do papel
ao cedro,
à tinta
esmaga
volume e forma
e cor
a percutir
a vista,
le coeur,
the heart
“Emanoel I”, 1973
ILDÁSIO TAVARES
(1940 - 2010. Gongogi / Bahia)
Durante alguns meses trabalhei em uma galeria de arte paulistana, editando
o trimestral “Jornal Skultura”. Esta semana encontrei em uma das incontáveis pastas-arquivo
uma das edições, número 30, junho de 1990. Nela entrevisto o consagrado artista
plástico e curador EMANOEL ARAÚJO (1940. Santo Amaro da Purificação / Bahia). Na
capa, “Fálico Exu”, de 1987. Comoveu-me, tinha dado como material perdido.
27 anos passados, releio editorial e entrevista.
EDITORIAL
Falar da arte do baiano EMANOEL ARAÚJO é enveredar pelos caminhos
místicos da Bahia de Todos os Santos, mergulhar no afro, no próprio passado do Brasil. Sua história resgata a raça negra, a injusta escravidão, fauna e flora
exóticas, Barroco, cultura do candomblé etc. A arte deste
escultor, desenvolvida em ritmos e cores, também se confunde com a arquitetura.
Aprendiz de marceneiro aos 10 anos de idade, ex-entalhador, seu grande salto
aconteceu quando passou da gravura para a escultura, nos anos 70.
Para uma análise mais detalhada da sua obra, conhecida
internacionalmente, o “Jornal Skultura” dedica-lhe este número, recordando suas criações em 30 anos de carreira. Isto para documentar uma arte que
começou tímida, a nanquim e guache, e mais adiante se destacou por
sua força e geometria vibrante.
ENTREVISTA
EMANOEL ARAÚJO - MATEMÁTICA e PAIXÃO
O escultor baiano EMANOEL ARAÚJO figura na reduzida lista de artistas brasileiros respeitados no exterior. Nascido em Santo Amaro da
Purificação, 49 anos, ele
está celebrando 30 anos de carreira. Diz se sentir recompensado e
que sua trajetória como artista “aconteceu naturalmente, em um ritmo que foi se
desenvolvendo”.
“As dificuldades maiores aconteceram na juventude, inclusive
porque era difícil o desenvolvimento profissional do artista no Brasil. Mesmo assim,
foram anos gratificantes. Eu, que sempre digo que sou do
século XIX, porque nasci numa cidade onde o bonde era puxado por um burro,
envolvi-me com gente que produzia, inclusive
nos momentos mais duros.”
Neto e bisneto de ourives, um dos treze filhos de Guilhermina
Alves de Jesus e Vital Lopes de Araújo, EMANOEL ARAÚJO deixou a cidade natal para
estudar arquitetura em Salvador. Terminou na Escola de Belas Artes
da UFBA. Nessa época, mostrou seus primeiros trabalhos em
exposição na Biblioteca Pública.
“Aos dez anos de idade fui trabalhar com um excelente entalhador,
Eufrásio Vargas, que me mostrou uma palmatória e recomendou que me dedicasse
com afinco a aprender. Gostei da sua oficina e ele se entusiasmou com o meu
trabalho. Eu fazia entalhes de móveis déco,
à moda dos anos 40. Depois fui para a imprensa oficial e voltei a estudar.
Terminei o ginásio aos 19 anos. Minhas primeiras criações foram feitas a
nanquim e guache. A combinação tornava o desenho ‘lavado’, lembrando uma gravura.”
Aluno do conhecido gravador e pintor Henrique Oswald, EMANOEL
ARAÚJO logo se destacou entre os colegas da Escola de Belas Artes, uma novidade
em sua vida, já que, ao longo da infância-adolescência, foi expulso por
insubordinação de vários colégios. Politicamente ativo nos conturbados anos 60,
fez parte dos Centros Populares de Cultura, de greves e manifestações. Entre as
mobilizações desta época, participou na Bahia da campanha pela alfabetização e trabalhou
como cenógrafo em peças polêmicas, de Brecht a Nelson Rodrigues,
dirigidas por Carlos Murtinho, Orlando Senna e Álvaro Guimarães.
“Procuro
explorar o lado expressionista da vida. Busco a arte pública. Já decorei uma
cidade inteira para o carnaval (Salvador,
1967), criei incontáveis cartazes e cartões de Natal, dirigi um museu. Acho
que a grande arte é a obra que está nas ruas. A criação é mais completa quando é
pública. Quando procuro o debate social estou procurando a ‘participação’, ser um
artista interferindo no social. Não quero ficar trancado dentro de um ateliê,
alienado, distante. Acho que o artista, em um país como o nosso, pode e deve
contribuir por todos os meios que tiver ao seu alcance.”
Inquieto, EMANOEL ARAÚJO expandiu sua arte através de exposições e
ilustrações de livros. Não era mais o garoto que tinha conflitos com o pai
ourives que exigia que o filho continuasse sua profissão. Do apoio
incondicional da mãe, nunca abriu mão. “Nós éramos cúmplices. Eu sentia o seu
imenso poder maternal.”, diz o artista. Ao longo dos anos alinhou em seu currículo
dezenas de exposições individuais e coletivas no Brasil e no mundo. Foi
premiado pelo Museu de Arte Contemporânea de São Paulo em
1966. Em 1983 se destacou como o Melhor Escultor da Associação Paulista dos Críticos
de Arte (APCA).
Após xilogravuras abstratas de motivos florais e figurativos,
inspiradas em plantas e frutas da Bahia, encontrou seu real caminho em
esculturas monumentais, sob o signo do geométrico. “Vejo a gravura como uma espécie
de escultura, já que nasce de uma matriz tridimensional. A escultura no meu
caso foi um processo de continuidade. Queria invadir o espaço, criar em concreto e ferro.”, diz o escultor.
Filho de Ogum, Orixá guerreiro que protege ferreiros e
entalhadores, EMANOEL ARAÚJO é de ascendência africana de raízes Nagô e ameríndia. Em 1976 esteve na África, e o impacto deu início a uma
nova fase profissional. Segundo o professor
de Arte da Universidade da Cidade de Nova Iorque, George Nelson: “Cada peça
escultórica de Araújo é uma meditação equânime entre matemática e paixão.”.
“Em 1986 dei aulas em Nova Iorque, no The City College. Era um
curso de graduação em Artes Gráficas. Se quisesse, passava seis meses lá e seis
meses aqui, mas preferi voltar. A verdade é que não me sinto à vontade em
salas de universidade. O professor Henrique Oswald, da Escola de Belas Artes da Bahia queria que eu assumisse o seu lugar. Eu nunca
quis saber da vida universitária. Instituições tiram nossa liberdade. O quero é
ser artista.”
Ele já é o artista que sempre desejou ser. Trabalha o ferro em peças
de robustas dimensões. Monumentos autossustentáveis integrados ao urbanismo de
cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Pietro Maria
Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP), disse dele: “Num certo sentido,
voltado a construção. Suas peças metálicas são moduladas com talento formal e
destacam-se quando servem a arquitetura, dando relevo, integração e animação.” Na escultura nacional, EMANOEL ARAÚJO admira Brecheret, Caciporé
Torres, Vlavianos, Krajcberg e Franz Weissman, entre outros. Sobre sua obra, diz
que atualmente é mais sintética: “Evolui para planos de luz, para a ciência de
certos momentos, de pequenas sutilezas. Meu trabalho está mais leve, a procura
de um espaço que vai se definindo aos poucos, que se desdobra e continua. No
que faço coexistem a arte africana, ideias populares e o Barroco baiano.”
Completando 30 anos de carreira, o artista teve sua escultura “A
Roda” instalada na Estação Barra Funda, em São Paulo capital. Nela, o giro da
roda, ritmo apressado, tensão, busca recorrente, a matemática. Em pleno metrô,
a arte pública desejada por Emanoel. Bela. Talentosa. E pública.
Antonio Nahud
São Paulo, SP. 1990
GALERIA de FOTOS
4 comentários:
Um escroto!
Grande artista, mas um ser arrogante.
Gostei.
Boa entrevista. Parabéns
Postar um comentário