dezembro 06, 2014

........................... "CONFISSÕES" EXPÕE VEIA LÍRICA do AUTOR



"CONFISSÕES" na BAHIA

Imagens:
MÁRIO CRAVO NETO 


Em CONFISSÕES, o baiano Antonio Nahud conta de forma poética os bastidores de seu íntimo. A busca por significados na vida, entre outras reflexões existenciais não menos desafiadoras, levaram o autor a revisitar o campo dos versos após a publicação em 2009 do “Livro de Imagens”. Depois do lançamento em Natal (Rio Grande do Norte), onde o autor reside, o livro chega a Bahia, com autógrafos em Salvador, dia 16 de dezembro, terça-feira, às 19h, no Espaço Cultural Casa da Mãe (Rua Guedes Cabral, 81 - Rio Vermelho). A seguir em Itabuna, dia 18 de dezembro, quinta-feira, às 17h30, na Livraria Novel (Av. Paulino Vieira, 392). Dois dias depois, no sábado, às 18h30, em Ilhéus, na Academia de Letras de Ilhéus (Rua Antônio Lavigne de Lemos, 39).

Este é o 11º livro do autor, sendo o 5º de poesia. Ele dedica seu novo livro a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol (1931-2008), com quem conviveu durante temporada em Sintra, Portugal. O livro traz 51 poemas inéditos; prefácio de Reheniglei Rehem, doutora e pós-doutora em Teoria Literária; apresentação dos poetas e acadêmicos Nelson Patriota e Paulo de Tarso Correia de Melo; e capa do artista potiguar Ítalo Trindade.


Sobre o Autor

O primeiro livro deste escritor viajante foi publicado em 1993, “O Aprendiz do Amor”, pouco antes de viver por 12 anos na Europa. Em Portugal, publicou “Retratos em Preto & Branco – Contos Góticos de Madri” (1996), “Ficar Aqui Sem Ser Ouvido por Ninguém” (1998), “Caprichos” (1998) e, mais recentemente, “Se Um Viajante Numa Espanha de Lorca” (2005). Publicou também “Suave é o Coração Enamorado” (2006), entre outros. Antonio Nahud tem contos, poemas, crônicas, ensaios e artigos publicados em jornais e revistas de vários países. Ano Passado recebeu o Troféu Cultura RN de Melhor Livro do Ano. 

Programação
Lançamento do livro de poesia “Confissões”, de Antonio Nahud

Datas:
16 de dezembro de 2014, terça-feira, às 19h, em Salvador.
18 de dezembro de 2014, quinta-feira, às 17h30, em Itabuna.
20 de dezembro de 2014, sábado, às 18h30, em Ilhéus.

Locais:
Salvador: Espaço Cultural Casa da Mãe (Rua Guedes Cabral, 81 - Rio Vermelho).
Itabuna: Livraria Novel (Av. Paulino Vieira, 392).
Ilhéus: Academia de Letras de Ilhéus (Rua Antônio Lavigne de Lemos, 39).



Entrevista
ANTONIO NAHUD AUTOGRAFA NOVO LIVRO


por CEFAS CARVALHO


Depois de um livro de contos e uma biografia publicados há dois anos, Antonio Nahud volta agora às livrarias com o gênero que deu início a sua carreira literária: a poesia. O grapiúna radicado no Rio Grande do Norte apresenta seu novo livro de poemas, "CONFISSÕES", em Salvador, Itabuna e Ilhéus.

Desde 2009, quando publicou “Livro de Imagens”, Nahud se dedicou à prosa, lançando “Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano” (2012) e “Agnelo Alves – 8 Décadas” (2012). No entanto, conta que jamais deixou de criar versos:

– O que me assustou foi uma convicção absoluta de que havia encontrado minha voz poética. Fiquei distanciado para me perguntar se não estava me iludindo. Depois desses cinco anos, confirmei o lugar onde quero estar, embora aqueles que leram o livro me digam que minha voz segue a mesma, apenas com poemas mais claros e líricos.

O lirismo é mesmo uma das marcas do novo livro. A busca pela significância se repete ao longo das páginas, mas não há espaço para idealizações. A afetividade é construída no cotidiano. O sentido do fazer poético e questionamentos existenciais são outros temas recorrentes em seu novo livro. Mais do que encontrar respostas, Nahud parece estar reafirmando uma vocação, revelada ainda em 1993, com “O Aprendiz do Amor”, e a seguir em “Caprichos” (1998) e “Suave É o Coração Enamorado” (2006).


Para quem vem de um mundo de fidalguia falida, de nostalgia cacaueira, ser poeta não é nada, o que se valoriza é ser uma pessoa bem-sucedida. Mas resolvi parar de lutar contra o descaso poético: já sofri em dois ou três momentos nos quais tentei matar a poesia dentro de mim – conta o autor.

Até que ponto você é consciente da influência das imagens no seu processo criativo? Você pode explicar um pouco esse processo interno de associações?

Desde criança, esse estímulo aconteceu, pela vivência em cidade do interior, sendo criado com liberdade e em contato com a natureza e, sobretudo, tendo a convivência com pessoas e seus hábitos e costumes, além de estar cercado por um ambiente pleno de histórias orais. Por outro lado, o hábito da leitura em família, proporcionou a que me interessasse por livros, gibis, jornais e revistas culturais e de variedades. Enfim, tudo era estímulo para despertar a criatividade, aliando-se a isso à interiorização do mundo real. Para mim o que o processo de criação visual permite é o jogo entre a imagem conjugada à palavra ou a palavra conjugada à imagem. Um completando o outro. Na realidade o processo criativo é muito complexo. Levo tempo para dar à luz um poema.

Quais são algumas das influências que marcam a sua obra: pode nos falar sobre alguns espaços rurais, urbanos, cotidianos, espaços familiares, objetos, autores?


No que se refere às influências marcantes na minha vida em relação à imagem, o cinema das décadas de 1940, 1950 e 1960 teve um papel fundamental. Criança, ainda, ficava maravilhado com os filmes e as imagens projetadas na tela. Minha atenção captava os quadros e efeitos no conjunto dos filmes os quais me satisfaziam esteticamente. Por outro lado, a fotografia sempre foi um estímulo. Gostava de fixar minha vista nas fotos artísticas das cidades, das paisagens e das figuras humanas.  De resto, sempre vi o mundo como um grande mapa geográfico por onde as pessoas interagiam, produzindo e criando. Os autores, cujas obras me influenciaram através das leituras que realizei, sejam eles em prosa ou em verso: Victor Hugo, Rainer Maria Rilke, Virgínia Woof, Albert Camus, Federico Garcia Lorca, F. Scott Fitzgerald, Samuel Beckett, e.e. cummings, Marguerite Youcenar, Paul Bowles. Entre os brasileiros, os poetas do Concretismo, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos e Ferreira Gullar; e os poetas contemporâneos como Hilda Hilst, João Cabral de Melo Neto e Paulo Leminski, além da prosa de Lúcio Cardoso, Autran Dourado e Clarice Lispector. No Sul da Bahia, sou fã de Jorge Medauar, Sosígenes Costa, Adonias Filho, Telmo Padilha, Euclides Neto, Sonia Coutinho, Hélio Pólvora, Antonio Lopes, Ruy Póvoas, Cyro de Mattos, Jorge de Souza Araújo, Tica Simões, Rita Santana, Piligra, José Delmo, Genny Xavier  e Iolanda Costa, entre outros. Em todos observei a exploração da visualidade das palavras e expressões.

Qual a sua opinião sobre a marginalização das artes? Você acredita que ainda trabalhamos assim no século XXI?

Não acredito que as artes sejam marginalizadas. Acredito mais no conceito que considera a arte manifestação do espírito humano. Algo que preenche a imaginação, mas não tem valor econômico. Há, por ela, apenas um interesse estético e cultural. 

Você não acredita que as artes se considerem secundárias no que diz respeito às ciências, ou ao pensamento chamado científico? Você não acredita que no ensino e nos valores atuais ainda exista esta dicotomia?


Não considero as artes em posição secundária em relação ao pensamento científico. Isso porque o pensamento científico, na medida em que se desenvolve, aproxima-se das artes ao se mostrar capaz de incorporar as dimensões sensíveis da experiência humana em uma abordagem única na qual a física e a semântica não sejam distanciadas uma das outra. Isso significa dizer que a ciência não se torna distante, mas converge para o primado da arte. Pelo lado da educação, podemos dizer que o ensino privilegia o pensamento científico, mas não necessariamente o faz com propriedade. O pensamento humanista que nos leva à arte, por certo é parte marcante no processo educacional. Acredito que, por força do capitalismo, o ser humano tende a valorizar o pensamento científico por uma questão de sobrevivência e necessidade. E não porque queira considerar a arte como uma atividade menor.

Você, que morou tantos anos na Europa, acha que a literatura brasileira tem alcance internacional?

Para nós, escritores brasileiros, o fato de escrevermos no idioma português ainda é uma barreira para o desenvolvimento da nossa literatura no mundo. Isso significa dizer que a língua portuguesa não tem expressão suficiente para exercer influência na cultura, até mesmo na América Latina (onde predomina a língua espanhola), que dirá em outras partes. Há obras literárias brasileiras significativas que podem integrar o contexto da literatura ocidental, mas não a ponto de influenciar. Falta-nos a universalidade exigida pelo contexto histórico da literatura.

Gostaria que comentasse sobre o tema da exploração da plasticidade da palavra na sua própria obra. Quando você compõe um poema em que sentido você trabalha este aspecto? Houve uma evolução desde a sua obra inicial?


Por entender que o mundo é, antes de qualquer coisa, plástico e visual, e o olhar e o ver são partes importantes da leitura desse mundo, é que entendo o poema como um conjunto verbi-visual. Criado para ser visto e compreendido por quantos se deparem com as imagens póeticas que ele encerra. A palavra, por si mesma, é plástica e visual. Quando componho um poema a minha busca é sempre com o sentido de transmitir uma mensagem que tenha caráter intimista. Não teria como afirmar com isenção, mas penso que meus poemas iniciais (da década de 1990) tinham mais garra. Impressionavam mais, afinal eu era cheio de esperanças. Hoje - estabelecendo uma comparação com poemas de 20 anos atrás - meus poemas não têm o mesmo vigor, embora sejam mais trabalhados, apurados. Mas talvez esteja enganado. Tenho leitores que acham justamente o contrário.

CONFISSÕES
de Antonio Nahud
Poesia, Sol Negro Editora,  70 páginas, R$ 30.



potiguar notícias (rn)

novembro 25, 2014

.................................... A ALQUIMIA FOTOGRÁFICA de MORVAN



“A carícia do olho sobre a pele é de uma doçura extrema”
GEORGES BATAILLE 


A fotografia enlaça olhares. O mineiro MORVAN FRANÇA, radicado em Natal (RN), está enlaçado ao olhar fotográfico bem treinado e estimulante. Suas imagens beiram o poético, dando mais importância à perspectiva e ao jogo de luz e sombra do que ao objeto fotografado. Radiografam o mais íntimo da paisagem tropical, valendo-se do estancamento da beleza, daquilo que passa por todos nós, todos os dias, mas vemos sem enxergar. Num aproximado estranhamento, criam uma atmosfera de realismo fantástico - talvez alquímico em seu mosaico de intenções -, perseguindo uma finalidade estética única, profunda. O objetivo aparente é documentar sua relação com a natureza, capturando inclusive sentimentos. Isso é muito difícil, mas parece ser essa a meta, tornando visível a invisível passagem do tempo. Afinal, lembrando o poeta gaúcho Mário Quintana, “Se as coisas são inatingíveis ora, / Não é motivo para não quere-las / Que tristes os caminhos se não fora / A mágica presença das estrelas!”. O resultado dessa persistência é notável, mostrando a conexão homem-paisagem, sua vivência e ações, repulsa e cumplicidade. Ele deixa isso transparecer nas fotografias. Com tato. E essa relação reservada e comovente que estabelece com seus sujeitos fotográficos é a força da sua bonita fabulação pictórica.


Imagens emblemáticas. Mesmo estando, em sua maioria, solitárias e deixadas ora com foco em algo distante, ora encarando com fúria quem as olha, as emoções mais secretas estão vivas. O ‘eu’ do artista é puxado através do assunto clicado. Para captar seus temas, que se repetem à exaustão em imagens, ora extremamente elaboradas, ora apenas cotidianas, mas não menos levadas a sério, ele intervém com miragens alquímicas, pinceladas meigas que conversam com o que foi retratado, mostrando, evidentemente, a que veio o fotógrafo em sua arte. Tudo registrado em detalhes tão íntimos, tão aproximados, que o fluxo existencial se ilumina. Uma coleção de imagens poderosas, ternas, às vezes secas, melancólicas, inertes, perdidas, mas sempre formosas. Paisagens, folhagens, dunas, areia, vento, águas, luas doidas. Fotografias libertárias, de prazer, dor, vida, morte, revolta.


O filósofo francês Gilles Deleuze disse que “A arte é a linguagem das sensações, que faz entrar nas palavras, nas cores, nos sons ou nas pedras”. Essa reflexão vibra na linguagem fotográfica despida e polêmica de MORVAN FRANÇA. Torna-se impossível não ver sensibilidade, afeto, tristeza, solidão e vazio nas suas narrativas visuais de estradas, mares, rios, lagoas, palmeiras, montanhas, matas, espaços. Inclusive em retratos inusitados, por vezes sádicos, como a série “A Face Oculta”, homenageando o pintor irlandês Francis Bacon. Suas fotos de pessoas sugerem inquietude; suas fotos de paisagens sugerem inquietude; suas fotos de árvores, rochas, praias, animais, tudo sugere inquietude. A leitura do olhar fotográfico não é isolada. Ao olhar suas imagens é provável ver muitas facetas e não apenas um retrato. Os retratos lembram coisas, as coisas remetem ao delírio, o delírio aos sonhos e distanciamento. Há uma dor singular em cada uma de suas fotos, mas não é uma dor individual, e sim partilhada com o fotógrafo que retratou o que nossos olhos observam. Imagens que podem e devem ser lidas e traduzidas livremente pela composição multilinguística, luz, papel, cor, adereços, memórias e olhares do autor, memórias e olhares do público.


Em alguns casos, os artistas revelam-se em suas fotografias, sem limites, num ato confessional. Por outro lado, há aqueles que se debruçam sobre a intimidade alheia, utilizando estratégias esquivas para capturarem imagens que por alguma razão subjetiva os interessa. Nesse sentido, tomam pra si o papel do voyeur, buscando na relação entre olho e câmera, uma maneira de invadir a privacidade anônima. A linguagem fotográfica carrega de alguma forma a essência do voyeurismo. O ato de fotografar permite uma ativação do olhar, que passa a observar o mundo por uma pequena fresta, em que o “objeto” observado por mais próximo que esteja diante de nós, permanece ainda distante, mediado por um aparelho técnico. A câmera reconfigura a maneira de vermos o mundo. Segundo Susan Sontag “ter uma câmera transformou uma pessoa em algo ativo, um voyeur (…) tirar fotos estabeleceu uma relação voyeurística crônica com o mundo, que nivela o significado de todos os acontecimentos.”. A crítica de arte atribui ainda a ação cometida pelo voyeur ao olhar do fotógrafo, pois através da câmera o olhar se desloca de uma condição contemplativa e passiva de percepção para uma forma ativa e investigativa de ver o mundo.


Na arte contemporânea, sobretudo na produção fotográfica, observa-se um crescente interesse pelo experimentalismo. Tal manifestação está evidente nas nove fotografias da obra “Orbitorium”, de MORVAN FRANÇA, de viés contemplativo, onde o autor faz lúdica investida em conchas, raízes, folhas secas, areia. Forma um mosaico de fabulário particular, capturando imagens com a astúcia e técnica de um detetive ou mesmo de um paparazzi, atividades onde a fotografia é utilizada de forma esquiva, mas ao mesmo tempo invasiva. Oferece uma visão panorâmica, revelando um caráter de subversão, baseado no deslocamento do impessoal para um domínio privado e afetivo. Despojado de formalismos, o artista vive a obsessão dos tempos modernos de produzir e consumir imagens. Na sua arte, a fotografia majestosa nasce como tem vontade: na granulação, luz baixa, flash estourado em primeiro plano, interferências na foto, banalismo, documental, alta definição, conceitual, bucólica, histórias pessoais.


A maior parte dos registros fotográficos de vida selvagem reforça a percepção nostálgica de uma natureza exótica, estimulando uma visão ingênua e edulcorada. Tais fotografias alimentam uma cultura visual que desenha a relação romântica que mantemos com esse mundo distante. A bela cena aguça o interesse pela natureza pitoresca, sendo explorada à exaustão e com competência técnica. Essa imagística agrada ao consumidor do exótico estampado em folhas de papel, satisfazendo o prazer de reconhecer o “selvagem” em poses previsíveis que reavivam o desejo por aventuras. Contudo, encontra-se em alguns fotógrafos a preocupação de desestabilizar a imagem estereotipada do selvagem e suscitar um pensamento sobre a relação entre os seres humanos e as outras formas de vida. A fotografia de MORVAN FRANÇA não faz parte dessas convenções habituais, propondo outras formas de ver a questão das espécies ameaçadas de extinção e da ação devastadora do homem sobre os lugares que elas habitam. Ele busca invenções, por meio das quais pretende se diferenciar. Chamando a atenção para espaços e situações que a maioria das pessoas não vê, fotografa como quem atira dardos, alheio aos pactos recorrentes e mergulhando num mundo próprio, que desconcerta.


Explorando aproximações entre elementos díspares, sugere conexões entre luz e sombra, volume e superfície, repetição da mesma figura em diferentes composições. Esses procedimentos suscitam analogias e tornam sua fotografia virtuosa. Talentoso, crítico e polêmico, o fotógrafo MORVAN FRANÇA ironiza a sociedade em seu experimentalismo, realizando uma arte significante, de referência, que merece um longo percurso. Finalizo lembrando mais uma vez Gilles Deleuze: “Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga”. Assim parece compreender o autor de “A Face Oculta” em sua arte.



MORVAN FRANÇA – Breve Biografia

Nascido em 1987, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, rendeu-se ao mundo da fotografia desde sempre. Tem imagens publicadas em blogues e jornais do Rio Grande do Norte. Diretor fotográfico da revista “Ícone – Turismo e Cultura no Nordeste”, teve participação especial na exposição “Cartografia dos Afetos”, no Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão (Natal). Sua exposição “A Face Oculta” recebeu Troféu Cultura de Melhor Exposição de 2013 no RN.

          potiguar notícias (rm)
           Imagens: MORVAN FRANÇA


outubro 05, 2014

..... ME SEGURA QU´EU VOU DAR UM TROÇO: WALY SALOMÃO


“Oh, sim, eu estou cansado
Mas não pra dizer
Que eu estou indo embora
Talvez eu volte
Um dia eu volto (quem sabe)

Jards Macalé e Waly Salomão
Vapor Barato, 1970

Baiano de Jequié, WALY SALOMÃO (1943- 2003) era divertido, sagaz, inteligente. Eu o conheci por volta de 1985, 1986, madrugada de um carnaval soteropolitano. De juvenil eletricidade, eu celebrava a vida sob a proteção de Castro Alves. O poeta se aproximou, acompanhado de Dedé, musa na época de Caetano, e me disse: “Certo, baby, dispa as vestes d´alma, avacalhe o provincianismo com o pólen da beleza”, intrigando-me com sua figura carismática. Poucos dias depois, numa festinha pós-momesca, típicas de uma Salvador pop-cultural, fomos apresentados pelo amigo Pedrão, filho de Gilberto Gil. “Um encontro de poetas”, batizou. Tímido, não soube conversar, respondendo gaguejando sua pergunta sobre poetas favoritos. Se não me falha a memória, falei dos beats. Único, falante e avassalador, ele confessou devorar livros desde menino, “como traças. Na época, desconhecia a sua ousada produção poética.

Voltei a encontrá-lo no Grande Hotel da Barra, ao lado do poeta/compositor Antonio Cícero, irmão da cantora cult Marina Lima. Noitada de farra, maluca, dos anos sem juízo - se um dia cheguei a tê-lo. Clube masculino de excentricidades. WALY SALOMÃO relatou um possível primeiro encontro nosso na boate Noites Cariocas, no Rio de Janeiro, apresentados pelo diretor global Jorge Fernando. Não me lembrei. Contei para ele uma travessura no mesmo ano, aos 17 anos de idade, num verão de corações loucos. Ganhei no night-club “Belle de Nuit, Copacabana, o concurso Garoto Zona Sul”. A atriz Lady Francisco, Elke Maravilha e um histérico juiz de futebol foram os jurados. 

Conversamos também sobre outro momento inesquecível no Rio: o assédio do escritor argentino Manuel Puig. “Conheci-o na Cinemateca do MAM, após a sessão de um melodrama mexicano com a Maria Félix, e tomei um susto quando soube que escrevera A Traição de Rita Hayworth”. Ele caiu na gargalhada com as experiências juvenis. Antes da partida, alertou-me: “Um animal fareja os nossos sonos”.

Dez anos se passaram. Homem feito, convidado pela Embaixada Brasileira em Lisboa para a pré-estreia portuguesa de “Terra Estrangeira”, de Walter Salles, vibrei com uma das canções da trilha do filme: Gal Costa cantando “Vapor Barato”. A música, de 1970, composta por Waly e Jards Macalé, brilha em um dos melhores discos da cantora baiana: “Fa-Tal”. Lembrei-me de outros tempos, garoto, numa Itacaré mal iluminada, beira do cais, um hippie gaúcho cantando “Vapor Barato” lindamente. 

Por fim, assumi a ignorância sobre WALY SALOMÃO, procurando lê-lo e pesquisando sua trajetória esfuziante. Uma das personalidades mais transgressoras e fascinantes da cultura brasileira, íntimo do angustiado Torquato Neto, lançou com ele a antológica revista “Navilouca” nos anos do desbunde. Rabiscou os poemas, do que seria seu livro de estreia, “Me Segura qu´eu Vou Dar um Troço” (1971), numa cela do Carandiru, no Pavilhão 2, condenado por uso de maconha. Herdeiro do transe demiúrgico de um Glauber Rocha, personagem-chave do Tropicalismo, parceiro musical de Gilberto Gil, Jards Macalé, Caetano Veloso, Antonio Cícero, Adriana Calcanhotto e Itamar Assumpção. Autor de sucessos musicais como “Mal Secreto” e “A Voz de uma Pessoa Vitoriosa”.

Uma das figuras mais fecundas e heterogêneas da vanguarda brasileira. Não é à toa que Caetano Veloso, em música dedicada a ele, diz: “tua marca sobre a terra resplandece [...] e o brilho não é pequeno”. Ponta de lança de uma geração de poetas que resistiram à censura, contrariaram os princípios formais da tradição e pensaram a produção literária a partir de sua articulação com as outras artes. Sua escrita era permeável às diversas manifestações do inquieto cenário cultural no Brasil das décadas de 1970 e 1980. 

Seus versos continuaram se reinventando ao longo dos anos 1990 e 2000. Consolidaram o papel de poeta múltiplo em livros como “Algaravias”, lançado em 1996. Em “Gigolô de Bibelôs”, segundo livro, ecoa o seguinte verso: “tenho fome de me tornar em tudo que não sou”. O desejo de abolir fronteiras e de se confrontar com os limites - entre o eu e o outro, a prosa e a lírica, a arte e a vida - é uma das marcas da obra de WALY SALOMÃO. Sua poesia é viagem sem volta: um “processo incessante de buscas”, como disse sobre seu trabalho poético-visual “Babilaques”.

Presença inspiradora, caracterizado pela vitalidade, produziu o disco e o show “Antimonotonia” (1997), de Cássia Eller. Foi também performer, artista plástico, editor, videomaker. Filho de um sírio com uma sertaneja, era conhecido pela inteligência arrebatadora, doçura, energia destrutiva, humor anárquico. Na semana de sua posse na Secretaria Nacional do Livro, em Brasília, chocou mais uma vez com sua lucidez: “A maioria das pessoas analfabetas com quem converso tem faro, intuições, inteligência, e já percebo que pessoas de classe média que passam pela universidade são frequentemente tacanhas, sedimentadas em esquemas já prévios, não aprenderam o mínimo, que é pensar por si. Copiam esquemas importados e por isso são tristes, sofrem de complexos de inferioridade cultural. Planejava desenvolver uma política de “fome do livro”, como alavanca para a ascensão social.

gal costa e waly em 1974 (foto de teresa eugenia)
Poeta perturbador, originalidade hipnotizante, publicou seu último livro em 2001, “O Mel do Melhor”, dedicado ao iconoclasta Hélio Oiticica. Em 1996, ganhou o Prêmio Jabuti com “Algaravias”. Haroldo de Campos o saudou como “inventivo poeta e letrista pop-erudito”No cinema, interpretou o satírico poeta barroco do século 17, Gregório de Mattos, seu preferido, no filme ruim de Ana Carolina. WALY SALOMÃO, que assinava Sailormoon nos anos 1970, morreu aos 59 anos, lutando contra o câncer. Cheguei a entrevistá-lo via e-mail. Ele respondeu nove perguntas com poemas inéditos para cada uma delas. Preciso encontrar essa entrevista.


POEMAS de WALY

(01)
SENHOR DOS SÁBADOS

Uma noite
noites
noites em claro
noites em claro não matam ninguém
mas é claro, perdi a razão
gritei seu nome por toda a parte
do edifício em vão
quebrei vidraças da casa
estilhaços de vidro espatifados no chão
risquei paredes do apartamento
com frases roucas de paixão
ah que noche mas nochera
ah que noche mas ...
Dentro da escuridão do quarto
rasguei no dente seu retrato
minha alma ardia meu bem...
Volte cedo
antes que acenda a luz do dia
apague meu desejo num beijo
bem bom
meu bem volte cedo meu bem volte bem cedo


(02)

(Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Meteram poesia
na bagunça do dia a dia
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Meteram poesia
onde devia e não devia
Lá vem o poeta
com sua coroa de louro,
Agrião, pimentão, boldo
O poeta é a pimenta
do planeta!
(Malagueta!)


(03)

Não choro
meu segredo é que sou rapaz esforçado
fico parado calado quieto
não corro não choro não converso
massacro meu medo
mascaro minha dor
já sei sofrer
não preciso de gente que me oriente

Se você me pergunta
como vai
respondo sempre igual
tudo legal

Mas quando você vai embora
movo meu rosto do espelho
minha alma chora
vejo o Rio de Janeiro
vejo o Rio de Janeiro
comovo, não salvo, não mudo
meu sujo olho vermelho
não fico parado
não fico calado
não fico quieto
corro choro converso
e tudo mais jogo num verso
intitulado MAL SECRETO
e tudo mais jogo num verso
intitulado MAL SECRETO


(04)
AMANTE DA ALGAZARRA

Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela! ! !
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.

Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe! ! !
Enquanto caminho a pé, pedestre — peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.


(05)
TALISMÃ

minha boca saliva porque tenho fome
e essa fome é uma gula voraz
que me traz cativo
atrás do genuíno grão de alegria
que destrói o tédio
e restaura o sol
no coração do meu corpo
um porta-joia existe
dentro dele um talismã sem par
que anula o mesquinho, o feio e o triste
mas que nunca resiste
a quem bem o souber burilar

sim,
quem dentre todos vocês
minha sorte
quer comigo
gozar?

Minha sede não é qualquer copo d’água que mata
essa sede é uma sede que é sede do próprio mar
essa sede é uma sede que só se desata
se minha língua passeia
sobre a pele bruta da areia
sonho colher a flor na maré-cheia vasta
eu mergulho e não é ilusão
não, não é ilusão
pois da flor-de-coral
trago no colo a marca
quando volto triunfante
com a fronte coroada de sargaço e sal
sim,
quem dentre todos vocês
minha sorte
quer comigo
gozar?


Maria Bethânia lê o poema SARGAÇOS
de Waly Salomão