outubro 08, 2017

................... EMANOEL ARAÚJO – MATEMÁTICA e PAIXÃO



do papel
ao cedro,
à tinta
esmaga
volume e forma
e cor
a percutir
a vista,
le coeur,
the heart

“Emanoel I”, 1973
ILDÁSIO TAVARES
(Gongogi, Bahia. 1940-2010)

Durante alguns meses trabalhei em uma galeria de arte paulistana, editando o trimestral “Jornal Skultura”. Esta semana encontrei em uma das incontáveis pastas-arquivo uma das edições, número 30, junho de 1990. Nela entrevisto o consagrado artista plástico e curador EMANOEL ARAÚJO (Santo Amaro da Purificação, Bahia. 1940). Na capa, “Fálico Exu”, de 1987. Comoveu-me, tinha dado como material perdido. 27 anos passados, releio editorial e entrevista.

EDITORIAL
Falar da arte do baiano EMANOEL ARAÚJO é enveredar pelos caminhos místicos da Bahia de Todos os Santos, mergulhar no afro, no próprio passado do Brasil. Sua história resgata a raça negra, a injusta escravidão, fauna e flora exóticas, Barroco, cultura do candomblé etc. A arte deste escultor, desenvolvida em ritmos e cores, também se confunde com a arquitetura. Aprendiz de marceneiro aos 10 anos de idade, ex-entalhador, seu grande salto aconteceu quando passou da gravura para a escultura, nos anos 70.

Para uma análise mais detalhada da sua obra, conhecida internacionalmente, o “Jornal Skultura” dedica-lhe este número, recordando suas principais criações em 30 anos de carreira. Isto para documentar uma arte que começou tímida, desenhada a nanquim e guache, e mais adiante se destacou por sua força e geometria vibrante. 

Os deuses do artista encontraram soluções para uma arte sensitiva.

ENTREVISTA
EMANOEL ARAÚJO - MATEMÁTICA e PAIXÃO

O escultor baiano EMANOEL ARAÚJO figura na reduzida lista de artistas brasileiros respeitados no exterior. Nascido em Santo Amaro da Purificação, terra que gerou a cantora Maria Bethânia, 49 anos de idade, ele está celebrando 30 anos de carreira. Diz se sentir recompensado pelos deuses e que sua trajetória como artista “aconteceu naturalmente, em um ritmo que foi se desenvolvendo”.

“As dificuldades maiores aconteceram na juventude, inclusive porque era difícil o desenvolvimento profissional do artista no Brasil. Mesmo assim, foram anos gratificantes em todos os sentidos. Eu, que sempre digo que sou do século XIX, porque nasci numa cidade onde o bonde era puxado por um burro, envolvi-me com gente ‘contemporânea’, gente que não para de produzir inclusive nos momentos mais duros.”


Neto e bisneto de ourives, um dos treze filhos de Guilhermina Alves de Jesus e Vital Lopes de Araújo, EMANOEL ARAÚJO deixou a cidade natal planejando estudar arquitetura em Salvador. Terminou matriculado na Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia. Nessa época, mostrou seus primeiros trabalhos em exposição na Biblioteca Pública.

“Aos dez anos de idade fui trabalhar com um excelente entalhador, Eufrásio Vargas, que me mostrou uma palmatória e recomendou que me dedicasse com afinco a aprender. Gostei da sua oficina e ele se entusiasmou com o meu trabalho. Eu fazia entalhes de móveis déco, à moda dos anos 40. Depois fui para a imprensa oficial e voltei a estudar. Terminei o ginásio aos 19 anos. Minhas primeiras criações foram feitas a nanquim e guache. A combinação tornava o desenho ‘lavado’, lembrando uma gravura.”

Aluno do conhecido gravador e pintor Henrique Oswald, EMANOEL ARAÚJO logo se destacou entre os colegas da Escola de Belas Artes, uma novidade em sua vida, já que, ao longo da infância-adolescência, foi expulso por insubordinação de vários colégios. Politicamente ativo nos conturbados anos 60, fez parte dos Centros Populares de Cultura, de greves e manifestações. Entre as mobilizações desta época, participou na Bahia da campanha pela alfabetização liderada pelo educador Paulo Freire. Desenhou a campanha ideológica e trabalhou como cenógrafo em várias peças polêmicas, de Bertolt Brecht a Nelson Rodrigues, dirigidas por Carlos Murtinho, Orlando Senna e Álvaro Guimarães.

“A minha obra sempre foi, em um certo sentido, política. Procuro explorar o lado expressionista da vida. Busco a arte pública. Já decorei uma cidade inteira para o carnaval (Salvador, 1967), criei incontáveis cartazes e cartões de Natal, dirigi um museu. Acho que a grande arte é a obra que está nas ruas. A criação é mais completa quando é pública. Quando procuro o debate social estou procurando a ‘participação’, ser um artista interferindo no social. Não quero ficar trancado dentro de um ateliê, alienado, distante. Acho que o artista, em um país como o nosso, pode e deve contribuir por todos os meios que tiver ao seu alcance.”

Inquieto, EMANOEL ARAÚJO expandiu sua arte através de exposições e ilustrações de livros. Não era mais o garoto que tinha conflitos com o pai ourives que exigia que o filho continuasse sua profissão. Do apoio incondicional da mãe, nunca abriu mão. “Nós éramos cúmplices. Eu sentia o seu imenso poder maternal.”, diz o artista. Ao longo dos anos alinhou em seu currículo dezenas de exposições individuais e coletivas no Brasil e no mundo. Foi premiado pelo Museu de Arte Contemporânea de São Paulo – e pela primeira vez - em 1966. Em 1983 se destacou como o Melhor Escultor da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). 

Após xilogravuras abstratas de motivos florais e figurativos, inspiradas em plantas e frutas da Bahia, encontrou seu real caminho em esculturas monumentais, sob o signo do geométrico. “Vejo a gravura como uma espécie de escultura, já que nasce de uma matriz tridimensional. A escultura no meu caso foi um processo de continuidade. Queria invadir o espaço, partir para a madeira, criar em concreto e ferro.”, diz o escultor.

Filho de Ogum, Orixá guerreiro que protege ferreiros e entalhadores, EMANOEL ARAÚJO é de ascendência africana de raízes Nagô (Iorubá brasileiro) e ameríndia. Em 1976 esteve na África, e o impacto deu início a uma nova e surpreendente fase profissional. Segundo o crítico de arte e professor de Arte da Universidade da Cidade de Nova Iorque, George Nelson: “Cada peça escultórica de Araújo é uma meditação equânime entre matemática e paixão.”.

“Em 1986 dei aulas em Nova Iorque, no The City College. Era um curso de graduação em Artes Gráficas. Se quisesse, passava seis meses lá e seis meses aqui, mas preferi voltar. A verdade é que não me sinto muito à vontade em salas de universidades. O professor Henrique Oswald, da Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia queria que eu assumisse o seu lugar. Eu é que nunca quis saber da vida universitária. Instituições tiram nossa liberdade. O quero é ser artista. Sempre foi o meu desejo.”

Ele já é o artista que sempre desejou ser. Trabalha o ferro em peças de robustas dimensões. Monumentos autossustentáveis integrados ao urbanismo de cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP), disse dele: “Num certo sentido, voltado a construção. Suas peças metálicas são moduladas com talento formal e destacam-se quando servem a arquitetura, dando relevo, integração e animação.”

Na escultura nacional, EMANOEL ARAÚJO admira Brecheret, Caciporé Torres, Vlavianos, Krajcberg e Franz Weissman, entre outros. Sobre sua obra, diz que atualmente é mais sintética: “Evolui para planos de luz, para a ciência de certos momentos, de pequenas sutilezas. Meu trabalho está mais leve, a procura de um espaço que vai se definindo aos poucos, que se desdobra e continua. No que faço coexistem a arte africana, ideias populares e o Barroco baiano.”


Completando 30 anos de carreira, o artista teve sua escultura “A Roda” instalada na Estação Barra Funda, em São Paulo capital. Nela, o giro da roda, ritmo apressado, tensão, busca recorrente, a matemática. Em pleno metrô, a arte pública desejada por Emanoel. Bela. Talentosa. E pública.

Antonio Nahud
São Paulo, SP. 1990.

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