julho 31, 2020

........................................................... ANTES de TUDO



Há um prazer nas florestas desconhecidas;
Um entusiasmo na imensidão solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza...
LORD BYRON
(Londres, Reino Unido. 1788 – 1824)


No princípio era o assombro provocado pela mata. Vasta beleza povoada por uma solidão espessa. Mas não era só a poderosa boniteza. As árvores respiravam, enxergavam, sabiam tudo. Todas olhos, todas enigma, tanto faz. Nada escapava a sua visão vigilante, no verde onde foram viver e morrer homens e seus sonhos de glória. Vindos de longe, fugindo da pobreza, ainda nostálgicos do chão dos agrestes ou da brisa fresca do mar, dividiam território com animais e plantas que não eram servos.

Enfrentando chuvas que não cessavam de cair, feras e desconforto, montanhas e desfiladeiros perigosos, pântanos e enchentes, eles fincaram abrigos para plantar sementes de famílias. Cultura e civilização, num caldeamento permanente de costumes e tradições. Cercados por um profundo silêncio. Na escuridão, na dança dos vaga-lumes, no perfume das flores sem nome. Na mata profunda da qual jamais escapariam. Selva perigosa da onça faminta e da serpente que rasteja.

Deus cuidava de tudo, dos infortúnios, dos rios, dos bichos, do desassossego. A terra selvagem era a igreja dos homens. Ali cresceram e multiplicaram-se. Fundaram vilas e façanhas, lendas e vergonhas. Colheram, produziram, gastaram. Dominaram o ferro e o couro. A madeira e a pedra. O espinho e a flor. A ignorância e o insano. Quando a civilização se fez por inteiro, e o olhar avistava a vastidão das serras, dos grotões e dos vales, os rudes senhores mandavam e os sanguinários jagunços matavam.

Casas plantadas à beira do céu. O pé direito elevado para afugentar o calor, ao sopro da viração dos dias e das noites, sob o lirismo das estrelas e o mormaço do telhado. Pequenas fortalezas, rústicas e altaneiras, protegendo vidas e erotismo, honra e suor. Numa delas, nas terras do sem fim do sul da Bahia, arrancados do fim do mundo, floresceram meus ancestrais de várias raças. E aqui estou, mais de um século depois, com um passado épico e brutal correndo nas veias.