abril 27, 2022

......................................... ITABUNA: o PASSADO por TODA PARTE

 

para o contista Hélio Pólvora (in memoriam),

o cronista Antônio Lopes,
e o poeta Sérgio Ricardo Prazeres Brandão


“Via na sua frente não mais a mata iluminada pelos raios, cheia de estranhas vozes, enredada de cipós, fechada nas árvores centenárias, habitada de animais ferozes e assombrações. Via o campo cultivado de cacaueiros, as árvores dos frutos de ouro regularmente plantadas, os cocos maduros, amarelos. Via as roças de cacau se estendendo na terra onde antes fora a mata. Era belo. Nada mais belo no mundo que as roças de cacau.”


JORGE AMADO
(1912 – 2001. Ferradas, Itabuna / Bahia)
“Terras do Sem Fim”
 

Eu vim
de noites úmidas,
quando as sementes
fecundavam
o corpo virgem
da mata.
Eu vim
da branca paisagem
de pequenas flores
germinando ouro
no ventre
dos cacauais.
E acordei na manhã
dos deuses,
no mundo
do chocolate.

VALDELICE PINHEIRO
(1929 – 1993. Itabuna / Bahia) 
 
 
Uma cidade não se entrega fácil a quem não a conhece. É preciso conquistá-la, num exercício de querer bem e contemplação. Itabuna não foge à regra. Entre o rio e as montanhas, situada no sul da Bahia, é a terra natal de Jorge Amado, que a traduz perfeitamente nos romances “Terras do Sem Fim” (1943), “Gabriela, Cravo e Canela” (1958), “O Menino Grapiúna” (1982), “Tocaia Grande” (1984) e “A Descoberta da América pelos Turcos” (1994). O escritor é o nosso totem, o nosso mito, o nosso símbolo, inclusive pela lealdade de compreender e amar a nossa região, pátria de índios, brancos, negros e sírio-libaneses.

Segundo Schopenhauer, “a felicidade está sempre no passado ou no futuro”. Interpreto o que passou em Itabuna. Tudo é sagrado. Mas essa cidade vai além das evocações sentimentais. Lembro-me do rio Cachoeira, um rio moroso, terno. Lembro-me do silêncio, da majestade e da diversidade da Mata Atlântica. Na minha meninice, Itabuna deu-me tranquilidade de espírito, paz no coração, amor pelas coisas humildes. Neste universo diferenciado, aprendi a amar os livros. Ao longo de sucessivos anos, viajei na biblioteca paterna. Lia na rede, nas árvores lânguidas, nas rochas da fazenda, de onde observava, enquanto passava a página, a imensidão do panorama verde e azul.

pai antônio, um advogado
Inicialmente enveredei por estórias líricas e heroicas, de piratas e barcos, de sereias e sortilégios, de combates e amores imortais. Em pouco tempo descobri Victor Hugo. O escritor francês foi um bom amigo. Ficava até alta horas da noite lendo seus romances. Mais adiante, visitei emocionado sua casa-museu em Paris. Meu romance predileto de Hugo? “Os Trabalhadores do Mar” (1866). Outros escritores me acompanham. Virgínia Woolf, de “Passeio ao Farol” (1927), está a meu lado. Marguerite Youcenar, uma leitura frequente. Shakespeare eu nunca o abandonei.

Tive momentos de arrebato com Fiódor Dostoiévski, Tolstói, George Bernanos, Albert Camus, Franz Kafka e George Orwell. Chorei com “Madame Bovary” (1856), de Gustave Flaubert, e “O Morro dos Ventos Uivantes” (1847), de Emily Brontë. Sozinho, em voz alta, lia poemas de Rilke, Lorca e Káfavis. Dos patrícios, fui seduzido por Autran Dourado, Lúcio Cardoso, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Adonias Filho. Todos companheiros desde Itabuna. Povoaram minha vida de aprendizado.


Não se pode esquecer o que se viveu, o que se viu nem o que se sonhou em um mar de visões. Há uma profunda memória no pensamento, e uma profunda memória no coração. Eu era uma criatura de imaginação, de fantasia. Temia as bestas apocalípticas, os diabos delirantes dos contos de Hoffmann, os seres subterrâneos, os vampiros da bruma. Saudava poetas, guerreiros, profetas, anjos, santos, e um poder maior descendo das estrelas, esperando rastros das anunciações e das ascensões. Nas brincadeiras privadas, imaginava fazer um poço bem fundo, que atravessasse toda a terra, caia dentro dele, de cabeça para baixo, e saia de cabeça para cima, lá na outra ponta, no Oriente!

A paisagem do mundo pode ser resumida nas cidades. Cada uma delas é uma joia do mundo e da louca aventura do homem. Elas têm alma, caráter, personalidade. Itabuna é imprevisível e arrebatada, marcada por progressos e declínios. Ergue-se no passado como a história real de um delírio. Na minha juventude, era formosa, gostosa, pacata, pequena, e não fazia medo a ninguém. A droga era coisa de se ouvir falar, o núcleo familiar tinha consistência, respeitava-se pai e mãe. Vivia-se a questão homossexual debaixo dos panos. De cultura pujante e singular, era vibrante em figuras extravagantes e carismáticas.

Deus era – e ainda é - um compromisso ininterrupto da nossa família. Católicos, morávamos no Pontalzinho, bairro de classe média, onde todos se conheciam. Inicialmente na rua Ramiro Nunes, uma subida alongada, arrastada, em um sobrado verde-sumo, com sótão, fantasmas e morcegos. Família grande: mãe, pai, cinco irmãos (Neto, Urbano, Paulo, Marcelo e Anna Áurea). Tínhamos cachorros, pássaros, um gato e um cágado. Mudamos para a Né Abade. Todas as sextas-feiras a caminho da fazenda Bela Vista, depois de Itapé, e só de volta no domingo. Uma aventura de jeep, rural, vemaguet ou maverick lotados. Os irmãos e eu no banco de trás, com animais domésticos no colo. 
 
antonio nahud e telmo padilha
O vento dançava abraçado às flores. Os raios de sol invadiam a terra, lambendo-a de luz dourada. Os montes recurvos, a rodovia ondulada espreguiçando-se numa doçura casta. No caminho, várias paradas, com pai conversando com uns e outros. Visita instantânea à casa de Vovó Nininha e tia Rita, na ida e na volta, com merenda e fuzarca. Doce de banana, beiju na palha, arroz doce, biscoitinho de nata e ovo na manteiga. Perto das nossas terras, surgia Chico da Porca, que morava numa ilha e corria atrás do carro, gritando na sua pronúncia truncada o nome do seu ídolo: “Tóton, Tóton!!!!”. Chamava mamãe de Ludina, tocava cavaquinho pra ela. Os doidos veneravam nosso pai. De longe, avistava-se o rude casarão, pastagens, barcaças de secagem do cacau.

Meu encantamento por rios e matas vem dessa infância paradisíaca. Não se pode esquecer que, entre o verde da mata, estavam jequitibás, sapucaias, mangueiras, jambeiros, jenipapeiros e jaqueiras. No cercado, perfumosos cajueiros, goiabeiras, bananeiras, pés de tangerina, lima, carambola, pinha, graviola, pitanga, umbu, abacate, mamão. No gramado, rosas, jasmins, tuberosas, violetas, manacás, hortênsias, cravos. Canários e pintassilgos. Galinhas, perus, patos, gansos e guinés. Carneiros, cavalos e vacas leiteiras. Café da manhã com cuscuz, inhame, aipim, ovos, cavaco, banana da terra frita ou cozida. No almoço, caças como a paca e a preá, peixe e mariscos de água doce.

Na noite rural, iluminação de candeeiro de querosene. Os gestos rítmicos das árvores, os pássaros e insetos noturnos, a lua tão luminosa na escuridão. Na cama, acordado, ouvia a sinfonia dos bichos ocultos, de gemidos de onças ao canto das corujas. Desde então, o silêncio da noite provoca em mim uma forte sensação de segurança e felicidade. Ao amanhecer, o maravilhamento da natureza. As coisas materiais pareciam ungidas de óleos sagrados. O dia depositava sombras azuladas. O sol cintilava no miradouro do céu. Não havia mais do que azul, uma orgia de azul. O azul não estava no céu, estava nas montanhas, escorria nas águas do rio, ondulava nas árvores.

Elegias de azul, subindo da terra ao céu e vice-versa. A princípio de um azul diluído, de repente embebia a sua turquesa líquida de misterioso esplendor. Os irmãos corriam, rindo. Havia contentamento. Satisfeitos, nós íamos inflamados de pureza, íamos sonhando delícias, íamos com os olhos no céu. Na Bela Vista, em cada canto morava um pensamento, uma ilusão, uma paixão. Tudo podia ser real e irreal. O céu imenso, vasto, parecia de mel azulado. Todas as cores gritavam na mata, e, entre verdes e amarelos e azuis, o tonificante cheiro de eternidade. Época de pescarias, cavalgadas, banhos de rio e avôs apaixonantes. 
 
bromélias
















Boníssimos, cada um no seu personagem, um avô sergipano de Itabaiana e o outro baiano de Rainha dos Anjos. Vô Pedro usava rapé e fumo de rolo, sentava na porta de casa em uma cadeira de madeira, como em um trono. Vô Bispo, meio cego, batia perna o dia inteiro, sociável e fanático por rabos de saia. Simpáticos e populares, eles amavam a vida, os filhos, os netos. Entre cânticos afinados, igrejas e sinos, avós generosas. Vó Áurea, religiosa, beata, orgulhosa e imperdoável. Sofria muda. Deus era o permanente desejo dela. Vó Nininha, uma danada, fazia mil coisas, adorável, um dos meus maiores amores. Tenho uma doce conexão com ela. Sempre sonho conosco em lugares lúdicos. Seria bom reencontrá-la no além.

Como me sentia longe do chão, da realidade. A conversa infinita da alma com a solidão. Seria honesto dizer que ali meditei sobre o tempo, as incoerências da vida, a impermanência das pessoas e das coisas, que deve nos fazer valorizar o que se revela permanente; dizer que refleti sobre a arte e a literatura. Meus desejos, decepções e experiências vieram e se foram, mas o ofício artístico me ajudou a tornar a vida satisfatória. Naquele lugar, pensava apenas na sorte de sentir o perfume do cacau, exercitar plenamente as sensações, atento ao que me rodeava enquanto todos dormiam. Naquelas horas enviesadas, sinuosas como os caminhos pérfidos, o meu espanto se agigantava.

A miragem de Itabuna brilha diante dos meus olhos, subindo na memória e no coração. Tudo isto são pedaços de recordações, tudo isto são retalhos de Itabuna. Lembro-me que nas noites tranquilas se podia andar sem destino pelas ruas. Nosso bairro era exclusivamente residencial, sem edifícios. Na rua alta, em uma das pontas desembocava em um matagal onde fazíamos expedições. Certa vez encontramos um crânio, resultando em resenhas por semanas. No final da tarde, assistíamos desenhos animados e seriados. “Daniel Boone”, “Túnel do Tempo”, “Terra de Gigantes”, “Perdidos no Espaço”, “Tarzan”, “Flash Gordon” ou “A Feiticeira” eram os favoritos. 
 
cacau, o fruto de ouro 
 
Depois de jantar, uma telenovela da Tupi. Nenhum canal sabia mais retirar lágrimas e risos dos rostos dos brasileiros, oferecendo um excelente elenco de artistas. Brilhavam Adriano Reys, Cleyde Yáconis, Carlos Alberto, Irene Ravache, Yoná Magalhães, Juca de Oliveira, Nicette Bruno, Joana Fomm, Eva Wilma, Nathalia Thimberg, Walmor Chagas; “Simplesmente Maria”, “As Bruxas”, “A Fábrica”, “Bel-Ami”, “Na Idade do Lobo” e “Mulheres de Areia”. Pulávamos de folhetins românticos para o programa de auditório de J. Silvestre e séries adulta, como “Combate”, que nosso pai venerava, ou “Havaí 5.0”. Éramos leitores de gibis e do jornal “O Globo”, e crentes em um mundo justo.

Todos os dezembros, no Natal, nos reuníamos na casa dos avós paternos. Entre quibes, pãezinhos, bolos, sorvete de ameixa e guaraná, os tios Gervásio, Zito, Aládio e Hugo e suas esposas, namoradas e filhos. Durante anos, com Vó Áurea, uma sorridente criada, Angelina, que a gente amava, e uma sobrinha querida, Mariazinha. Nesta torrente cálida, na ardente sombra, surgem vultos e rostos inesperados de vivos e mortos. Todos os vivos que encontro, e vejo e ouço, não são tão vivos quanto muitos dos meus mortos.

Nas décadas de setenta e oitenta, Itabuna se caracterizava por bairros sem violência, matas enfeitadas de bromélias, ruas pitorescas, céu azul intenso. A cordialidade e a boa educação da população pareciam ensinar: “Viva o presente, e só o presente, que o futuro não tem futuro”. Assim, faziam parte da geografia e de nossos corações, o Vagão, Cacau 2000, New York-New York, Amaralina, Encontros, Esquina 3, Estrela do Sul, Pica Pau, Pub, Iate Clube da Mangabinha, Sorveteria Danúbio, Teatro ABC, acarajé da Biá etc.

orquídea da mata atlântica 
 
A dignidade dos velhos e magníficos casarões do tempo dos coronéis. Eu me orgulhava deles. Na paisagem urbana, casas comerciais, escritórios de firmas compradoras de cacau, residências modernas, hotéis e pensões. Esbanjava-se fervor nas festas do Grapiúna e do Itabuna, nos colégios e quermesses religiosas. Na magia do São João, fogueiras e fogos de artifício. Para os lados do Cajueiro, atual bairro de Fátima, um cortejo de fêmeas e rufiões que punham em polvorosa o baixo meretrício. É esta Itabuna que recordo, sinto, vivo. Colégios marcados por dogmas, tradição, patriotismo, boa qualidade educacional. Eu estudava no Divina Providência. Como colega, um garoto belo, Michel Maron, que namorava uma linda mocinha, Maria Fernanda, estudante do Gato de Botas. Meus primeiros poemas foram para ela, publicados na “Tribuna do Cacau”. Também estudei no Instituto Aquarius, com outro Apolo, Alemão Rosas. 
 
Lembro-me de vários cinemas e dois teatros. Todos os domingos eu ia ao cinema com os irmãos. Era um ritual de profundo prazer. Filmes com atraso de mais de uma década. O repertório idêntico: comédias de Jerry Lewis, musicais de Elvis Presley, produções da Disney, cowboys e épicos italianos de espadas. A primeira vez que vi um filme autoral, num cine de arte que sobreviveu poucos meses, fiquei em transe: “Amarcord” (1973), de Federico Fellini. A partir daí, um caso de amor que dura até hoje. De 1918, o Ideal foi o cinema pioneiro de Itabuna. Anos depois veio o Elite. A seguir, o Cine Ita. Em 1940, inaugurado com pompa e circunstância, o Cine Itabuna. Na rua Ruy Barbosa, na década de 50, o Cine Plaza. Logo o Marabá, com capacidade para mais de mil pessoas, na praça Camacan.

maria olívia rebouças
Lembro-me também do Cine Catalunha, na avenida do Cinquentenário. Ali, os radialistas Titio Brandão e Germano Silva promoviam programas de calouros. O Oásis, no Cajueiro, destacou-se por exibir longas pornográficos. Eu frequentava o Itabuna, mas às vezes ia ao Marabá ou ao Catalunha. Nesse tempo de movimentação cultural intensa, havia a Sociedade Itabunense de Cultura (SIC), o Protejo de Atividades Culturais Cacau (PACCE) e o jornal “Cacau/Letras”. Lembro-me da irreverência de Hélio Pitanga, dos projetos teatrais renovadores de Mário Gusmão e Jurema Penna, Gideon Rosa divulgando escritores emergentes, crônicas de Plinio de Almeida, antologias literárias de Tica Simões e a luxúria de Charles Henri, promovendo festas, desfiles, concursos e uma suposta sociedade sofisticada.


Em 1962, os itabunenses se deslumbraram quando uma das suas belas habitantes, Maria Olívia Rebouças Cavalcanti, conquistou o Miss Brasil em um concurso realizado no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. No Miss Universo, em Miami, Flórida (EUA), ela foi a quinta colocada. No entanto, os passos iniciais da nossa civilização aconteceram muitas décadas antes. Primeiro os Aimorés, Tupiniquins e Pataxós enfrentaram os invasores. Houve muito sangue, crueldade e as vidas de índios e colonos. Vivia-se sob o terror e o medo, entre devastações e morticínios. Foi o preço da conquista.

Uma violenta saga no ventre da selva virgem, com desbravadores sobrevivendo de farinha de mandioca, carne-seca e aguardente. Uma guerra contra a natureza nas funduras das florestas. Antes, de 1815 a 1817, a região recebeu o príncipe alemão Maximiliano Alexandre Felipe de Wied-Neuwied, naturalista, e sua comitiva, e os cientistas holandeses Von Spix e Von Martius, em 1817. Estes últimos publicaram estudos na obra “Reise in Brasilien”. Surpreendentemente, a epopeia de Itabuna começou em Sergipe. Fugindo da fome, sergipanos vieram parar no Sul da Bahia. Assim, em 1867, floresceu o Arraial de Tabocas.


Noites veludosas, jorrando no firmamento o esplendor das estrelas. Milhares de luzes, em enxames inquietos como insetos cintilantes. Tudo parecia áspero, selvagem, ríspido, rasgado, perigoso. Inicialmente, em meio à mata, o povoado servia como ponto de passagem de tropeiros que se dirigiam a Vitória da Conquista. Depois da selva desmatada, da expulsão do índio, da falta de estradas, do banditismo e de doenças como tifo e malária, veio a plantação de cacau. O nome Tabocas deve-se a um imenso jequitibá, o “pau da taboca”, ou seja, da roça que se abria. No povoamento feito por Félix Severino do Amor Divino e José Firmino Alves, em 1877 fundaram a escola da professora Maria Rosa de Jesus, a “Rosa Camarão”.
 
casarão tertuliano guedes de pinho
Por perto, povoações progrediram. Em Itaúna, hoje Itapé, os colonos alemães Weyll e Samaraker produziram cacau, algodão e fumo, ganhando menção honrosa na Exposição Universal de 1867, em Viena, na Áustria. Os imigrantes estrangeiros foram importantes para Itabuna, principalmente os sírios e os libaneses. Chegaram nos fins do século XIX. Mascates, em lombo de burro e por via fluvial, carregavam mercadorias para vender ou trocar. Eles prosperaram, resultando em famílias influentes: os Maron, os Midlej, os Rehem, os Hage, os Medauax, os Kalid, os Bittar, os Rihan, os Habib, os Fahel, os Adami, os Harfush, os Lavinscky etc.

A origem do nome Itabuna vem dos tupis ita (pedra) + aba (quebrar, truncar) + una (preto,preta) - Ita + aba + una = pedras pretas partidas. Emancipada em 1910, seu primeiro intendente foi o engenheiro Olinto Leone, que assumiu em 1°. de janeiro de 1908. Nessa temporada sanguinária, os Cauassus, um bando de bandoleiros, exploravam durante anos os comerciantes, mas em 1915 foram expulsos à bala pelo Tiro de Guerra 473. Outro famoso jagunço, Gentil de Castro, comandou duzentos homens em armas contra os fazendeiros. Eles incendiavam fazendas e matavam os proprietários. Um verdadeiro faroeste. 

Divinos lugares, onde se podia ter esperança em dias melhores. Na década de 1930, o sul da Bahia atingia o seu auge. O comando era dos coronéis, e as atividades econômicas giravam em torno do cacau. Apesar da riqueza, as desigualdades sociais
eram gigantescas. Ao longo dos anos, a lavoura passou por diversas crises. A pior delas foi a da vassoura-de-bruxa, doença que atinge os cacaueiros, supostamente provocada artificialmente por militantes do Partido dos Trabalhadores. O cacau já não é mais a estrela da economia local. O tempo de fartura faz parte do passado.

Sem dúvida, gravadas nas ruas antigas, as lembranças dos fatos marcantes. A Avenida do Cinquentenário é uma das mais expressivas em reminiscências. Fundada em 28 de julho de 1960, a festa solene contou com a presença do governador Juracy Magalhães, secretários do estado, prefeitos regionais, autoridades, além da maior concentração de público jamais vista até o momento. Um suntuoso desfile constituiu-se no ponto alto das festividades. No centro da avenida, na praça Adami, anos depois, localizava-se os escritórios de advocacia do meu pai e do tio-padrinho Gervásio. Fui secretário de ambos.
 
serafim reis, antonio nahud e altino henrique em 1985

Viajante eterno de águas calmas, o Cachoeira testemunhou o crescimento da cidade e, mesmo agredido pela poluição, ainda conserva em seu corpo de água os traços formosos da mãe natureza. É um dos maiores símbolos da região, embora no presente signifique pouco em sua decadência. Quando majestoso, eu tomava banhos nele e certa vez quase me afoguei. Ele nasce na Serra do Itaraca, em Vitória da Conquista. Depois de banhar alguns municípios chega em Itapé até desaguar no Oceano Atlântico. Nesse percurso, são mais de 300 quilômetros. Apesar de seu nome, não possui cachoeira. Em 1914, registra-se a sua primeira enchente. Fortes chuvas desabaram durante onze dias. Muitas outras seguiram-se: em 1920, 1947, 1964, 1965 e a de 1967, superior as anteriores. Em 2021, outra maldita enchente comoveu o Brasil.

O tempo passou, a vida mudou, e Itabuna aos trancos e barrancos perdeu a identidade cultural. A geração contemporânea, sem memória, circula numa bolha colonizada. O nosso nome mais famoso - o escritor Jorge Amado - foi esquecido. Como disse, o rio Cachoeira é uma paisagem melancólica e a Mata Atlântica agora tem pouca significância. Não sou nostálgico, mas lamento o reinado do crack, os bares sem charme e um inócuo shopping center como única opção de lazer. Não é à toa que o poeta Telmo Padilha intitulou um dos seus livros como “Canto de Amor e Ódio a Itabuna”.

Abandonada, a cidade sobrevive sem personalidade. Faltou uma resistência tremenda para superar com criatividade as transformações políticas, os modismos, as dificuldades econômicas, e todas as coisas hostis. Inclusive, falta arte. Não podemos entender uma cidade sem conhecer sua arte. Só através da arte temos a representação simbólica dos traços espirituais e intelectuais que caracterizam uma sociedade, seu modo de vida, suas tradições e crenças. Como expressão pessoal e cultural, é um instrumento para o desenvolvimento. A arte supera a despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence. Infelizmente, Itabuna é órfã de prosperidade, encanto e arte.

Se foi a Itabuna de sonho, poesia, liberdade, beleza, fé... Quem pode perder tudo isso sem ficar de coração partido? Mudou Itabuna ou mudei eu? Mudamos juntos. Somos bem diferentes. A cidade está desumana. Nas ruas, a miséria se faz presente. Nas noites, a violência e o vício. Vejo-a desfigurada. Que saudade, meu Deus, da cidadezinha provinciana dos tempos passados! Mesmo assim, quanto mais estou longe de Itabuna, mas sou Itabuna. Dela saí jovem em busca de novos horizontes. Mas nela estão minhas raízes, meu sangue, minha origem, minha mãe, meus irmãos, parentes e amigos aos quais quero um amor enorme. Conto com o seu renascimento das cinzas.
VÍDEO: A JOVEM CIDADE - 57 ANOS
 

CENA CULTURAL: TALENTOS GRAPIÚNAS

DERAM um FUZIL ao MENINO

Adeus luares de maio.
Adeus tranças de Maria.
Nunca mais a inocência,
nunca mais a alegria,
nunca mais a grande música
no coração do menino.
Agora é o tambor da morte
rufando nos campos negros.
Agora são os pés violentos
ferindo a terra bendita.
A cantiga, onde ficou a cantiga?
No caderno de números,
o verso ficou sozinho.
Adeus ribeirinhos dourados.
Adeus estrelas tangíveis.
Adeus tudo que é de Deus.
Deram um fuzil ao menino.

FIRMINO ROCHA

(1910 – 1971. Itabuna 
 / Bahia)
 

ALCEU PÓLVORA
(1952 – 1989. artista plástico)

Pintava com sensibilidade, traduzindo um futurismo complexo, mutante, agressivo. Desenhista minucioso, pintor labiríntico, transitava entre a origem sul-baiana e a Europa, expondo em Genebra, na Suíça.

ANTÔNIO LOPES
(escritor e jornalista)
Autor de “Luz Sobre a Memória” (2001), “Estória de Facão e Chuva” (2005) e “Com o Mar Entre os Dedos” (2015). De contundente e fértil atuação jornalística.

CANDINHA DÓREA
(1914 - 2005. atriz)

A nossa querida dama do teatro. Atriz desde os sete anos, quando subiu ao palco pela primeira vez, teve sua longa vida ligada intimamente à cultura e à arte grapiúna, onde brilhou principalmente no teatro.

CARLOS BETÃO
(1960. ator)
Depois de encantar a ribalta itabunense nos anos 1980, com seu vozeirão e presença carismática, partiu para Salvador, onde faz teatro, cinema e tevê. Participou de “Os Iks” e “O Sonho”, entre outras peças.

CHARLES HENRI
(1938 - 2016. colunista social e promotor cultural)

Organizador de concursos de beleza e anfitrião de festas majestosas, desfilou em carnavais no Rio de Janeiro. Apresentou programas de rádio e TV. Manteve colunas celebrando socialites.

CONCEIÇÃO PORTELA
(artista plástica)

Transforma sonhos em cor, em uma linguagem pictórica peculiar. Obra delicada, acolhedora, voltada para a gratificação dos sentidos. Destacou-se com a exposição “Duendes do Cacau” (2011).

CYRO DE MATTOS
(1939. escritor, jornalista e poeta)

Contista, poeta, cronista e autor de livros infantis, de extensa obra, tantas vezes premiada. Escreveu, entre outros, “Os Brabos” (1979) e “Vinte Poemas do Rio” (1985).

DIOGO CALDAS
(1932 - 2018. colunista social)
Na imprensa desde os anos 1960, conhecido como Flavius, foi um dos profissionais mais populares de Itabuna, produzindo colunas sociais e eventos festivos.

EDUARDO ANUNCIAÇÃO
(1946 - 2013. jornalista)
Reconhecido no jornalismo político e lembrado por sua atividade artística na juventude, foi autor de colunas corajosas nos jornais da região do cacau.

ENERGIA AZUL
(banda musical)
Lançada nos anos 80 e formada por João Veloso, Joan Nascimento, Zé Henrique e Marcelo José. Tocava em rádios, TV e bares. Em 1984 produziu o compacto duplo “Raízes do Cacau”.

EVA LIMA
(atriz e produtora cultural)

Sua veia artística fez dela uma representante da ribalta grapiúna. Após vitoriosa temporada na capital, retornou à Itabuna, reinventando-se como produtora capaz e atuante.

FIRMINO ROCHA
(1910 – 1971. poeta)
Lírico, místico e com um estilo repleto de simplicidade e musicalidade, celebrava sua gente e sua terra natal. Escreveu “O Canto do Dia Novo” (1968) e “Momentos: Prosa e Canto” (s/d). Seu poema mais conhecido, “Deram um Fuzil ao Menino”, encontra-se em placa de bronze na sede da ONU.

GUGA FREDERICO
(artista plástico)

Discreto e criativo, dominando o desenho e a cor, estudou na Escola de Belas Artes da UFBA. Desenhava máscaras e fantasias exóticas para o público LGBT. Sempre com sensibilidade.

HÉLIO PÓLVORA
(1928 – 2015. escritor e jornalista)

Crítico literário no “Jornal do Brasil”, “Veja” e “Correio Brasiliense”, entre outras publicações. Co-fundador do jornal “A Região” e do literário “Cacau/Letras”, presidente da Fundação Cultural de Ilhéus. Publicou dezenas de excelentes livros, entre eles “O Grito da Perdiz” (1982) e “Xerazade” (1990).  

JACKSON COSTA
(1968. ator)
Com persistência construiu uma carreira teatral robusta. Fez sucesso como Deus na peça “Vixe Maria, Deus e o Diabo na Bahia!” e suas participações em telenovelas, filmes ou minisséries são vigorosas.

JORGE AMADO
(1912 – 2001. escritor)
Um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros. Sua obra é baseada na análise realista dos cenários rurais e urbanos da Bahia. Apresenta preocupação político-social, que denuncia, em um tom seco, lírico e participante, a miséria e a opressão do trabalhador rural e das classes populares.

JOSÉ BASTOS
(1905 – 1937. poeta)
Autor de um único livro, “Horas Líricas”, publicado em 1930. Seus temas quase sempre são sobre a natureza, a mitologia ou a história. Trata dos ideais clássicos de beleza e harmonia.

KLEBER TORRES
(1947. jornalista e poeta)
Trabalhou nas redações de inúmeras publicações. Editor do “Agora”, de “A Região”, e correspondente do “Jornal do Brasil” e “A Tarde”. Como poeta, participou de antologias e publicou em 1982 “Objeto Direto”.

LUIZ WILDE
(colunista social)
 

Culto e sensível, foi o primeiro profissional a divulgar meu trabalho literário na mídia. Apreciava jazz e música erudita. Humorado, escrevia poesia e era leitor da melhor literatura. Infelizmente morreu jovem.

MANOEL LEAL de OLIVEIRA
(1930 - 1998. jornalista)
Depois de trabalhar no Rio de Janeiro, fundou em 1952 o jornal “A Terra” em Itabuna. Polêmico e combativo, lançou em 1987 o “Cacau/Letras”, jornal literário, e “A Região”. Era seu editor-chefe, escrevia a coluna “Malha Fina” e alguns artigos editoriais. Denunciava juízes, políticos influentes e policiais corruptos.

MARIA CÉLIA AMADO
(1921 – 1988. artista plástica)

Artista modernista e uma das introdutoras da abstração na Bahia. Sua atuação tanto no ensino na Escola de Belas Artes da UFBA, quanto na sua produção artística, ajudou a renovar o cenário artístico e educacional baianos. Desenhista, pintora e artista gráfica, ganhou visibilidade em 1955, com uma pintura mural para o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, a Escola Parque, em Salvador.

NEY GALVÃO
(1952 – 1991. estilista)

Na década de 1980, substituiu Clodovil no programa “TV Mulher”, da Rede Globo, onde falava de moda. Como estilista, destacou-se pelas cores fortes e modelos exuberantes, ricos em plissados e babados.

PLÍNIO de ALMEIDA
(1904 – 1975. professor, jornalista e cronista)
Autor de mais de cinco mil crônicas intituladas “Nós Pensamos Assim”. Versátil e ousado, fundou a Escola Técnica de Comércio de Itabuna e lecionou em quase todos os colégios locais. Deixou livros inéditos.

SÔNIA COUTINHO
(1939 – 2013. escritora)
Perseguida e criticada, ela abandonou Itabuna. Não podia nem ouvir falar da sua cidade natal. Premiada, publicou títulos elogiados como “Atire em Sofia” (1989) e “O Jogo do Ifá” (1980).

TELMO PADILHA
(1930 – 1997. poeta e jornalista)
Sua poesia reside numa lírica lucidez. Responsável pela implantação do Projeto de Atividades Culturais Cacau (PACCE). Autor de, entre outros, “Onde Tombam os Pássaros” (1974) e “O Rio” (1977).

VALDELICE PINHEIRO
(1929 – 1993. poeta e professora)
Diretora da Faculdade de Filosofia de Itabuna (antiga FAFI), lecionou na UESC - Universidade Estadual Santa Cruz. Como poetisa, publicou dois livros, “De Dentro de Mim” (1961) e “Pacto” (1977).

VERA RABELO
(jornalista)
 
Texto enxuto e direto. Passou por redações de jornais e revistas, assessorias de imprensa e produção de conteúdo para sites. Durante um período comandou o setor de comunicação na Prefeitura de Itabuna.
 

ITABUNA

      Minha terra natal! Que te abrasas e inunda
      De tanto sol! Assim entre agrestes vedores
      Do Cachoeira escutando os bravios rumores,
      Como a Iara gentil destas águas profundas!

     
Oh! Como sou feliz e me sinto orgulhoso

      De um dia ter nascido em seu seio faustoso
      Sob o esplendor de um céu de beleza tão rara.

JOSÉ BASTOS
(1905 – 1937. Itabuna
 / Bahia)
 
  
LIVROS que CONTAM a HISTÓRIA de ITABUNA

ESPÍRITO de ROÇA (1935)
de José Dantas de Andrade

ZONA do CACAU (1957)
de Milton Santos

ITABUNA, MINHA TERRA (1960)
de Adelindo Khoury da Silveira

O JEQUITIBÁ da TABOCA (1960)
de Manoel Bonfim Fogueira e Oscar Ribeiro Gonçalves

SÍRIOS e LIBANESES (1960)
de Clark S. Knowlton

TERRAS de ITABUNA (1960)
de Carlos Pereira Filho

A NAÇÃO GRAPIÚNA (1965)
de Adonias Filho e Jorge Amado

FIGURAS e FATOS de ITABUNA (1967)
de Helena Mendes

DOCUMENTO HISTÓRICO ILUSTRADO de ITABUNA (1968)
de José Dantas de Andrade

SUL da BAHIA: CHÃO de CACAU (1976)
de Adonias Filho

SOCIOLOGIA da REGIÃO CACAUEIRA (1983)
de Selem Rachid Asmar

TERRAS do SUL (1990)
de Helena Borborema

ITABUNA HISTÓRIAS e ESTÓRIAS (2003)
de Adriana Dantas


GALERIA de FOTOS