma identificação conservadora. Afastaram-se como se eu fosse um leproso. Considerei canalha e risquei-os da memória. Não foi difícil, jamais fui de lamentações, valorizo o presente. Nem mesmo me queixei da má sorte ao perder um olho pra sempre. O importante é crer em um mundo justo, onde os erros dos antigos não sejam copiados e sim reparados.
 
Para os ignorantes, a velhice pode ser o inverno da vida, mas para os sensatos é a época da colheita. Nos últimos anos, aprendi que a fauna e a flora curam a alma. Compreendi também - tardiamente - que o amor é um conto de fadas com um capítulo final muitas vezes abusivo. Eu tive muitos amores. Felizes e infelizes. Visualizava o amor como um estado de graça, uma das maneiras de se alcançar o céu, um perfume de lírios do Rei Salomão. O amor renega a fleuma, a placidez, o juízo. Com seus caprichos, abre-se em flor e dor. Por vezes ataca com tempestades ou transforma-nos em desertos, não importa, o fato é que ninguém está livre deste sentimento indomável difícil de compreender.
 
O amor faz parte de um tempo que passou. Atualmente o que me importa é a política, até a literatura ficou em um segundo plano. Eu não acreditava na política, não me seduzia, mas um dia descobri que é responsável por tudo, o bem e o mal. Passei a me informar sobre o tema e apaixonei-me, usando a densa experiência existencial para noticiar e esclarecer através de uma escrita simples, resumida, direta. Tudo começou nos mais de dez anos na Europa, acompanhando de longe a catástrofe esquerdista no Brasil. Testemunhar um bando de comunistas, ignorantes e larápios, tomar a terra em que nascemos muda a nossa perspectiva de vida para sempre. Fez-me ver tudo sob uma reação urgente, brotando a vontade de lutar pela nação, mesmo sob pena do conforto e notoriedade, com o qual estava acostumado, desaparecer.

Sendo assim, com bons propósitos, entrei nas redes sociais com a espada afiada na mão. Indignado com o Brasil à beira do abismo, revoltado com a politicagem perversa. Entrei nas redes sociais para escrever sobre o meu ponto de vista político e divulgar uma mensagem motivadora.  Inicialmente parecia uma tarefa impossível. Como pessoas que nem me conheciam iriam me escutar? Como um país com trinta anos de socialismo iria mudar? Qual o caminho a tomar? A possibilidade de tomarmos uma rota equivocada, mantendo os mesmos no poder, era altíssima. Felizmente, a maioria dos brasileiros, inclusive os mais simples, passou a se informar pela internet, dando conta dos mecanismos de corrupção e exploração.
 
Nas minhas redes sociais surgiram pouco a pouco comentários do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, e do mundo! Formamos uma grande família sem nos conhecer pessoalmente. Voltamos a celebrar o patriotismo, a religião cristã, o lar tradicional. Influenciamos mais e mais pessoas. Amigos e amigos dos amigos. Milhares sem um comentário mal-educado, sem uma ofensa. O surgimento do líder Jair Messias Bolsonaro, como um milagre, fortaleceu a esperança de dias melhores para o Brasil. Era a pessoa certa, no momento certo, com as atitudes certas. Um tanque de guerra para derrubar a muralha do comunismo local. Muito diferente da oposição frouxa, dissimulada e inútil que ambiciona o Planalto.
 
Ainda nos falta muito para vencer a guerra, mas o inimigo já não tem a mesma confiança e o mesmo poder de antes. Ele não acreditava que nos uniríamos tão rápido e fortemente em torno de um objetivo comum: a independência do Brasil. Um país guerreiro é feito por patriotas que lutam por ele todos os dias. No meio dessa batalha implacável, infiltraram a peste chinesa para esculhambar o panorama, com a morte brigando pelo protagonismo. Ainda não deu para superar esse destino insólito e muitos foram embora para sempre. Mas o prazer de viver resiste bravamente a milhares de enterros sem ninguém.


Firme, lembrei-me de um jovem sacrificado, pregado na cruz. Uma imagem de martírio e pureza. Entre máscaras, vacinas e confinamentos, recordei da porta do inferno na “Divina Comédia”, de Dante, onde se lê “deixai toda esperança, vós que entrais”. Nessa tragédia, de um lado e de outro, da esquerda e da direita, uma legião de defuntos. Todos democraticamente enterrados. Ciente que o destino do homem é o esquecimento eterno, não me abato e sigo impávido, mesmo com pena. Sinto, na carne, por terem sido tantos que partiram em tão pouco tempo. Neste mais de um ano de peste chinesa, choro por todos os mortos e tenho aversão aos governadores, prefeitos e imprensa que usaram e abusaram da pandemia.

Ando lendo “Que Filosofar é Aprender a Morrer”, um ensaio de Montaigne. Escrito em 1572, tem como base central a questão da meditação sobre a morte. Seus argumentos defendem a necessidade de uma preparação imaginativa, ou seja, uma antecipação mental da morte para que o temor que ela provoca, o qual é um grande empecilho para a boa condução da vida, possa desaparecer. Certa vez, o amargado José Saramago, que entrevistei duas vezes, ao ser perguntado a respeito da morte, respondeu que o ideal da vida é ser árvore. Parece-me que tal ideia foi despertada no escritor pelo fato de que uma árvore nasce, cresce, se reproduz e morre, distante da angústia da finitude.
 
Em outra definição do mesmo assunto, que considero precisa, Jorge Luis Borges nos aponta que é a consciência da morte que nos torna mortal. “Ser imortal é insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte.”. Essa consciência da morte é localizada em Umberto Eco, que disse que a melhor maneira de um escritor idoso enfrentar a mortalidade é reconhecer a estupidez do mundo que será deixado para trás. Nesse ritmo, basta pensar na morte para que ouçamos uma voz silenciosa perguntando: “O que está fazendo com o tempo que lhe resta?'”. Creio que a morte é o acontecimento mais devastador. Talvez por isso a religião tenha influência significativa. Ela auxilia na aceitação, garantindo a esperança da eternidade, seja num paraíso ou noutras vidas.
 
Entre o luto, a finitude e o medo que a morte carrega, valorizo a maneira como levamos a nossa vida e as marcas que deixamos enquanto vivos. É fato que a morte, tão pertinho, é tragédia que não se aceita fácil. É dura, dolorida, mas faz parte da vida. Os mortos só serão vivos outra vez numa conversa qualquer. Com sorte, alguém lembre daquele que se foi. No entanto, estará enterrado, morto. O tempo avança e, tudo que parecia sólido e fundamental, uma hora chega ao fim. Para todo o sempre.