Fotografias: MARCEL GAUTHEROT
(Paris, França. 1910 – 1996)
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Quem é Manoel Onofre Jr.?
Não tenho perspectiva para me definir e dizer quem sou. Na
verdade, sou o que os outros acham de mim.
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Como se deu o contato inicial com a literatura?
Numa noite de Natal, quando eu tinha uns oito ou nove anos de
idade, ganhei do meu pai uma nota, nem me lembro de quantos cruzeiros, com a
qual comprei um livrinho infanto-juvenil, que li, ou melhor, “devorei”,
encantado. Desde então a leitura, para mim, tem sido uma espécie de alimento. Com
perdões pelo lugar-comum da expressão. Mas, só comecei a escrever quando, já
adolescente, fundei um jornalzinho estudantil.
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Escrever o ajuda a viver melhor?
Sim. Literatura é consolação.
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Como se mobiliza para divulgar sua literatura Brasil afora ou isso
pouco importa?
Divulgar meus próprios livros me deixaria contrafeito. Acho que a
tarefa de promover e difundir a literatura cabe aos agentes literários, mas
estes ainda não existem em nosso meio, tão carente de profissionalismo.
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O que acha de teorias literárias? Elas de alguma forma lhe
influenciam?
O que mais me interessa não é o que se escreve sobre literatura,
mas, sim, a própria literatura.
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Como você define a sua literatura?
Alguns estudos acadêmicos, isto é, universitários, têm qualificado
os meus contos como obras regionalistas. Tudo bem. Acontece que o meu
regionalismo não é um regionalismo buscado, artificial, mas, simplesmente,
decorre do fato de eu ter larga vivência no sertão, vivência esta que se
reflete, através da memória, em minha ficção.
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Caso lhe fosse vedada a escrita, o que faria?
Não saberia o que fazer. Minha vida perderia o sentido.
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A literatura vive um momento de ostracismo, o meio literário é
injusto e excludente ou faltam bons escritores brasileiros?
Nunca se escreveu tanto aqui no Estado, notadamente em Natal e
Mossoró. Uma enchente de livros inunda a província literária. Muito basculho em
meio às águas turvas, mas, de vez em quando, surge alguma coisa boa.
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Como os escritores de sua geração têm reagido em relação aos
problemas do Brasil?
Muitos se omitem, encastelados em suas torres de marfim.
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Escrever é uma vaidade ou uma necessidade em um mundo com tanta
injustiça e miséria?
Uma necessidade. A propósito vale a pena citar Antônio Cândido:
“Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da
ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo (…) parece
corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja
satisfação constitui um direito”. (“Vários Escritos”, 1995).
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Qual o tema do seu primeiro livro?
Meu Sertão da infância em histórias e crônicas. Obra imatura.
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Como funciona a sua editoria na Revista da Academia?
Publicando ensaios, artigos, contos, crônicas e poemas dos
acadêmicos, a Revista da ANRL também acolhe textos de outros elementos da
comunidade literária. Fundada em 1951, a partir de janeiro de 2014 teve a sua
circulação – trimestral – regularizada, sempre com a valiosa colaboração do
escritor Thiago Gonzaga, seu editor, e o apoio do Presidente da Academia,
escritor Diógenes da Cunha Lima.
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Você valoriza concursos e panelinhas
literárias?
Concursos, sim. Panelinhas, vade retro!
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Traduza seu mais recente livro.
“O Caçador de Jandaíras”, em terceira edição revista e aumentada,
compõe-se de memórias esparsas entremeadas de histórias que ouvi quando era
menino em Martins.
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Precisa ser reconhecido ou isso não é importante?
Câmara Cascudo dizia que todo artista é um doador de emoções.
Artista da palavra, o escritor sente-se recompensado quando sabe que os livros
de sua autoria estão sendo lidos com agrado. Parafraseando uma canção do
repertório de Milton Nascimento, eu diria que escrever é comunhão. Se algo mais
vier, além da satisfação de se doar – por exemplo, retribuição financeira – não
passa de acessório.
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Quais os escritores e poetas brasileiros vivos que tocam a sua
sensibilidade?
Rubem Fonseca (o romancista), Lygia Fagundes Telles (a contista),
Dalton Trevisan.
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O que está lendo no momento?
“Rua”, livro de contos de Miguel Torga. Excelente. Considero
Miguel Torga o maior contista português em todos os tempos. Na literatura
lusófona ele só encontra, à sua altura, Machado de Assis.
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Tem alguma espécie de ritual para escrever?
Primeiramente, faço quase sempre à mão, um esboço do texto, que
retifico e emendo, depois reescrevo tudo à máquina.
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Em quais projetos literários está trabalhando e o que podemos
esperar já para 2019?
Está na fase de revisão a segunda edição refundida do livro
“Simplesmente Humanos”, que inclui perfis de numerosas figuras do meu convívio.
Para o final do ano, pretendo reunir em livro diversos artigos de minha
autoria, com interesse literário, já publicados em jornais e revistas.
CLIP
Uma frase literária:
“A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo” (Câmara
Cascudo).
Uma cena de romance:
“Judas, o Obscuro”, criação imortal de Thomas Hardy, avista ao
longe as luzes de Christminster, a cidade dos seus sonhos. “Lá, no fim da
extensão dos campos, alguns pontos luminosos resplandeciam como topázios”,
Judas “ficou mergulhado nessa contemplação”, até que aquelas imagens
fascinantes “deixaram de brilhar, extinguindo-se, quase que de súbito, como
velas que tivessem sido apagadas”. A cena, que se desdobra em requintada
descrição, parece sintetizar o teor de melancolia e pessimismo que perpassa
todo o romance.
Um verso:
“Recife pendurado nos meus olhos,
Eu beijo a tua noite nos meus sonhos
E planto o meu destino nos teus mares.”
Zila Mamede (Do soneto “Noturno do Recife”, in “Salinas”, 1958).
Uma palavra:
Atlântico.
Um título de livro:
“Rastejo”, de Humberto Hermenegildo de Araújo.
Um texto teatral:
“A Farsa da Boa Preguiça”, de Ariano Suassuna.
Um personagem:
Sam Weller, do romance “As Aventuras do Sr. Pick-Wick”, de Charles
Dickens.
Um filme:
Dois: “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder, e “Pacto
Sinistro”, de Alfred Hitchcock.
Música:
“Rhapsody in Blue”, de George Gershwin.
TV:
“Globo Repórter”, quando focaliza lugares exóticos.
Uma atriz:
Katharine Hepburn.
Um ator:
Marlon Brando.
Um diretor de cinema:
Billy Wilder.
Blogue:
Não tenho.
Um país:
Portugal.
Ídolo:
Nenhum.
Um momento feliz:
Quando acabo de escrever algo que me satisfaz.
Medo:
Às vezes.
Um assunto proibido:
Não há. É proibido proibir.
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